Acórdão nº 0789/10.9BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A….., Lda., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, em 27 de outubro de 2018, que julgou improcedente oposição a execução fiscal, instaurada, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Poiares, para cobrança de dívidas de comparticipações financeiras recebidas no âmbito de ação de formação, cuja restituição foi determinada pela Comissão Europeia e executada pelo Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P. (IGFSE, I.P.), no valor global de € 28.174,32.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: « 1. A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos. Entende o recorrente que efectivamente encontra-se prescrita a quantia exequenda.

  1. No que respeita à parcela do FSE, no montante de € 7.947,08, entende a recorrente, tal como assim entendeu a Meritíssima Juiz a quo, que o prazo de prescrição é o que resulta do Regulamento (CE, Euratom), mormente do seu artigo 3º.

  2. Na óptica da recorrente, porém, está em causa o prazo previsto no n.º 1 do citado normativo, que é de 4 anos.

  3. É que em causa, está a prescrição do procedimento de recuperação dos valores alegadamente indevidos e não a prescrição da execução da decisão, prevista no n.º 3 do art.º 3º do diploma em referência, conforme considerou o tribunal recorrido.

  4. Seguimos, neste vector, a argumentação do douto Acd. de fixação de jurisprudência proferido em 26-02-2015 pelo pleno da secção do STA no âmbito do processo 0173/13.

  5. Na falta de disposição nacional específica que preveja um prazo mais longo - que não existe - o prazo de prescrição é de quatro anos.

  6. No mesmo sentido, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal, desta Secção de 30-10-2014, proc. 092/14 e da 2ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12 e Acd. do TJUE no acórdão de 5 de Maio de 2011, proc. C - 201/10 e C - 202/10 (disponível em http://curia.europa.eu).

  7. Na verdade, o que efectivamente está em causa, é a prescrição do procedimento tendente à recuperação dos valores alegadamente indevidos e não o prazo de 3 anos de execução da decisão.

  8. A douta sentença recorrida expressa que o início da contagem do prazo de prescrição ocorre em 17.07.2010, correspondente à decisão final sobre as despesas elegíveis. Que tal prazo se interrompeu com a citação, ou seja, 25.10.2010.

  9. A parte final do n.º 1 do art.º 3º do Regulamento 2988/95 estatui que: A prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina o prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do art.º 6 que, diga-se, ocorre quando exista procedimento penal. Que não é o caso.

  10. Logo, independentemente da interrupção com a citação, à luz deste normativo e considerando a data de 17.07.2010 como início da contagem do prazo (o que apenas se pondera por necessidade expositiva) sempre ocorreria a prescrição em 17.07.2018.

  11. Não valendo, salvo o devido respeito, conforme defendido pelo Tribunal a quo a disciplina do n.º 1 do art.º 327º do Código Civil. Com efeito, a única circunstância suspensiva do decurso do prazo de prescrição, prevista no diploma regulador é, conforme dito, a pendência de processo de natureza criminal.

  12. O direito comunitário é de aplicação directa no direito interno e as normas especiais derrogam as normas de cariz geral.

  13. O prazo da prescrição conta-se desde a data em que foi praticada a irregularidade.

  14. Esta data sempre terá de ser considerada como a data da prática do alegado facto ilícito e não a data da decisão da comissão de pedido de restituição das alegadas quantias indevidas.

  15. Esta, quanto muito, poderá ser considerada causa de interrupção do prazo em curso nos termos da parte final do n.º 1 do art.º 3º do Regulamento 2988/95.

  16. É este aliás o entendimento do citado Acd. de fixação de jurisprudência.

  17. Os apoios em dinheiro foram entregues à recorrente em 09.05.86, 18.08.86, 03.12.86, 05.02.87 e 28.07.88, pelo que iniciando a contagem do prazo de prescrição nestas datas, o procedimento de recuperação dos valores alegadamente indevidos sempre havia prescrito nos meses de Maio, Agosto e Dezembro de 1990; Fevereiro de 1991 e Julho de 1992, respectivamente.

