Acórdão nº 678/21.1TELSB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém-J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 678/21.1TELSB-A, por despacho datado de 29.12.2021, foi determinada a suspensão temporária, pelo período de três meses, de quaisquer movimentos a crédito e a débito, por qualquer meio, nomeadamente, através de cheques, cartões de débito e crédito e homebanking relativamente a quatro contas bancárias pertencentes ao recorrente AA, ao abrigo do disposto nos artigos 47º a 49º da Lei 83/2017 de 18 de agosto, por referência aos artigos 1º, n.º 1, al. i) e 4º, n.º 4 da Lei 5/2002 de 11 de janeiro.

Tal suspensão foi renovada por três meses (até 29.06.2022) através da primeira parte do despacho recorrido proferido em 15.03.2022.

Por requerimento apresentado em 21.02.2022, solicitou o suspeito AA, visado pela suspensão de movimentos bancários, ao abrigo do artigo 49º, n.º 5 da Lei 83/2017, autorização para efetuar pagamentos relativos a despesas próprias e da sociedade BB que o mesmo representa, sociedade também visada pela suspensão de movimentos bancários.

Tal requerimento foi indeferido pela parte III do despacho proferido em 15.03.2022. Inconformado com tal decisão, veio o suspeito interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1ª - O Recorrente requereu ao abrigo do disposto no art. 49º, Nº 5 DA LEI 83/2017 a realização de uma operação pontual de movimentação da sua conta particular, bem como da empresa, por força a efetuar o pagamento das importâncias mencionadas anteriormente.

  1. - O requerente, AA, habilitado com mestrado em engenharia de materiais e metalúrgica, iniciou a atividade da sociedade BB por si criada, em Portugal, em 2018, após lhe ter sido atribuído o visto de residência, empresa esta que se encontra plenamente em funcionamento.

  2. - Nesse mesmo ano, fixou ainda a sua residência em (…), arrendando uma casa e refazendo a sua vida no nosso país.

  3. - Em consequência da suspensão de movimentos das suas contas particulares, bem como das contas da sua empresa, desde 28 de Dezembro de 2021, operada no âmbito do presente Inquérito, AA encontra-se agora numa situação de impossibilidade de pagamento tanto das despesas relativas à sua sobrevivência como das relativas à manutenção da sua empresa, que se consubstanciam em valores avultados e cuja continuação reiterada de falta de pagamento pode cominar numa situação de incumprimento dos diversos contratos, e consequentemente no pagamento de multas e corte de abastecimento de determinados serviços.

  4. - Este requerimento foi-lhe indeferido pelo despacho recorrido, que, começa por elencar as despesas discriminadas no requerimento apresentado por AA, ao abrigo do artigo 49º, nº 5 da Lei nº 83/2017, que o Ministério Público considera constituírem uma operação pontual, promovendo o seu pagamento.

  5. - Considerou o Ministério Público que a atuação de AA revelou uma intenção de contornar sanções impostas ao Irão pela ONU e pela União Europeia, decorrentes da Resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da Decisão do Conselho da União Europeia 2011/235/CFSP e do Regulamento do Conselho da União Europeia nº 359/2011, estes últimos ambos de 12.04.2011, incorrendo por isso numa violação das medidas restritivas impostas pelo direito internacional e comunitário, sancionável pelo artigo 28º da Lei nº 97/2017, de 23 de Agosto.

  6. - Nenhum destes instrumentos legais se aplica ao presente caso.

  7. - Quanto à Resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança da ONU, a mesma visa essencialmente a questão da proliferação de armas de destruição maciça e nuclear no Irão e, na verdade, veio levantar determinadas medidas restritivas relacionadas com este domínio. Assim, o ponto 19. i. da mencionada Resolução diz expressamente o seguinte: “ The EU will terminate all provisions of the EU Regulation, as subsequently amended, implementing all nuclear-related economic and financial sanctions, including related designations, simultaneously with the IAEA-verified implementation of agreed nuclearrelated measures by Iran as specified in Annex V, which cover all sanctions and restrictive measures in the following areas, as described in Annex II: i. Transfers of funds between EU persons and entities, including financial institutions, and Iranian persons and entities, including financial institutions;”, ou seja, todas as sanções aplicadas pela União Europeia relativas à energia nuclear, incluindo a proibição de transferências de fundos de instituições financeiras iranianas para instituições financeiras da União Europeia, foram cessadas desde 2015/2016.

  8. - Tanto a Decisão do Conselho da União Europeia 2011/235/CFSP como o Regulamento do Conselho da União Europeia nº 359/2011, ambos de 12.04.2011, referem-se a sanções aplicadas a pessoas ou entidades responsáveis por violações dos direitos humanos.

