Acórdão nº 11/20.0GAETZ-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No âmbito dos autos com o NUIPC nº11/20.0GAETZ em que, entre outros, é arguido AA, foi ao mesmo, por decisão de 1 de outubro de 2021, aplicada a medida de coação de prisão preventiva.

De tal decisão foi pelo arguido interposto recurso, julgado não provido por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de janeiro de 2022.

Em 30 de março de 2022 foi proferido o seguinte despacho (transcrição): “Os arguidos AA e BB encontram-se sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, prevista no artigo 202º, nº1, alínea a) e c) do Código de Processo Penal desde 01.10.2021 e 14.10.2021.

Uma vez que foi proferida a acusação, importa proceder ao respectivo reexame.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção da medida de coacção.

Compulsados os autos, verifica-se que, desde a aplicação da medida de coacção em causa, não se alteraram os pressupostos de facto e de direito que justificaram essa aplicação e é desnecessário proceder à audição dos arguidos (cfr.art.213º, nº3 do Cód. Processo Penal).

Atentos os fundamentos dos despachos de aplicação e de revisão das medidas de coacção, a fls.3, 34, 52, 55, 135 e 145 que aqui damos por integralmente reproduzidos, verifica-se que não foram rebatidos os fortes indícios nem os perigos que se pretenderam acautelar com a sujeição dos arguidos à medida de coacção de prisão preventiva, que saem reforçados com a prolação do despacho acusatório.

Não se mostra excedido o prazo máximo fixado para esta medida coactiva.

Termos em que se decide manter a medida de coacção de prisão preventiva aplicada aos arguidos ao abrigo do disposto nos artigos 191º a 196º, 202º, al.a), e 204º, al.c), todos do Código de Processo Penal.

Notifique e D.N.”*Inconformado com tal decisão, o arguido AA interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: a) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. , pelo qual, na sequência da prolação de acusação, foi considerado manterem-se os pressupostos da aplicação ao Arguido ora Recorrente da medida de coação de prisão preventiva, designadamente Perigo de perturbação do inquérito que findou pela Acusação! b) Pior do que isto, só a constatação de que, quando o Tribunal a quo reavaliou a medida de coação aplicada, mantendo-a, consignou em despacho que os autos deveriam ser concluídos no dia 1 de abril, o que não deixa de ser curioso, se depois verificarmos que o despacho de acusação foi proferido precisamente no dia anterior à “programada” data, inexistindo qualquer acto de inquérito praticado nos três meses anteriores, ou seja, os três meses subsequentes à prisão preventiva fundada no perigo de perturbação do inquérito! c) E pior ainda, só a constatação de que, sem que tenha sido realizada qualquer diligência em sede de inquérito durante três meses, no despacho que reavaliou os pressupostos da prisão preventiva três meses após a sua aplicação, é dada ordem de conclusão para o dia 01.04.2022; E – parece mentira – o Despacho de acusação foi proferido no dia 31.03.2022!! d) À data da detenção, o Arguido era uma pessoa socialmente inserida, que explora um negócio próprio e que tem meios de sustento estáveis que lhe possibilitam viver sem recorrer a qualquer prática delituosa, que nunca antes foi condenado por crime desta natureza, revelando os factos indiciados uma situação subsumível ao “pequeno tráfico”, sendo as quantidades de produto estupefacientes apreendidas (e bem assim as que teriam sido transaccionadas, referidas nos factos que respaldam “escutas” e vigilâncias) objectivamente diminutas; Tudo, portanto, circunstâncias que a decisão recorrida não pondera e que são desde logo susceptíveis de afastar o recurso à prisão preventiva.

e) A primitiva decisão de aplicação da medida de prisão preventiva ao único arguido preventivamente preso e que é o único que tinha um negócio lícito próprio e uma vida estruturada, fundou-se, desde logo, no perigo de perturbação do inquérito, jamais reconduzido a quaisquer factos concretos que indiciassem uma actuação com o propósito de prejudicar a investigação, esquivando-se em anátemas e numa mera possibilidade de que tal acontecesse.

f) E bem vistas as coisas, nunca sequer tal perigo passou de um subterfúgio inventado pelo M.ºP.º e secundado pelo Tribunal a quo, já que, após decretamento da medida de coação – há três meses – nenhum acto de inquérito foi praticado; Não existiu qualquer necessidade de ulterior investigação; g) Portanto, não só é manifesto que nunca tal perigo esteve realmente em causa, não passando de uma desculpa tabelar usada pelo M.ºP.º e secundada pelo Tribunal a quo para justificar a punição antes do julgamento, como na realidade surpreende que o próprio Tribunal a quo não interpele o M.ºP.º para esclarecer a razão pela qual promoveu a prisão preventiva com este fundamento, verificando-se depois a inexistência de qualquer acto de inquérito na pendência da prisão preventiva.

