Acórdão nº 1502/21.0T8LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

BB instaurou os presentes autos contra AA, alegando, em síntese, que: - Pretende instaurar inventário para partilha dos bens que integram a herança aberta pelo óbito do pai, CC, falecido em 02-11-2019, em ..., intestado; - A requerida, que é sua mãe, foi casada com CC, no regime de comunhão de adquiridos e desempenha funções de cabeça-de-casal; - A herança de CC é integrada por bens móveis e contas que ascendem a vários milhões de euros; - A cabeça-de-casal recusa-se a fornecer informações e documentos relativos à herança (escritura de habilitação de herdeiros e modelo 1), tendo movimentado contas bancárias à revelia do requerente; - Tendo o inventariado falecido em ..., verifica-se que foi feito constar, falsamente, da escritura de habilitação de herdeiros, que residia na ..., por forma a, através da aplicação da lei ..., condicionar, ilicitamente, as regras de partição da herança (na lei ... o quinhão hereditário do cônjuge é na proporção de 'A); - Foram omitidos bens e valores no Modelo 1 da participação do óbito às Finanças.

  1. Foi dispensada a audição da requerida e, realizada audiência final, foi proferida decisão, em 26.08.2020, com o seguinte teor: “Tudo visto e ponderado, tendo em atenção as considerações expendidas e as normas atrás citadas, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente providência cautelar e, em consequência, decreto o arrolamento dos seguintes bens: a) a totalidade dos bens móveis que compõem o recheio do imóvel que corresponde à residência da requerida, sito em ..., ..., ..., em ...; b) a totalidade dos bens móveis que compõem o recheio do imóvel sito na Rua ..., ..., em ...; c) o veículo automóvel de marca e modelo ...

    com a matrícula ...-PI-...; d) os saldos de contas bancárias tituladas pelo falecido CC à data do seu óbito (ocorrido em 02/11/2019), em todas as instituições bancárias, nomeadamente e sem restringir, nos bancos "BPI" e "BIG"; e) os saldos de quaisquer depósitos, títulos, instrumentos financeiros ou cofres fortes domiciliados no ... SA, com sede em, ..., na ..., tituladas por CC ou AA, nomeadamente, a conta bancária com a referência N.…93; f) os saldos de quaisquer depósitos, títulos, instrumentos financeiros ou cofres fortes domiciliados no ... SA, com sede na ..., na ..., tituladas por CC ou AA, nomeadamente, a conta bancária com a referência ...77...; g) Os saldos de quaisquer depósitos, títulos, instrumentos financeiros ou cofres fortes domiciliados no ...

    com sede em ..., ..., tituladas por CC ou AA, nomeadamente, a conta bancária com a referência ...96 O arrolamento ora ordenado, deve observar as formalidades previstas no artigo 406°, n.°s 1 a 5, do CPC.

    * Ao abrigo do disposto no artigo 405°, n° 3, do CPC, nomeio como depositário dos bens a arrolar a ora requerida, AA; como agente de execução e avaliador desses as pessoas melhor identificadas pelo requerente na audiência de 25/08/2020 (cfr.

    acta correspondente).

    Oportunamente, notifique a requerida nos termos e para o efeito do disposto no artigo 372° do CPC.

    * Custas a cargo do requerente (cfr.

    artigos 539°, n.° 1, do CPC).

    Notifique o requerente, desde já, da presente decisão.

  2. Notificada da realização do arrolamento, a requerida deduziu oposição, na qual pugnou: a) pela revogação do arrolamento; b) Ou, subsidiariamente, pela alteração do decidido nos seguintes termos: “(...) que os bens que são apenas da Requerida por direito não seja incluídos no arrolamento, e que esta se mantenha como depositária dos bens arrolados, em particular das contas bancárias, sob pena de a mesma ficar sem possibilidade de liquidar todas as dívidas que o Requerente deixou, bem como de administrar a herança que é seu dever enquanto cabeça de casal da herança de CC.

    Para sustentar a oposição, a requerida: 1 - Excepcionou que o inventariado tinha, à data do falecimento, residência habitual na ..., pelo que sendo aplicável o Regulamento n.° 650/2012 (doravante, designado por “Regulamento”), os Tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para a tramitação dos autos de Inventário de que estes autos de arrolamento são acessórios.

    Encontrando-se pendente na ... autos em que se discute da aplicação da Lei ..., deve, por essa razão, ser e revogado o decidido.

    2 - Excepcionou que o requerente é administrador de várias sociedades afiliadas à G.…, S.A., cujo capital social é representado por 1.000 acções ao portador, sendo que, dessas 6.670, integram as forças da herança.

