Acórdão nº 845/20.5T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 845/20.5T8AVR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro Recorrente: C...,Lda.

Recorrida: AA _____________ Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1.

AA intentou ação com processo comum contra J... Unipessoal, Lda., e C...,Lda., pedindo o reconhecimento de justa causa na rescisão que operou do contrato de trabalho celebrado com as Rés e a condenação solidária destas a pagarem-lhe as quantias de €300,00 a título de férias não gozadas, €600,00 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsidio de Natal de 2019, €550,90 a título de omissão de formação obrigatória e €5.500,00, a titulo de indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa.

Para tanto alegou, em síntese: ter celebrado com a 1ª Ré, em 18.01.2010, um contrato de trabalho a termo certo, que foi sucessivamente renovado, pelo que se encontra efetiva, exercendo as funções de empregada de balcão – das 7h às 14h uma semana, e das 14 h às 20h30 outra semana, de segunda-feira a sábado (embora constasse do contrato de trabalho o período de trabalho de 40 horas, fazia mais horas que eram pagas à parte) –, no estabelecimento comercial denominado C...,Lda., ora 2.ª Ré, mediante a remuneração do salário mínimo nacional; as Rés tinham por hábito atrasar-se no pagamento do seu vencimento, sem qualquer justificação, sendo que esta situação já se vinha mantendo desde o ano de 2017, vencimento que deveria ser pago no último dia útil do mês de acordo com a clausula 7ª do contrato (assim: no dia 16.06.2017 foi depositado o vencimento respeitante ao mês de maio de 2017; o vencimento do mês de junho de 2017 foi pago pelas rés no dia 13.07.2017; o de julho de 2017 em 18.08.2017; e o de agosto de 2017 a 12.09.2017; apenas em 26.09.2017 foi pago o subsidio de ferias, posteriormente ao gozo de férias; o vencimento do mês de setembro de 2017 foi pago em numerário a 26.10.2017 e o do mês de Outubro de 2017 também o foi a 09.11.2017. O vencimento do mês de novembro de 2017 foi pago a 19.12.2017; o do mês de dezembro a 15.01.2018; em 19.02.2018, pagaram o vencimento do mês de janeiro de 2018, em numerário; em 15.03.2018, pagaram o vencimento do mês de fevereiro de 2018, também em numerário; em 13.04.2018, pagaram o vencimento de março de 2018, e a 15.05.2018 o vencimento do mês de abril de 2018 e assim sucessivamente, os meses subsequentes do ano de 2018 e no ano de 2019, mas sempre atrasado; o subsidio de natal de 2018 foi pago em 5.03.2019); tais atrasos no pagamento do seu vencimento repercutiam-se no pagamento das despesas do seu agregado familiar, que tinha com a alimentação, vestuário, luz, gás e na educação do seu filho, pois o mesmo frequentava o 12º ano de escolaridade, provocando grandes constrangimentos na gestão da sua vida familiar e dificuldades económicas; por causa de tais atrasos, reiterados e sucessivos, em carta registada com AR, comunicou à ora 2.ª Ré a resolução/cessação com justa causa do contrato de trabalho, alegando, entre outras, a falta culposa do pagamento pontual das retribuições devidas, omissão na progressão da categoria profissional, omissão de formação obrigatória; na sequência dessa carta, a 2.ª Ré emitiu a carta datada de 6.05.2019 de folhas 17 verso; apenas lhe foi paga a quantia de €237,69, uma vez que foi entendido que não tinha respeitado o aviso prévio; gozou férias entre 9.03.2019 a 16.03.2019, mas, no entanto, não lhe foi pago o subsidio de férias antes do gozo das mesmas, além de que não gozou 15 dias de férias e, como tal, deverão ser pagos; acresce que também não lhe foi paga a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas por formação e que não lhe foi proporcionada, sendo que já não tinha formação na área que exercia, desde há 5 anos; não teve qualquer progressão na carreira, ao longo dos anos que trabalhou para as Rés como empregada de balcão; sendo-lhe devidos créditos salariais no valor global de €7.000,09, como já recebeu a quantia de € 237,69, o montante ainda em divida perfaz apenas €6.763,21; todas as referidas violações dos seus direitos e garantias tornaram impossível a manutenção da relação de trabalho.