h) Crê-se, por isso, desde logo, que a aplicação da pena de prisão preventiva ao arguido, a mais violenta medida de coação que pode ser imposta e com efeitos de antecipação da punição, sem ponderação de qualquer outra medida – por exemplo a proibição de se ausentar para o estrangeiro; ou, já numa perspectiva mais ríspida, a obrigação de permanência na habitação – não dá respaldo aos princípios da legalidade (arts 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º, do CPP), excepcionalidade e necessidade (arts 27.º, n,º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art. 193.º do CPP), como emanação do princípio da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, bem como, o disposto no art.º 204º do CPP.

i) De resto, a propósito deste pretenso perigo de perturbação do inquérito, o despacho que aplicou a medida de coação ainda em vigor em consequência da decisão recorrida, funda-se numa narrativa totalmente abstracta -«Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há um suspeito que ainda não foram detido, tendo[se] (…) colocado em parte incerta na Roménia. Se estes arguidos AA, CC fossem restituídos à liberdade (…) de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida, podendo aquele através da rede de contactos condicionar a prova testemunhal.» - que amálgama e confunde a fuga de um “suspeito” com o “condicionamento” da prova testemunhal, num argumento centrado no “tipo”, e não em qualquer actuação, concreta, dos arguidos cuja prisão preventiva determinou; j) Agora, o despacho recorrido, constitui o resultado (formalmente falando) da reavaliação (também sem conceder) efectuada pelo Tribunal a quo, relativamente aos pressupostos da prisão preventiva.

k) Durante três meses não foi promovida ou efectuada qualquer diligência de inquérito, com todos os Arguidos em liberdade, inclusive, o Arguido CC, cuja prisão preventiva foi determinada com base nos mesmos factos e com fundamentos aliás comuns aos que serviram ao ora Recorrente, sem que, nesses três meses, se tenha verificado, quanto a qualquer deles, qualquer periculum libertatis...

l) Grave: o Arguido CC, foi libertado, porque o respectivo recurso, igual ao do ora Recorrente (porque iguais eram os pressupostos da prisão preventiva, os factos imputados e todas as demais circunstâncias; Tendo os Arguidos uma relação amorosa, vivendo em economia comum, estando juntos em todos os actos que lhes são imputados, tendo um negócio comum explorado no estabelecimento comercial onde ocorreram apreensões…), foi apreciado por diferente Secção do Tribunal da Relação de Évora.

m) É perante esta realidade, que o MM.º Juiz de Instrução Criminal decide, “chapa quatrio”, manter a medida de coação aplicada, a mais gravosa da bitola de que dispõe, com fundamento na inalteração dos pressupostos, todos eles alterados desde logo pela circunstância de o Arguido CC estar em liberdade (sem qualquer consequência processual, insista-se).

n) A fundamentação com que o faz é, objectivamente, nenhuma: inexiste no despacho recorrido qualquer referência factual, para além da fórmula tabelar que serve a qualquer despacho de idêntico escopo; sequer ao facto de ser impossível “perturbar” um inquérito que está findo! o) Há que ser frontal: não houve reapreciação nenhuma, nem pode ter havido tal reapreciação, na medida em que nem sequer se tocou na questão de não ter sido, nestes três meses de privação de liberdade, praticado qualquer acto pelo M.ºP.º, que promoveu a prisão preventiva com fundamento no perigo de perturbação do inquérito! p) Pasme-se: não foi sequer, ao menos, ponderada a impossibilidade de, findo que estava (e é ostensivo que já estava) o inquérito, já certamente concluso para acusação, não ser possível ocorrer qualquer perturbação do inquérito.

q) Por outro lado, se os fundamentos da prisão preventiva são, no primitivo despacho, comuns ao ora Recorrente e ao Arguido CC, são fundamentos cuja relevância está delimitada pelo momento do inquérito em que foi tal medida determinada, o que, igualmente, nem é perceptível da fundamentação do despacho recorrido! r) Não foi a medida de coação reponderada face à circunstância de a decisão relativa ao Arguido CC ter sido revogada pelo Tribunal da Relação (sendo deveras curioso tal facto não ter determinado a verificação de qualquer dos “perigos” que constituíam fundamento da medida aplicada… s) Não foi ponderada a circunstância de já não se poder manter o fundamento (comum à prisão preventiva aplica ao Arguido CC) de “avisarem” o “suspeito” BB de qualquer operação (o que se fosse o caso o Arguido CC já teria feito… E não há disso notícia).

t) Não foi ponderada a inexistência, por qualquer dos arguidos, da prática de qualquer acto que consubstancie, sequer, uma mera suspeita de que poderão prosseguir com uma (não demonstrada ainda) actividade criminosa.

u) Não foi sequer ponderada a circunstância de o companheiro e sócio do ora...

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