Acórdão nº 310/20.0JAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

Por acórdão datado de 4 de janeiro de 2022, proferido pelo Juízo Central Criminal ... – J..., Comarca ..., no processo comum coletivo n.º 310/20....

, foi decidido: a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de coação sexual, previsto e punido pelo artigo 163º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal; b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante BB, condenando AA a pagar-lhe a quantia de € 3.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do acórdão.

  1. Inconformados com a decisão, dela recorrem o arguido AA e o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 2.1.

    Recurso do arguido: 1. O Tribunal à quo com a prolação do douto acórdão, descerrou grave erro de julgamento, porquanto 2. Os factos constantes dos parágrafos 8º a 11º, atento à dinâmica como vêm descritos, 3. Mormente, atento ao tempo em que o arguido permaneceu parqueado no local da prática dos factos (vide fls. 39 a 41 dos autos); 4. Conquanto sejam interpretados segundo as elementares regras de experiência, afiguram-se impossíveis de ocorrer; 5. Pelo que o Tribunal a quo os deveria ter julgado como não provados, ou in minime, não subsumidos à dúvida razoável; 6. Devendo os mesmos ser julgados por não provados; 7. O que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

  2. Acresce que, caso o arguido tivesse praticado os factos que lhe eram imputados em sede de libelo acusatório, tais factos seriam suscetíveis de integrar a prática do crime de importunação sexual (artigo 170º do CP) e não do crime coação sexual (artigo 163º do CP), porquanto: 9. Não fora exercida qualquer violência sobre a ofendida, tampouco ocorrera qualquer ameaça ou outro facto que a deixasse inconsciente ou impossibilitada de reagir; 10. Tanto mais que, não consta da acusação a descrição de qualquer ato violento; 11. E a ofendida diz ter reagido aos atos alegadamente perpetrados pelo Arguido (paragrafo 10 dos factos provados); 12. Pelo que deverá o arguido ser integralmente absolvido da prática do crime que lhe fora imputado; 13. O que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

  3. O douto acórdão ora posto em crise, faz errada interpretação do artigo 163º do Código Penal.

    · Responderam ao recurso o Ministério Público e a assistente BB, pugnando pela sua improcedência.

    2.1.

    Recurso do Ministério Público: 1. O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de coação sexual, p. e p. nos termos do art. 163.º, n.º2 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.

  4. Salvo o devido respeito, que é muito, a pena aplicada ao arguido é desadequada.

  5. O tribunal a quo violou o disposto no art. 70.º, n.º 1 do Código Penal ao considerar que as exigências de prevenção especial não são elevadas, e que o grau de ilicitude e culpa também não é muito acentuado.

  6. O arguido, apresenta elevadas exigências de prevenção especial, pela forma como praticou os factos e gravidade da sua conduta; 5. O grau de ilicitude e de culpa são elevadíssimos atenta a forma como o arguido agiu num lugar ermo, ao passar por uma mulher que não conhece, decidir abordá-la e atentar contra a sua liberdade sexual, sabendo que a sua força física é superior à daquela mulher, e que como tal, as hipóteses de resistência da mesma, até face à surpresa da conduta do arguido são bastante diminutas e decide atuar da forma descrita.

  7. O arguido agiu, de modo a satisfazer os seus institutos libidinosos de modo totalmente alheio à vontade e liberdade sexual de uma mulher que objetificou, com a qual se cruzou casualmente na estrada apenas parando com a sua conduta quando esta apresentou resistência efetiva e mais forte do que aquele esperou.

  8. Assim, considero que a pena do arguido tem que se afastar do seu limite mínimo e fixar-se em 4 anos de prisão.

  9. Concorda-se com o Tribunal a quo que a pena de prisão seja suspensa na sua execução, todavia, considera-se que aquela suspensão tem que ser sujeita a regime de prova de modo a que o arguido interiorize o desvalor da sua conduta e seja orientado para a necessidade de respeitar o corpo e autodeterminação sexual das mulheres.

    · Respondeu ao recurso o arguido, defendendo a sua improcedência, e a assistente BB, pugnando pela sua procedência.

  10. Nesta Relação, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso do arguido, e da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.

    ** II.

    ACÓRDÃO RECORRIDO (transcrição das partes relevantes para o conhecimento do recurso) «(…) 2.1- FACTOS PROVADOS: - Da acusação: 1. No dia 02.10.2020, cerca das 09h e 45min, o arguido conduzia o veículo automóvel de pronto socorro, autor reboque, ligeiro de mercadorias, de cor ... e …, com os dizeres “..." nas portas, marca ..., matrícula n ..-TM-.., pertença da firma "M..., Lda.”, com sede em ..., na EM n.º … no sentido ... - ...-; 2. Quando a cerca de 200/300 do restaurante "H…” passou por BB, que conduzia uma bicicleta, no mesmo sentido que o arguido que a ultrapassou.

