Acórdão nº 2475/17.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. M.

intentou ação com processo comum contra A. R.

, pedindo: A) a anulação do negócio celebrado entre autor e réu, e em consequência, B) ser o réu condenado a restituir ao autor o quantitativo de 7. 000,00€ (sete mil euros), a título de restituição do preço devido pela aquisição do veículo - marca SM., modelo ...

, matrícula PR, do ano de 2010 - acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento; C) ser o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 1. 000,00€ (mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento; se assim não se entender, D) reconhecer-se o direito do autor resolver o contrato celebrado com o réu, e em consequência, E) ser o réu condenado a restituir ao autor o quantitativo de 7.000,00€ (sete mil euros), a título de restituição do preço devido pela aquisição do veículo, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento e, ser, ainda, F) o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 1.000,00 € (mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento; mais peticionando que, se assim não se entender, G) ser o réu condenado a pagar ao autor o quantitativo de € 7.485,55 € (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), devidos pela reparação do veículo, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento e ser, ainda, H) o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 1 000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que comprou um veículo automóvel ao réu e que este o informou que o mesmo se encontrava em excelentes condições e apresentava apenas 83500Km de rodagem, facto que verificou pelo conta-quilómetros. Mais alega que foi com base nas características e estado do veículo, mormente a quilometragem que decidiu adquirir o referido veículo ao réu, tendo procedido ao pagamento de 7.000,00 €. Alega, contudo, que em julho de 2017 o veículo em causa começou a apresentar sérios problemas de funcionamento e tendo decido levá-lo à marca M.

-...

foi informado que o mesmo apresentava várias avarias e que tais avarias estavam relacionadas com a quilometragem do veículo que já deveria ultrapassar os 185 000 Km, sendo que consultado o histórico do veículo o mesmo em dezembro de 2013 contavam com mais de 119 000 Km. Por último, alega que está privado do veículo e que isso lhe acarreta transtornos morais.

O réu deduziu contestação, impugnando na sua maioria os factos alegados pelo autor, uma vez que quando adquiriu o veículo o mesmo apresentava 83 380 Km, desconhecendo que a viatura pudesse padecer de viciação. Mais defendeu que o custo da viatura foi de 6.250,00 € e que os pedidos do autor configuram abuso do direito, uma vez que já tendo usufruído do referido veículo, sempre teria de haver redução do preço, caso a ação fosse procedente. Alega, ainda, que havia componentes satélites do motor que era preciso intervencionar, mas que o autor não deixou, sendo certo que tal reparação seriam cerca de os 500,00 €. Pugna pela improcedência da ação e requerer a intervenção da sociedade J. E., Unipessoal, Lda., a quem havia adquirido o veículo em causa.

Foi sucessivamente requerida, e deferida, a intervenção provocada de J. E., Unipessoal, Lda., P. C. Automóveis, Lda., X - Comércio de Automóveis, S.A., R. P. e D. F., e de Y, os quais apresentaram contestação.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, conforme dispositivo que se transcreve: «(…) Pelo expendido, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) reconhece-se o direito ao autor de resolver o contrato celebrado com o réu A. R.; b) condena-se o réu A. R. a restituir o preço devido pela aquisição do veículo SM., deduzido do valor daquele uso até outubro de 2017, a liquidar nos termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, até ao limite do preço inicialmente pago pelo autor de €6250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros). Mais se absolve o réu dos restantes pedidos formulados.

*Fixam-se as custas da ação pelo autor e pelo réu, na proporção do decaimento (artigo 527.º n.º 1 e 2 do Cód. Proc. Civil)».

Inconformado com tal decisão, veio o réu, A. R. (que também usa a denominação comercial de Stand N. R.) dela veio interpor recurso de apelação, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação. Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. Vem o presente recurso interposto da sentença que antecede, que julgou procedente, por provada, a acção proposta pelo Recorrido e, consequentemente, reconheceu o direito deste de resolver o contrato celebrado com o Recorrente refente à viatura de marca SM., modelo For Two, do ano de 2010, de matrícula PR, e consequentemente condenou o Recorrente a restituir o preço devido pela aquisição da viatura, deduzido do valor daquele uso até Outubro de 2017, a liquidar nos termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, até ao limite do preço inicialmente pago pelo autor de €6.250,00.

