Acórdão nº 161/21.5GFLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | FERNANDO PINA |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 161/21.5GFLLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido: - AA (….) Imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
O arguido AA não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.
Realizado o julgamento, com observância das formalidades legais, na ausência do arguido, que, notificado para comparecer, faltou sem justificação, foi proferida pertinente sentença, na qual se decidiu: - Condenar o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física, previsto no artigo 143, nº 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), correspondentes a 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, artigo 49º, do Código Penal.
(…) Inconformado com esta sentença condenatória o arguido AA, da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes, anormalmente extensas conclusões (transcrição): 1. O Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal a quo, no dia 10 de janeiro de 2021, pelo qual o arguido é condenado numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de sete euros, correspondentes a 60 dias de prisão subsidiária, é de uma manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório.
2. O acórdão recorrido é assim atentatório dos princípios basilares do nosso sistema penal, resultando do texto do acórdão recorrido de forma declarada a violação dos Princípios da imediação da prova e in dubio pro réu.
3. Incorre o Tribunal a quo em erro notório na apreciação da prova, e, tratando-se assim de um acórdão sui generis ao conseguir estar eivado dos vícios mencionados do artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do C.P.P.
4. Acresce à gravidade da decisão que os indícios que o Tribunal utiliza para formar a sua convicção resultam do depoimento da testemunha/ofendido, que claramente tem interesse na condenação do arguido/recorrente.
5. Os pontos 1 a 4 da matéria de facto provada (constante de fls. 1 a 2 do acórdão recorrido) são os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e dos quais resultou a condenação do arguido numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de sete euros, correspondentes a 60 dias de prisão subsidiária. (artigo 412º nº 3 alínea a) do C.P.P.
6. “O tribunal fundou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, a que – o arguido faltou sem justificação, como relatado, e em que – BB, claramente muito mais velho que o arguido, praticamente com o dobro da idade, afirmou ter partilhado com o arguido habitação, onde o arguido o agrediu, pelo que se queixou na GNR no mesmo dia, mas já antes fora agredido na habitação pelo arguido, como também depois quando lhe partiu os óculos, na Rua (…), e que o arguido é muito agressivo, batia-lhe com frequência, pelo que chegou a ir ao Hospital de Faro fazer exame médico por causa das agressões, e também que morou lá com o arguido pouco tempo, talvez cerca de um mês, o arguido foi contaminado pela covid, e ele saiu da casa, o caso foi ainda este ano (2021) no início do Verão, o arguido por tudo e por nada partia para a agressão, tem 20 e tal anos, e ele, BB, 60 anos, e o arguido esmurrou-o na cabeça a seguir ao almoço, por achar que algo estaria sujo, ficou com hematomas, foi ao hospital gabinete médico-legal, e era geralmente na cabeça que o arguido lhe batia durante ou ao fim do dia, o arguido trabalhava em restaurante com horário meio esquisito, e enfim que por isso dormia fechado a chave com medo do arguido, domingo foi a agressão, na segunda-feira foi ao hospital (e realmente 30 de Maio de 2021 calha a um domingo), a casa pertencia ao senhor indicado como testemunha, de cujo nome já não se lembra, e mais que saiu de casa antes de o arguido ter a covid, e desde então não mais o viu, – e CC afirmou conhecer arguido e queixoso por terem vivido numa sua casa no princípio do Verão (de 2021), onde entrou primeiro o arguido, estiveram alguns meses, de favor, não pagavam renda, mas que não presenciou agressões, soube pelo queixoso, que o chamou e disse-lhe que fora agredido, acha que no mesmo dia, e que ia ou já fora à GNR queixar-se, que tinha levado socos na cabeça e fora fazer tratamento, e acha houvera mais situações, pelo que o queixoso disse fazendo um gesto de ferido na cabeça, mas não foi verificar o ferimento, e enfim que acredita que acredita que o arguido lhe bateu, pois o arguido é violento e agressivo com as pessoas: ele, CC, tivera outra pessoa antes no quarto com o arguido, e também tiveram problemas com este, «tinha problemas com toda a gente», e, enfim, que primeiro saiu o queixoso para não haver mais confusões, pediu-lhe ele, e dois ou três meses depois pediu ao arguido que saísse, e ele saiu, forçado, dessa casa que fica numa transversal à Rua (…), e o caso foi este ano (2021), no início do verão: – depoimentos não contrariados por nenhum outro e em parte contestes entre si, e prestados por quem não revelou interesse material algum nos autos, em que nem foi deduzido pedido de indemnização cível, como podia pelo queixoso, e que, conjugados com relatório de exame médico-legal de fls 24 a 26, se entende provarem os factos. Para os antecedentes criminais, CRC junto aos autos.” 7. A factualidade contida nos referidos pontos, segundo o tribunal a quo formou a sua convicção nos seguintes meios de prova: Depoimento de BB; Depoimento de CC; Relatório de exame médico-legal, a fls. 24 a 26 dos autos.