  9. - Deste modo, o artigo 2º, nº 1 da Decisão diz o seguinte: “Artigo 2º1. São congelados todos os fundos e recursos económicos que sejam propriedade das pessoas singulares ou colectivas, entidades ou organismos enumerados no anexo I ou que estejam na sua posse, à sua disposição ou sob o seu controlo.

    1. É proibido colocar, directa ou indirectamente, fundos ou recursos económicos à disposição das pessoas singulares ou colectivas, entidades ou organismos enumerados no anexo I, ou disponibilizá-los em seu benefício.” 11ª - Como é referido em ambas as disposições existem listas anexas a estes diplomas das pessoas singulares e coletivas, entidades e organismos, cujos fundos ou bens estão congelados, não podendo haver disponibilização dos mesmos direta ou indiretamente.

  10. - O nome de AA não consta em nenhuma dessas listas anexas, não sendo, consequentemente, tais disposições aplicáveis à sua situação.

  11. - Chega-se assim à conclusão de que na realidade AA não estava sujeito a nenhuma medida restritiva porquanto as sanções financeiras da UE ao Irão no domínio nuclear foram levantadas em Janeiro de 2016 e as no domínio da violação dos direitos humanos não lhe são aplicáveis.

  12. - Igualmente não tem, pelo exposto, qualquer aplicabilidade o artigo 28º da Lei nº 97/2017, de 23 de Agosto.

  13. - Com efeito, AA não só não colocou à disposição, direta ou indiretamente, de uma pessoa ou entidade designada fundos ou recursos económicos, como ele próprio não é nenhuma dessas pessoas ou entidades designadas.

  14. – Quanto à autenticidade dos documentos apresentados por AA, (cujos originais já se mostram juntos a estes autos) sendo emitidos por autoridades governamentais do Irão, possuem a veracidade de qualquer documento emitido por um Estado soberano, sendo incompreensíveis as dúvidas suscitadas no despacho.

  15. – Violou a decisão recorrida o disposto no Art. 49º/5 da Lei 83/2017 de 18 de Agosto e art. 20º/5 da Constituição da República Portuguesa.” Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que autorize a operação pontual de movimentação de contas solicitada.

    *O recurso foi admitido.

    Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Por despacho de 29/12/2021, e por haver fundada suspeita da prática de crimes de fraude fiscal e de branqueamento, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º do RGIT e 368.º-A do CP, foi judicialmente determinada a suspensão temporária de movimentos das contas BPI e Millennium BCP tituladas pelo Recorrente e pela sua empresa, a BB.

    1. A 21/02/2022, AA solicitou autorização para movimentar as suas contas, para pagamento de diversas despesas – o que o Mmo. Juiz de Instrução indeferiu in totum, por se indiciar que aquele tinha tentado contornar as sanções impostas por instrumentos de direito internacional e comunitário à República Islâmica do Irão e dos quais decorre a impossibilidade de uso de intermediários para fazer circular bens e, assim, evitar os procedimentos de verificação acrescidos impostos aos bancos – o que pode configurar também a prática de um crime de violação de medidas restritivas, p. e p. pelo artigo 28.º da Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto.

    2. O Recorrente alega (agora) que, afinal, não estava sujeito a medidas restritivas, mas foi o próprio quem, em requerimento de 27/01/2022, afirmou o contrário, narrando, além do mais que: “Devido a sanções impostas pela ONU (…) viu-se impedido de receber diretamente nas suas contas bancárias em Portugal a herança que recebera de seu pai, pelo que recorreu (…) a uma instituição de intercâmbio que em cooperação com as empresas acima mencionadas transferiram as quantias para Portugal” (fls. 84 a 86).

    3. Como é evidente, se o Recorrente não estivesse sujeito a nenhuma medida restritiva, teria efetuado a transferência de fundos diretamente dos bancos iranianos para os portugueses – mas, ao invés, o que se apurou foi que: entre (…), a sua conta (…) recebeu o total de 360 208,37 €, com origem no estrangeiro, proveniente das seguintes pessoas/entidades: (…); e entre 25/10/2021 e 12/11/2021, a sua conta (…) recebeu o total de 388 465,00 €, também com origem no estrangeiro, proveniente da (…) 5. Ao contrário do que refere o Recorrente, as sanções financeiras da UE ao Irão no domínio nuclear não foram levantadas em janeiro de 2016, pois a Resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança da ONU prevê um prazo de vigência de 10 anos após a data da sua adoção, pelo que só depois do decurso desse tempo, caducarão as restantes medidas da ONU e da UE.

    4. Está em vigor a Decisão 2010/413/PESC do Conselho, de 26 de julho de 2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão, com vista a evitar qualquer apoio financeiro que possa contribuir para atividades de proliferação ou desenvolvimento de armas nucleares, cujo artigo 10.º, n.º 1 sujeita as transferências de ativos financeiros e as transações com bancos...

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