  1. A sentença recorrida, na apreciação que faz da prova, viola o disposto nos artigos 414.º, do Código do Processo Civil e 342.º, do Código Civil.

  2. O que se devidamente aquilatado impele, arreigado nas referidas imposições normativas, a dar como não provado o ponto 11 da factualidade provada - "11. Nessa altura, ao pedir um histórico do veículo, o autor ficou a saber que já em Dezembro de 2013 a quilometragem do SM. que adquirira ao réu ultrapassava os 119000Km." IV. Com efeito, o fundamento fáctico para procedência da acção, a suposta viciação dos quilómetros que foi descortinada e para esse fim considerada, e que conduziu ao reconhecimento do direito do Recorrido de ver resolvido o contrato celebrado para a sua aquisição, surge com o amparo legal do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, de acordo com as alterações subsequentes, e sustentada tão-somente num único documento emanado pela M.

    -...

    Portugal - Declaração de fls. 10 e verso dos autos.

  3. Documento esse que não tem a virtualidade probatória de contribuir, desapoiado de mais elementos, como é o caso, para dar como provado tal facto, isto tendo por base as limitações que do mesmo advém e das sérias dúvidas criadas pelo esclarecimento prestado pela M.

    -...

    Portugal quanto ao seu fim e à veracidade do facto aí inserto - fls. 234 dos autos (e-mail da M.

    -...

    Portugal em resposta ao pedido de esclarecimento que lhe foi dirigido pelo Tribunal).

  4. O documento de fls. 10 constitui um singelo registo das intervenções realizadas ao abrigo da garantia do veículo (seja das legais seja das de cortesia), não sendo, por isso, um registo das revisões realizadas que pudesse ser cronologicamente considerado, como a sentença propendeu para que o fosse.

  5. Acresce que tal documento agrega, em justa medida, 4 intervenções destintas realizadas ao abrigo da garantia, designadamente em 05.08.2010 (com 15.020Km), em 10.12.2010 (com 29.991km), em 26.10.2011 (com 58.974Km ) e a última em 13.12.2013 (com 119.000Km), mediando entre as últimas duas um período temporal de cerca de 26 meses.

  6. Do cotejo com o referido documento é também evidente que até 26.10.2011 o veículo foi intervencionado na mesma oficina - código ...

    - e na última já foi em outra diferente - código ....

  7. Ora, só o facto da inserção dos 119000Km resultar num número redondo contribui, por si só, para gerar alguma estranheza, melhor dito dúvida, então quando conjugado esse número com o esclarecimento prestado pela M.

    -...

    sobre o fim prosseguido por essa base de dados e os contornos da inserção dos dados a hipótese de erro humano assume outra expressão que abala e coloca, sem mais, sobre a égide da dúvida a veracidade dessa informação quilométrica, a qual se não colmatada por outro meio de prova tem que ser considerada contra quem da mesma se pretende valer.

  8. Pois, da informação constante da fls. 234 dos autos ressuma patente que esse histórico contém somente as intervenções (i) das condições de garantia SM.; (ii) de acções de serviço; (iii) de intervenções cujo custo tenha sido, total ou parcialmente, assumido pelo fabricante a título de mera cortesia comercial; XIV. Sobrevém, ainda, salientar que toda a prova produzida conduz, assim se comunga, à legítima e séria dúvida sobre a consagração desses 119000km quilómetros, desde logo a testemunhal.

  9. Cuidando, tal resposta, de seguida em "(...) esclarecer que as informações constantes da mencionada base de dados e relativas a intervenções realizadas são carregadas e da exclusiva responsabilidade das próprias Oficinas Autorizadas SM. intervenientes. " XII. E, por fim, dando a devida nota que "A viatura em apreço não está equipada com livro de manutenção digital, sendo os serviços de manutenção registados no livro físico que lhe corresponde, não tendo, a M.

    -...

    Portugal, acesso a tal informação." XIII. Promana, assim, da prestada informação que a inserção destes dados é realizada sob a responsabilidade do concessionário e mediante a inserção manual, pelo que não está a mesma imune ao erro humano, o que foi desconsiderado e não o podia ser e contende, por isso, com a convicção do Tribunal que se encontra reflectida na sentença.

  10. Sobrevém, ainda, salientar que toda a prova produzida conduz, assim se comunga, à legítima e séria dúvida sobre...

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