    Uma vez que as acções (ao portador) se encontravam nos escritórios da sociedade, à qual lhe foi negado o acesso, pelo requerente, a cabeça-de-casal foi impedida, por aquele, de controlar e fiscalizar a actividade societárias.

    A requerida viu-se obrigada a instaurar vários procedimentos cautelares, por forma a poder cumprir com as suas funções, na medida em que o requerente - pretendendo manter o controlo das empresas que, em parte, integram as forças da herança, lhe negou o acesso ao escritório e a entrega das acções (ao portador) da GESTCOPI - SGPS, S.A, - tendo, ainda, subtraído ao acervo um iate e um avião, que se destinava a actividade comercial (cfr. autos com os n.°s 11269/20...., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... - Juiz ...; n.° 18602/20.... do ..., J.…; n.° 17187/20…, do Juízo Central Cível ... - Juiz ...; n.° 15555/20…, que correu termos no Juízo de Comércio ..., J.…).

    Por decisão do fiscal único de 01-07-2020, que a designou como administradora única da sociedade GESTCOPI - SGPS, S.A (doc. 9) a requerida tomou contacto com as contas das sociedades, tendo concluído que o requerente, abusando das suas funções de administrador das afiliadas as onerou, através da contração de empréstimos hipotecários, junto da banca (doc. 12 e 14), tendo-as descapitalizado, através da transferência de quantias que ascendem a mais de dois milhões de euros, para empresas de que é beneficiário efectivo (docs. 11, 15, 23 e 37 e 38 e docs. 4, 12, 20 e 25) A requerida conclui que tendo o requerente causado um prejuízo de mais de 2.900.000€, tendo subtraído o avião e o iate e discutindo-se a lei aplicável, não se encontra, ainda, definido o acervo hereditário, o que fundamenta que não tenha já instaurado inventário.

    3 - Finalmente impugnou a factualidade alegada relativa ao perigo da mora e impugnou, juridicamente, o modo como foi realizado o arrolamento, o qual, defende, apenas deveria abranger metade do valor dos depósitos, devendo, também, ficar como depositária dos valores depositados, uma vez que se vê obrigada a proceder ao pagamento de dívidas decorrentes da gestão levada a cabo pelo requerente, para administrar a herança.

  3. No dia 17.09.2020, foi proferido o seguinte despacho pelo Tribunal de 1.ª instância: “Requerimento entrado no sistema Citius em 17/09/2020 pelo Sr.

    Agente de Execução: O Sr.

    Agente de Execução pede esclarecimento no sentido de saber se deve «notificar as entidades bancárias da requerida para i) descreverem e informarem o processo do valor dos saldos bancários existentes na data em que a decisão de arrolamento foi proferida, 26/08/2020, ii) nomeando essas mesmas entidades fiel depositários dos saldos aí existentes, e por fim iii) impedirem a movimentação pela requerida da conta a débito».

    Apreciando.

    Versando sobre caso semelhante ao presente arrolamento de saldos bancários, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/02/2018, relatado por DD, no Processo nº 131/11.1TBVLF-B.C1, disponível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos: «1.

    - O arresto pressupõe uma relação bilateral entre credor e devedor, estando em causa o receio daquele de perda da garantia patrimonial do seu crédito, caso em que pode requerer o arresto de bens (apreensão judicial) do seu devedor, com função de garantia e com o efeito de os atos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente/credor.

  4. - Já o procedimento cautelar de arrolamento depende de um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, podendo ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens, não se exigindo, assim, que se trate de “credor” contra “devedor”.

  5. - É adequado a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens – no caso, depósitos em conta bancária – e acautelar o efeito útil do processo de inventário para partilha o arrolamento e não o arresto.

  6. - Nesse caso, havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv., antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito, sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória».

    Na esteira do mencionado Acórdão e atendendo ao disposto no art.º 408.º, nº 1, do CPC e ao receio de que a Requerida extravie/dissipe os depósitos bancários, nomeia-se como depositária a respetiva entidade bancária, a dever impedir a movimentação da conta a débito.

    Pelo exposto, esclarece-se o Senhor Agente de Execução que deverá proceder conforme requerido e mencionado em b) do seu requerimento.

    Notifique o Senhor Agente de Execução e o Requerente”.

  7. Em 24/9/2020, foi proferido o seguinte despacho, também pelo Tribunal de 1.ª instância: “Requerimento de 22/09/2020 - REFª: ...21: A Requerida requer que se mantenha como depositária dos bens arrolados, em particular das contas bancárias, sob pena de a mesma ficar sem a possibilidade de liquidar todas as dívidas que o requerente deixou, bem como da sua própria sobrevivência pessoal, que se encontra atualmente posta em risco, e mais requer que o Requerente seja condenado como litigante de má fé.

    Alegou, em síntese, que: - A Requerida casou em...

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