Acórdão nº 71/21.6TELSB-E.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução31 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–RELATÓRIO 1.

–No Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 1, NUIPC 71/21.6TELSB, aos 18/11/2021, foi proferido despacho pelo Mmº JIC que indeferiu as pela “M. , S.A.” invocadas – em 06/07/2021 – nulidades ou irregularidades da busca e apreensão nessa mesma data efectuadas.

  1. –Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso ““M., S.A.”, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1.

    –O presente recurso vem interposto do Despacho proferido pelo Mm. Juiz de Instrução Criminal, em 18.11.2021, nos termos do qual o Tribunal a quo julgou improcedentes as invalidades arguidas pela Recorrente no decurso das diligências de busca e apreensão realizadas em 06.07.2021.

  2. –Deve o presente recurso ser admitido nos termos do disposto nos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, todos do CPP, mais devendo subir imediatamente, em separado, e com efeito suspensivo do processo - cfr. artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do CPP -, o que se requer.

  3. –Em concreto, deve ser atribuída a subida imediata, nos termos do artigo 407.º, n.º 1, do CPP, na medida em que a respetiva retenção tornaria o recurso absolutamente inútil, já que uma das matérias que constituem objeto do mesmo é a incompetência do TCIC para proferir o despacho de 22.06.2021 que autorizou a apreensão de correio eletrónico no decurso das buscas.

  4. –Apesar de, no caso em que a incompetência fosse apreciada apenas a final pudesse ser possível, em teoria, proceder-se à anulação do processado entretanto consumado demonstra a prática judicial que este é um dos casos em que tal simplesmente “não faz sentido".

  5. –É que, na circunstância de o conhecimento da incompetência do tribunal ser relegado para o momento em que eventualmente venha a ser interposto recurso da decisão final, terão sido tramitadas diferentes fases processuais, a serem anuladas e repetidas (cfr. artigo 119.º, alínea e) e 122.º do CPP), com efeitos até à fase de inquérito, o que consistiria na mais flagrante violação dos princípios da economia e da celeridade processuais, bem como no princípio da limitação de atos (cfr. artigo 6.º, 547.º 130.º do CPC), com fortes prejuízos para a administração da justiça, a nível económico e de prestígio.

  6. –De resto, tem a Relação de Lisboa conhecido de recursos com fundamento na incompetência do TCIC em que é, precisamente, fixada a subida imediata e em separado do recurso.

  7. –O Despacho do Ministério Público refere apenas estar em investigação o crime de fraude fiscal, não incluído nos casos de competência do TCIC previstos no artigo 120.º da LOSJ - cfr. artigos 119.º, alínea e), 122.º, n.º 1, ou, à cautela, 123.º, n.º 1, do CPP.

  8. –O entendimento do Tribunal a quo, transcrevendo uma promoção do Ministério Público, segundo o qual (i) estaria em causa "uma atividade delituosa desenvolvida, pelo menos, na área das comarcas de Lisboa e Porto"; (ii) estariam ainda em investigação factos suscetíveis de integrar branqueamento de capitais (artigo 120.º, n.º 1, alínea e) da LOSJ), e (iii) infrações económico-financeiras (artigo 120.º, n.º 1, alíneas j) e k) da LOSJ) decorre de uma errada interpretação e aplicação dos artigos 119.º, n.º 1, e 120.º da LOSJ, em violação do artigo 119.º, primeira parte e alínea e), e 33.º, n.º 1, do CPP, 9.

    –sendo ainda contrário a considerações vertidas em jurisprudência fixada no Acórdão 2/2017 do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da qual, quando o juiz é chamado a intervir durante a fase de inquérito, deve apreciar a respetiva competência para a prática do ato naquele momento específico e para aquele ato concreto, com base nos elementos que lhe são apresentados pelo Ministério Público.

  9. –Na medida em que o Despacho do Ministério Público que promove que seja proferido o Despacho Judicial se refere unicamente ao crime de fraude fiscal, não pode vir-se agora, com base numa promoção do Ministério Público posterior às buscas e à respetiva arguição de nulidade, avançar estarem em causa outras infrações, conforme, supostamente, resultará de outros elementos dos autos (a "fls. 137/140" e a "fls. 144") - que não foram disponibilizados à Recorrente, apesar de requerimento apresentado para o efeito, em prejuízo dos princípios do contraditório e da igualdade de armas e dos seus direitos de defesa e ao recurso (cfr. artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) - e que, tanto quanto se sabe, não foram igualmente disponibilizados ao TCIC no momento em que este aferiu da respetiva competência.

  10. –No mais, não procede o argumento de que está em causa uma atividade desenvolvida em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação (cfr. artigo 120.º, n.º 1, primeira parte da LOSJ), já que apenas será atribuída competência ao TCIC com base nesse critério quando, em simultâneo, estiverem em causa os crimes elencados nas alíneas a) a k) daquele n.º 1 do artigo 120.º da LOSJ, o que, como vimos, não se verifica.