8. Em análise sintetizada da prova testemunhal em termos sintéticos e genéricos realizada é a seguinte: i. A primeira testemunha, BB: Tem todo um discurso bastante confuso e pouco claro, não sabe concretizar as alegadas agressões levadas a cabo pelo arguido/recorrente, todas as respostas são retiradas a custo, bem como apenas refere que a motivação destas alegadas agressões seria por o locado estar sujo.
Refere inequivocamente - duas vezes, quer a instâncias da Sra. Dra. Magistrada M.P, quer a instâncias da Defensora Oficiosa - que apenas saiu do locado após o arguido estar positivo à Covid-19, mais, esta afirmação consta da fundamentação do Tribunal a quo, em conformidade com o ponto 16º deste articulado.
Ainda, salienta de ter de trancar o quarto à chave por ter medo do recorrente, uma vez que este era ser agressivo.
Mas apesar do medo, apenas saiu do locado após o recorrente ter contraído covid-19, caso contrário, pelo visto, ainda lá permaneceria.
9. A segunda testemunha, CC: Refere que não presenciou qualquer agressão por parte do recorrente contra a testemunha BB, que teve conhecimento desta situação apenas porque este lhe contou e que não verificou qualquer marca ou lesão no corpo da referida testemunha.
Acrescentou que, tendo em consideração o conflito entre os seus arrendatários, pediu à testemunha BB que saísse do locado.
Ainda salienta o facto de o arguido ser agressivo.
Deste depoimento não é possível retirar qualquer indício em como as alegadas agressões tiveram lugar por parte do recorrente/arguido contra a testemunha/ofendido.
10. Decorre assim da leitura integral dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento que a partir da prova testemunhal indicada pelo tribunal recorrido não é possível dar como provados os supra, referidos factos.
11. Quanto à prova documental, é referido que a testemunha sofreu “– Crânio: uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5cm por 4cm nas maiores dimensões.
No entanto, não é possível aferir que esta lesão foi infringida pelo recorrente/arguido.
12. Ora da prova supra-referida não é possível afirmar inequivocamente que a testemunha BB foi agredida pelo arguido, aliás, é referido no seu depoimento que ele tinha medo do arguido, no entanto, apenas saiu de casa após o arguido ter Covid-19.
13. Referindo também a testemunha CC, que a testemunha BB saiu da sua casa, após este ter solicitado.
14. Ora, ainda que possamos admitir que o arguido teria uma atitude mais agressiva para com a testemunha BB, não é possível retirar com inequívoca convicção da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido agrediu a testemunha, tendo causado as lesões descritas do relatório médico-legal.
15. Importa ainda referir que apesar de ambas as testemunhas referirem que o arguido tinha uma atitude agressiva, tal afirmação não passa apenas de um juízo de valor feito por ambos, e não traduz de modo algum que o arguido tenha efetivamente agredido a testemunha, e contrariamente a este juízo de valor feito tanto pelas testemunhas como pelo Tribunal a quo, temos o Registo Criminal do arguido em que nada consta.
16. Este entendimento extravasa a compreensão de qualquer homem médio colocado na posição de julgador, pelo que tratando-se de erro notório na apreciação da prova será tratado em sede própria.
17. Nesta sede conclui-se que por falta de elementos de prova, todos os supra, mencionados factos foram incorrectamente considerados provados.
18. Dispõe o acórdão recorrido o seguinte (fls. 4 a 5): “Ora, no caso em apreço, tendo-se apurado que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, 30-05-2021, 16 h, o arguido AA, no interior do Nº (…), área desta comarca, sem que nada o fizesse prever, desferiu diversos murros na cabeça do queixoso BB, que por isso sofreu no crânio uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5 cm por 4 cm nas maiores dimensões, que lhe causou seis dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral nem para a capacidade de trabalho profissional, verifica-se que o comportamento do arguido preencheu o tipo objectivo do artigo 143º, nº 1, CP, mas também o tipo subjectivo, pois da factualidade apurada...
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