1.2 Contestaram as Rés: - A 1.ª Ré, J... Unipessoal, Lda., alegando, além do mais, que se encontra liquidada e extinta desde 5.01.2012, conforme certidão permanente que apresenta; - A 2.ª Ré, C...,Lda., por sua vez, impugnou o alegado pela Autora nos artigos 6º a 23º e 27º a 36º da petição inicial, e alegou: que os extratos bancários juntos não são o meio idóneo para a demostração dos pagamentos que efetuou; de todo o modo, diz, todos os salários foram pagos à Autora, não tendo ficando nenhum por liquidar; quanto ao grau de lesão dos interesses da trabalhadora, pelo próprio extrato bancário verifica-se que a mesma nunca esteve claramente numa situação de penúria ou sufoco financeiro, mantendo ao longo de todo o tempo uma liquidez que lhe permitia manter a sua vida; a autora não aduz factos concretos que permitam perceber essas invocações, referindo tão somente questões genéricas como constrangimentos na gestão familiar e com o filho que frequentava o 12º ano, quando todos sabemos que, pelo tipo de rendimentos auferidos pela Autora, esta teria comparticipações estatais nos seus estudos; sobre o caracter das relações entre as partes, estamos a falar de uma microempresa familiar com poucos trabalhadores e uma capacidade limitada de tesouraria que, cumprindo todos os seus deveres e obrigações, poderia, eventualmente, incorrer em pequenos atrasos nos pagamentos salariais, mas que, se a autora invocasse urgência no pagamento do seu salário, dado o ambiente de proximidade, certamente a Ré não recusaria, bem como ajudava em momentos de maior dificuldade, como o fez em inúmeras ocasiões; a Autora, pessoa conflituosa, manteve durante o período contratual uma animosidade com a trabalhadora que fazia as manhãs, BB, criando problemas e tensões no ambiente laboral, só atenuando pelo facto de as duas trabalhadoras fazerem turnos diferentes, foi este mau ambiente que terá espoletado a vontade da Autora para se desvincular do contrato, procurando um novo emprego, tendo arranjado trabalho logo de imediato em 29.04.2019, sendo esta a verdadeira razão que subjaz à sua saída e não a que vem mencionada nestes autos; inexistiu qualquer justa causa para a resolução do contrato de trabalho por parte da Autora, constituindo o pedido formulado um claro abuso de direito. Concluiu que a ação deve ser julgada improcedente, e, em consequência, ser absolvida de todos os pedidos.

1.3.

Depois de fixado o valor da causa em €6 763,21, aquando do saneamento dos autos, foi absolvida a 1.ª Ré da instância, invocando-se o disposto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. c), do Código de Processo Civil (CPC).

De seguida, com base no disposto nos artigos 49.º, n.º 3, e 62.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), dispensou-se “a realização da audiência prévia e a enunciação dos temas e prova.” 1.4.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação procedente, e, consequentemente, A- Reconhecer como lícita (por verificação de justa causa) a resolução do contrato de trabalho por parte da autora AA ocorrida a 02.05.2019; B- Condenar a Ré “C...,Lda.” a pagar à autora: B.1 - a quantia de €600,00 (seiscentos euros), a título de subsídio de férias do ano de 2018: B.2. -a quantia de €409,99 (quatrocentos e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de retribuição de férias não gozadas, correspondente a 15 dias; B.3.- a quantia de €401,10 (quatrocentos e um euros e dez cêntimos), a título de retribuição de férias e subsídio de férias no ano da cessação do contrato; B.4. a quantia de €200,55 (duzentos euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de subsídio de Natal do ano da cessação do contrato: B.5. a quantia de €403,78 (quatrocentos e três e setenta e oito cêntimos), a título de formação profissional não ministrada; B.6. a quantia de €3.175,33 (três mil cento e setenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho; o que perfaz o montante global de €5.190,75 (cinco mil cento e noventa euros e setenta e cinco cêntimos) a que deverá acrescer a retribuição do mês de Abril de 2019, no valor de €600,00 (seiscentos euros) e ser deduzido o valor de €237,69 (duzentos e trinta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), já recebido pela autora.

Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).

Valor da acção: o estabelecido aquando da elaboração do despacho saneador (folhas 49) - €6.763,21.

Registe e notifique.” 2.

Inconformada, apresentou a Ré recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as respetivas conclusões, nos termos que agora se transcrevem: “I A autora, nas suas declarações de parte, diz o seguinte: “Há três anos a esta parte, os atrasos no pagamento eram entre 8 e no máximo, 20 dias de atraso” – 11,55 min. a 12,10 min e 12,54 min. a 13,04 min. da gravação “Enquanto eu tinha o meu pai, o meu saldo bancário estava sempre alto, porque eu vivia com a reforma do meu pai. Após a morte do meu pai, eu só vivia com o meu ordenado mínimo e foi aí que começou a descambar” – 35,00 min. a 35,14 min. da gravação “Eu fui para outro lado trabalhar e fiquei a ganhar mais” – 43,55 min. a 44,10 min. Da gravação “Eu não ia pôr uma carta de despedimento se eu não podia dar-me ao luxo de ir para casa tendo um filho ainda para criar, não me dava ao luxo de ficar sem trabalho e ficar sem ganhar nada! Tive de arranjar um trabalho para poder pôr a carta de despedimento para poder seguir a minha vida em frente” – 44,32 min. a 44,55 min. da gravação.

II Estas declarações de...

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