  18. Decidiu mal a Meritíssima Juiz a quo, ao não julgar procedente a alegada prescrição.

  19. Violou a douta sentença recorrida o art.º 3º do Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995.

  20. Julgou igualmente mal o Tribunal recorrido ao não julgar prescrito o crédito de € 20.227,25 correspondente à comparticipação do Estado Português, nos termos do art.º 40º do DL 155/92 de 28 de Julho - Vd. Acd. do STA de 16.04.1996, processo número 038206, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt e o Acd. da 2ª Secção deste Supremo de 06.06.2018, tirado do processo 01614/15, também disponível em www.dgsi.pt.

  21. O início da contagem do prazo de prescrição ocorre com o recebimento, pelo particular, dos dinheiros públicos que, conforme dito supra, ocorreu em 09.05.86, 18.08.86, 03.12.86, 05.02.87 e 28.07.88. Neste mesmo sentido, vd. Acd. do TCA Sul de 03.10.2013, Processo n.º 06942/13, disponível em www.dgsi.pt.

  22. Assim, a prescrição ocorreu em 09.05.1991, 18.08.1991, 03.12.1991, 05.02.1992 e 28.07.1993, respectivamente.

  23. Mas ainda que, conforme a douta sentença recorrida, seja considerado o prazo geral de 20 anos, à luz deste entendimento de ocorrência do dies quo, sempre a conclusão pela prescrição seria a mesma, pois que, o início de contagem sempre teria que ser as datas referidas supra de entrega dos fundos à recorrente e não, conforme considerado pela Meritíssima Juiz a quo, a data em que a restituição foi pedida (13.08.2010).

  24. E isto sem que constitua uma violação do art. 306º n.º 1 do Código Civil. Com efeito, o direito do credor, está em condições de ser exercido, a partir do momento em que disponibilizou os Fundo à recorrente.

  25. Considerar que o exercício do direito, conforme decorre da douta sentença recorrida, está em condições de ser exercido apenas com o termo do procedimento de averiguações, que ocorre em 14.07.2010, significa um eternizar dos prazos de prescrição com manifesta violação do princípio da proporcionalidade que tem acolhimento constitucional no art.º 18º n.º 2 da CRP.

  26. Conforme referido por Ana Filipa Morais Antunes o início da prescrição não é impedido pela ignorância do titular acerca da existência do direito ou da sua titularidade - Prescrição e Caducidade 2ª Ed. pág. 84.

  27. Conforme decidido no douto Ac. do STA de 22.09.2016, tirado do Proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1 e disponível em www.dgsi.pt: O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. (...) 29. O início do prazo é «factor estruturante do próprio instituto da prescrição, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo».

  28. O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respectivo credor, sendo compatível com prazos longos».

  29. O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».

  30. Nesta matéria, o art.º 306º, n.º 1, do Cod. Civil, adoptou o sistema objectivo, que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido.

  31. Tal expressão constante dessa disposição (art.º 306º, n.º 1, do Cód. Civil) deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, o que, no caso de obrigações puras, ocorre a todo tempo. (…).

  32. Não releva, desta forma, conforme vem dito, o procedimento inspectivo desencadeado pelo FSE, tendente à averiguação das despesas elegíveis. Pois que, o direito à restituição das quantias que considera incorrectamente atribuídas inicia-se no exacto momento em que entrega os Fundos são entregues ao particular, aqui recorrente.

  33. Considerar que o prazo de prescrição se inicia com a notificação da decisão do procedimento de averiguações, afigura - se manifestamente violador dos princípios subjacentes ao instituto de prescrição e dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, corolários dos principio do Estado de Direito, consagrado no art.º 2º da CRP.

  34. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

  35. Assim, ainda que se entendesse, como fez a Meritíssima Juiz a quo, que o prazo de prescrição é o que decorre do art.º 309º do CC, sempre a conclusão pela prescrição se impunha, à luz do que vem dito.

    Concretamente, na consideração do dies quo assinalado.

  36. Entende o recorrente, sem prescindir, contudo, que o prazo de 20 anos é inaplicável in casu.

  37. Com efeito, não se aceitando que o prazo é o que decorre do art.º 40º do DL 155/92 de 28 de Julho, sempre seria de concluir, também quanto a estes Fundos, que é de aplicar o mesmo prazo previsto no Regulamento 2988/95 do Conselho de 18 de Dezembro de 1995.

  38. Apesar de se tratar de Comparticipações do...

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