  11. –Por constituir a incompetência do tribunal uma nulidade insanável, requer-se a V. Exas. que se dignem declará-la, nos termos do artigo 119.º, alínea e), e 33.º, n. º 1, do CPP, com a remessa do processo para o tribunal competente e a declaração de nulidade do despacho judicial, bem como de todos os atos materiais de busca e apreensão levados a cabo, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, ou pelo menos, a respetiva irregularidade nos termos do artigo 123.º, com a invalidade de todos os atos materiais levados a cabo com base no despacho judicial.

  12. –No requerimento apresentado durante as buscas, arguiu a Recorrente a nulidade ou, à cautela, a irregularidade das diligências realizadas sem efetivo despacho e mandado do Ministério Público, porquanto a Diligência ocorreu em morada diferente da que corresponde ao local ordenado buscar, cfr. artigos 174º, 176.º, 178.º e 118.º a 123.º do CPP.

  13. –Ou, numa outra perspetiva, concluindo-se que era aquela a morada pretendida buscar -o que não se concede -, a irregularidade do Despacho do MP por falta de fundamentação, já que não se fundamenta qual a razão da realização de buscas em morada diferente da sede da(s) entidade(s) buscada(s), cfr. artigos 97.º, n.º 5, 174.º, n.º 2, e 123.º, n.º 1, do CPP, 15.

    –acarretando, em qualquer um dos casos, a nulidade ou, pelo menos, a irregularidade da Diligência e da prova apreendida, cfr. artigos 122.º e 123.º, do CPP.

  14. –Entendeu, porém, o Tribunal a quo, em suma, que: (i) “as buscas são realizadas em lugares (...) independentemente da titularidade ou da disponibilidade do local"; (ii) em 18.06.2021, "o Ministério Público indicou como local a buscar a morada sita na R... - 5.º Piso, ....-... Porto, sede da M. I (...) e da M. II (...) que, à data, estava publicitado no Portal da Justiça"; (iii) apesar de "esse local já não ser, juridicamente, a sede da M. , de fato continuava a sê-lo"; (iii) "existe uma total identidade entre o local onde foi realizada a busca e o local indicado".

  15. –Considera a Recorrente que este entendimento viola o disposto nos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3, 176º n.º 1, e 178.º, n.º 3, todos do CPP, normas que foram incorretamente interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo.

  16. –Nos termos daqueles preceitos, exige a lei que se identifique de forma cabal e completa e, portanto, sem margem para dúvidas o local a buscar e que, nessa sequência, se busque o local concretamente indicado pela autoridade judiciária, mais devendo ser identificada de forma correta e atual a entidade a buscar.

  17. –Essa identificação deve, sob pena da violação dos mais basilares princípios e garantias dos privados contra o Estado, ser o mais rigorosa possível, pelo que não pode assentar em indicações obsoletas, contraditórias e incompatíveis entre si no que respeita à(s) entidade(s) visada(s) pelas buscas ou ao local e morada a buscar, como sucede in casu.

  18. – 21.

    –É que o Despacho e o Mandado através dos quais foi ordenada a Diligência, não só ordenam a realização de buscas à sede da "M. /"e da "M. II", entidades entretanto fundidas numa só e com a denominação social da Recorrente, como indicam, para o efeito, uma morada que não mais correspondia a tal sede.

    Não pode, pois, admitir-se como irrelevante o facto de a morada "R... - 5.º Piso, .....-...-Porto" não corresponder ao local ordenado buscar, a "sede da M. I (anteriormente 'AP') e da M. II (anteriormente 'C. ')".

  19. –Ou se quer buscar a morada "R… - 5.º Piso, ....-... - Porto" ou se quer buscar a "sede da M. I (anteriormente 'AP') e da M. II (anteriormente 'C. ')".

  20. –Se não se sabe o local exato a buscar ou se a sede daquela(s) entidade(s) não se situa onde se supunha situar coloca-se a dúvida sobre se as suspeitas existentes - que fundamentaram a busca - efetivamente existem e sobre a legitimidade da busca, na vertente da necessidade e da proibição de excesso, mas também no que respeita à exigência de uma prévia ponderação dos interesses em presença em cada caso concreto.

  21. –Não se pode, assim, concordar que exista "uma total identidade entre o local onde foi realizada a busca e o local indicado no despacho que a ordenou e no correspondente mandado de busca e apreensão", já que o local indicado era a sede da M. I e da M. II, o qual não se encontrava na morada onde as diligências de busca e apreensão foram efetivamente realizadas.

  22. –O que aconteceu nos presentes autos traduz-se na realização de diligências de busca e apreensão por um órgão de polícia criminal formal e materialmente desprovido de competência para o efeito, o que viola ainda o artigo 272.º da CRP.

  23. –É, pois, inconstitucional, por violação dos artigos 1.º, 2.º,18.º, 20.º, 26.º e 34.º da CRP e dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito Democrático, do direito a um processo equitativo, da privacidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso, da compressão de liberdades individuais e do direito à inviolabilidade do domicílio, a norma contida nos artigos 174.º, n.ºs...

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