Acórdão nº 0179/15.7BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelGUSTAVO COURINHA
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações Fazenda Pública vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 585 a 658 do SITAF, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Banco A…………, SA, melhor identificado nos autos, contra despacho de indeferimento proferido no âmbito do processo de reclamação graciosa relativo aos atos tributários de IRC respeitantes aos exercícios de 2010 e de 2011 e respetivos juros compensatórios.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

  1. Não se nos afigura relevante a consideração feita pela lei fiscal entre gastos e perdas a propósito das duas normas em apreciação (arts. 18º n.º 9 e 45º n.º 3 do CIRC), porquanto na noção de gastos e da enunciação, a título exemplificativo dos mesmos, descrita nas diversas alíneas do art. 23º do CIRC, se refere a gastos e perdas, pelo que a mera referência a perdas feita no n.º 3 do art. 45º do CIRC não permite a conclusão de que não pretende abranger tais gastos, sob pena de todos os gastos previstos no n.º 9 do art. 18º do CIRC se encontrarem excluídos daquela limitação de dedutibilidade, o que não foi notoriamente o pretendido pelo legislador fiscal ao mencionar tais perdas.

  2. Dos parágrafos 76 e 77 da Estrutura Conceptual do SNC resulta que a definição de gastos engloba perdas e no CIRC, após as alterações preconizadas pelo Dec. Lei n.º 159/2009, os conceitos “custos e perdas” são simplesmente substituídos por “gastos” no CIRC (art. 8º n.º 2 al. f) do identificado diploma legal), pelo que o sentenciado viola lei expressa, padecendo de erro de julgamento.

  3. O art. 45º n.º 3 do CIRC inclui todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, os gastos resultantes da aplicação do justo valor.

  4. A decisão arbitral proferida pelo CAAD, no processo n.º 96/2016-T, de 26/10/2016, confirma este entendimento, ao ter afirmado “a perda é uma tipologia de gasto”, “a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisada à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC” e “as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital (…) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.” e) Ainda sem conceder, as decisões proferidas pela jurisprudência arbitral (CAAD - processos n.ºs 87/2016–T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015, e ainda o voto de vencido dado no processo n.º 30/2015-T, de 11/12/2015) defendem que se “sobrevaloriza a dicotomia dos termos “gastos” e “perdas””, pois “no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas” e “se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redação da norma em conformidade”.

  5. A opção legislativa de manter quase doze anos o regime que resultava do art. 45º n.º 3 do CIRC teve na sua base “uma razão de interesse público…obter uma mais justa equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espécies de contribuintes”, sendo que “não viola o preceito constitucional um regime fiscal que se traduza numa menor ponderação, para efeitos tributários, de determinadas menos valias contabilizadas pelas empresas.”, conforme ficou decidido pelo Tribunal Constitucional acerca do art. 45º n.º 3 do CIRC (Acórdão n.º 85/2010).

  6. Importa ainda ter presente que a manutenção desta norma legal durantes todos estes anos, decorre do facto do valor dado pelo mercado não pode ser considerado como imune a manipulações; o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista; mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objetivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º n.º 3 do CIRC, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se refletem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (conforme decisão arbitral dada no processo n.º 25/2015-T, de 24/09/2015).

  7. Discorda-se ainda do sentenciado, por se afigurar que a opção pelo justo valor, com a consequente não aplicação da limitação prevista no art. 45º n.º 3 do CIRC, não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal, que foram algumas das preocupações do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico-fiscal o ex art. 42º n.º 3 (atual art. 45º) do CIRC, pela Lei n.º 32-B/2002, para além ser uma medida de moralização, neutralidade, alargamento da base tributável, ou seja, também uma medida de consolidação orçamental, e que as manteve ao alterar a redação daquele preceito através da Lei n.º 60-A/2005.

  8. Conforme ficou melhor demonstrado nas alíneas 15) a 17) das alegações, e seguindo os entendimentos dos autores ali referidos, e a decisão lavrada pelo CAAD no proc. n.º 25/2015-T, a mensuração pelo justo valor revela incertezas, com reflexos na realidade económica, e com repercussões nas receitas fiscais, além de que a subjetividade inerente à contabilização pelo justo valor gera uma maior dificuldade do controlo da sua operacionalidade para efeitos fiscais.

  9. O sentenciado não tomou em consideração a natureza dos ativos financeiros que estão na origem das perdas por justo valor, ou seja, desconsiderou o sentenciado que o regime legal previsto na al. a) do n.º 2 do art. 57º da Lei n.º 53-A/2006, veio permitir que uma concreta parte dos ativos das sociedades sejam mensurados ao justo valor, em oposição ao custo histórico, ou ao valor de aquisição, conforme vigorou até à entrada em vigor do referido regime legal.

  10. Ou seja, até à ocorrência desta alteração legislativa, as perdas por justo valor não eram simplesmente aceites como custos fiscais, somente a partir daí veio admitir-se que as variações patrimoniais dos ativos e passivos financeiros mensurados pelo justo valor, nomeadamente, as perdas por justo valor, em participações inferiores a 5% do capital social, pudessem concorrer para a formação do lucro tributável.

  11. Posteriormente, visando a adaptação do CIRC ao SNC, através do Dec. Lei n.º 159/2009, o art. 18º n.º 9 al. a) do CIRC, veio admitir-se que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor sejam considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.

  12. Contudo, afigura-se que o legislador, ao ter previsto sob a al. a) do n.º 9 do art. 18º do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”, e “o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social”, pretendeu pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

  13. A interpretação, segundo a qual, as perdas por justo valor aqui em causa, se subsumem no âmbito de previsão do art. 45º n.º 3 do CIRC, preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.

  14. As variações negativas pelo justo valor apenas concorrem para o lucro tributável em 50% do seu valor, nos termos do art. 45º n.º 3 do CIRC, conforme alguma doutrina conhecedora do “thema” têm manifestado.

  15. “Pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor.” (“O Justo Valor e o Código do IRC”, constante nas págs. 201 e 202 da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, Inverno).

  16. “Conforme referido acima, o actual CIRC prevê, na alínea a) do nº 9 do artigo 18º, o regime de tributação pela variação do justo valor, a acções cotadas, quando participadas em 5% ou menos e quando reconhecidas contabilisticamente ao justo valor por resultados. Com base neste normativo poder-se-ia concluir que, para aquelas acções, quer os ganhos decorrentes de aumentos de justo valor (seja no ano da venda, seja em anos anteriores), quer as perdas resultantes de descidas de justo valor, seriam consideradas fiscalmente. Não obstante, prevê o n.º 3 do artigo 45º que 50% dessas perdas de valor não serão aceites fiscalmente.” (Luísa Anacoreta Correia, Revista Revisores e Auditores, n.º 53, 2º Trimestre de 2011, págs. 34 e 35).

  17. “O legislador, manteve, igualmente as condições em que se verificam limitações à dedutibilidade das menos-valias e outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital e outras componentes de capital próprio, constantes dos atuais artigos 23.º, n.ºs 3 a 5, e 45.º, n.º 3, todos do Código do IRC. Cabendo apenas salientar que parece resultar da redacção destas normas que estas limitações serão aplicáveis...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT