Acórdão nº 80/20.5PACTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da fase de inquérito No Inquérito n.º 84/20.5PACTX que correu termos na Comarca de Santarém, secção do Cartaxo a “AAA”, participou criminalmente da suspeita BB. Referiu, em síntese, que esta tinha procedido a uma ligação direta da rede pública de distribuição de energia elétrica a instalação particular e manifestou, também, a intenção de deduzir pedido civil.

Findo o inquérito foi deduzida acusação em processo sumaríssimo contra a arguida BB pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do CP. Dando cumprimento ao disposto no artigo 394.º do CPP, o MP identificou a arguida, descreveu os factos imputados, mencionou as disposições legais violadas e a prova existente, e referiu o seguinte: “ESTATUTO PROCESSUAL DA ARGUIDA: Promove-se que a arguida aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes da prestação do T.I.R. - Termo de Identidade e Residência, já prestado a fls. 85, medida que se reputa, por ora, de adequada e proporcional a garantir as necessidades cautelares que se verificam no caso em apreço – cf. artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1, 196.º e 204.º, a contrario, todos do CPP.

I) Razões que justificam a não aplicação de pena de prisão: O processo sumaríssimo – forma de processo (especial) que visa a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança não privativas de liberdade – tem lugar sempre que se verifiquem os dois pressupostos contemplados no artigo 392.º, n.º 1, do CPP, a saber: i) - a) crime punível com pena de prisão não superior a cinco anos; ou i) - b) crime punível só com pena de multa; e ii) - que o Ministério Público entenda que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativa de liberdade.

O crime de furto simples é punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a que corresponde uma pena de prisão até 3 anos ou uma pena de multa de 10 a 360 dias.

Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que, quando, como é o caso, forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve dar-se preferência a esta última sempre que realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por outro lado, o artigo 70.º do Código Penal dispõe que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o Tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, as quais, nos termos do artigo 40.º/1 do Código Penal, residem, por um lado, na reintegração do agente na sociedade e, por outro, na protecção dos bens jurídicos, sendo certo que, de acordo com o consagrado no n.º 2 deste último preceito, a pena tem sempre como limite a medida da culpa.

Quer dizer, a preferência do Tribunal pela aplicação de pena não privativa de liberdade fundamenta-se nas necessidades concretas de prevenção especial –ressocialização do arguido –, e nas necessidades de prevenção geral ou de garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.

No que concerne às necessidades de prevenção geral, as mesmas mostram-se muito prementes, atento o bem jurídico tutelado pela incriminação.

No entanto, afigura-se-nos que o presente caso não comporta, por manifesto desajustamento e desproporcionalidade, a aplicação de pena de prisão.

Na verdade, a pena de multa assegura suficientemente as necessidades de prevenção especial, ou seja, de ressocialização da arguida, sendo de realçar, a esse propósito, o facto de a arguida não possuir antecedentes criminais (fls. 95).

II - Dosimetria da pena de multa a aplicar: Quanto à medida concreta da pena, partir-se-á da moldura penal abstracta da pena de multa para o crime de furto simples - que é de 10 a 360 dias de multa – e atender-se-á ao disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Assim, ter-se-á em conta a ilicitude dos factos (atento o valor de energia eléctrica de que a arguida se apropriou e o tempo que manteve o seu comportamento), o dolo intenso (directo), as elevadas necessidades de prevenção geral (pois são incontáveis as condenações diárias dos tribunais portugueses nesta matéria) e as medianas exigências prevenção especial, face à inexistência de antecedentes criminais da arguida, por um lado, e aos seus exíguos rendimentos, por outro.

Nestes termos, sopesados que foram todos os critérios legais de determinação da medida da pena, entendemos ser de aplicar à arguida uma pena de multa de 100 (cem) dias.

Quanto ao quantitativo diário da multa, este deve ser fixado entre €5,00 e €500,00, de acordo com a “situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” (artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal).

No caso, conforme flui da pesquisa do ISS, a arguida aufere uma pensão mensal no valor de €537,32.

O montante diário da multa terá de ser proporcional ao seu rendimento disponível, para se reflectir neste, pelo que se entende ser adequada a sua fixação em €5,50 (cinco e cinquenta euros).

Pelo exposto, propõe-se, nos termos do artigo 394.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a aplicação à arguida BB da pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), no valor global de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros), sem prejuízo da arguida, caso assim o entenda, poder vir a requerer o pagamento dessa multa em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.

Em caso de falta de pagamento da pena de multa, voluntário ou coercivo, a referida pena é convertível em 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.

III - Quantia a atribuir a título de reparação: A AAA manifestou desejo de ser ressarcida dos prejuízos patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta do arguido – fls. 6 (verso).

Ora, a indemnização por perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil quantitativamente e nos seus pressupostos (cfr. o disposto no artigo 129.º, do Código Penal), sendo que a nível processual é regulada pela lei processual penal.

Para existir responsabilidade civil do agente mostra-se necessário verificar do preenchimento dos pressupostos contidos no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, designadamente, da existência de um facto (voluntário) do lesante, da ilicitude do facto, do nexo de imputação do facto ao lesante, da existência de dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso sub judice, a responsabilidade civil do arguido baseia-se na prática de um crime de furto donde resultaram, para a AAA, os prejuízos referidos na acusação.

Pelo exposto, e uma vez que dos autos resulta a existência de um facto ilícito e culposo praticado pela arguida, da existência de danos patrimoniais sofridos pela AAA, bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido pelo arguido e o dano sofrido pela AAA (cfr. artigo 563.º, n.º 1, do Código Civil), considera-se justo determinar o pagamento pela arguida BB o montante global de €1.800,62 (mil, oitocentos euros e sessenta e dois cêntimos), a título de reparação, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, nos termos dos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Penal. (…) remeta de imediato os autos a juízo.”.

  1. Da 1.ª decisão do Tribunal a quo Remetido o inquérito ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica do Cartaxo, em 8.9.2021, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor: “No âmbito dos presentes autos, em que é arguido BB, o Ministério Público vem requerer a aplicação, em processo sumaríssimo, de uma pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.

    Além disso, o Ministério Público deduz pedido de indemnização civil a favor da ofendida AAA., por entender que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, contidos no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, considerando justo determinar o pagamento pela arguida BB o montante global de €1.800,62, a título de reparação, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, nos termos dos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.

    No que concerne à formulação de pedido de indemnização civil no âmbito do processo sumaríssimo regem os artigos 393.º, n.º 2, 394.º, n.º 1, alínea b), e 82.º-A, todos do Código de Processo Penal.

    No primeiro, decorrente da impossibilidade de intervenção de partes civis, determina-se que «Até ao momento da apresentação do requerimento do Ministério Público referido no artigo anterior, pode o lesado manifestar a intenção de obter a reparação dos danos sofridos, caso em que aquele requerimento deverá conter a indicação a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 394.º».

    Por seu turno, o artigo 394.º, n.º 1, alínea b), estabelece que «O requerimento termina com a indicação precisa pelo Ministério Público (…) b) Da quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º-A, quando este deva ser aplicado».

    Finalmente, o artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, preceitua que «Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham».

    Destes preceitos decorre que a atribuição de uma indemnização, no âmbito do processo sumaríssimo, depende do preenchimento cumulativo de três requisitos: - que o lesado manifeste a intenção de obter a reparação dos danos sofridos (artigo 393.º, n.º 2); - que o requerimento apresentado pelo Ministério Público termine com a indicação da quantia exacta a atribuir a título de reparação (artigo 394.º, n.º 1, alínea b)); - e que particulares...

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