  11. Ao ultrapassar BB o arguido acenou-lhe, tendo esta retribuído o aceno, pensando que se tratava de alguém conhecido.

  12. Alguns metros mais à frente, o arguido imobilizou o veículo que conduzia na berma da via, no sentido que seguia, com o motor a trabalhar, saindo do veículo e colocando-se junto à porta do condutor.

  13. Quando BB se aproximou, circulando na mencionada bicicleta, parou a bicicleta que conduzia, constatando, nesse momento, não conhecer o arguido, condutor da viatura automóvel, sendo que o mesmo não usava máscara, apesar da pandemia Covid 19.

  14. Em seguida o arguido perguntou-lhe “então tudo bem?” e dirigiu-se a BB dando-lhe dois beijos na cara e dizendo-lhe que a levava enquanto pegava na bicicleta.

  15. Como BB não acedeu à proposta do arguido, este perguntou-lhe se não queria de vez em quando andar com ele, tendo mais uma vez a resposta sido negativa.

  16. Então e como BB colocou o pé na pedaleira para reiniciar a marcha, o arguido apalpou-a com ambas as mãos no rabo.

  17. Ato contínuo o arguido agarrou BB por detrás e apalpou-lhe a vagina e as mamas com força, por cima da roupa, enquanto tentava puxá-la para trás e retirá-la da bicicleta que caiu no chão.

  18. Nesse momento e enquanto arrastava BB para a carrinha, como esta começou a gritar e dar murros no capot da viatura o arguido largou-a, entrou no veículo e fugiu daquele local.

  19. Ao agir da forma descrita, apalpando a ofendida nas nádegas, na vagina e no peito, o arguido agiu com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, bem sabendo que coartava, desse modo, a possibilidade de a ofendida se determinar livremente nesse campo da sua vida e sendo certo ainda que, atuando com aquele propósito, o arguido usou violência física contra a mesma, por modo a obstar que aquela resistisse aos seus intentos, o que logrou conseguir.

  20. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.

    *** - Da discussão da causa e dos autos, com relevo para a decisão de mérito (factos constantes do relatório social): 1- AA é oriundo de um agregado familiar numeroso e de modesta condição socioeconómica, sendo o mais novo de uma fratria de seis.

    2- Nasceu na ..., concelho ..., localidade onde residiam os seus progenitores aquando do seu nascimento.

    3- Com poucos meses de vida do arguido, os seus pais regressaram à aldeia de ..., concelho ..., de onde eram originários, tendo aqui decorrido o seu processo de desenvolvimento.

    4- O pai trabalhava na área da construção civil e a mãe era doméstica.

    5- Segundo o arguido, os pais constituíram-se como modelos positivos ao nível afetivo e educativo, caracterizando a sua infância de forma normativa, pese embora as dificuldades económicas que se faziam sentir, agravadas na sequência de um acidente rodoviário do pai, que o incapacitou para o trabalho.

    6- A partir daí o agregado subsistia com a pensão de invalidez do pai, dedicando-se à agricultura de subsistência.

    7- Deu início ao seu percurso escolar na idade normal, tendo registado insucesso em dois anos letivos, não conseguindo concluir o 6.º ano de escolaridade, altura em que o deu por concluído, dadas as dificuldades económicas da família.

    8- A partir de então, com cerca de 12 anos, começou a trabalhar na área da exploração florestal, onde se manteve até aos 15 anos de idade.

    9- Nesta altura, emigrou para a ..., para junto de um dos seus irmãos mais velhos que o acolheu e a quem auxiliava na prestação e cuidados aos sobrinhos.

    10- Com 17 anos, regressou para junto dos seus progenitores, iniciando atividade profissional na área da construção civil, onde permaneceu durante cerca de 3 anos.

    11- Aos 20 anos de idade, emigrou novamente para a ..., onde continuou a beneficiar do apoio do irmão, tendo iniciado atividade profissional na área da restauração.

    12- Inicialmente como ajudante de cozinha, rapidamente progrediu para cozinheiro, mantendo esta atividade durante cerca de 9 anos.

    13- Regressou a Portugal, na sequência do encerramento do restaurante, tendo iniciado atividade como motorista de ligeiros no transporte de mercadorias e pessoas para a ....

    14- Manteve esta atividade pelo período de 5 anos, inicialmente por conta de outrem e, posteriormente, por conta própria.

    15- Em 2001 sofreu um acidente rodoviário grave, que o levou a cessar a sua atividade na área dos transportes, dedicando-se, desde então, à distribuição e venda de peixe porta a porta, além de trabalhos na área da construção civil, à jornada diária.

    16- Desde 2018, exerce atividade profissional na empresa M..., Lda, como motorista de pronto socorro, onde se mantém até à atualidade.

    17- Segundo o responsável da empresa, AA é um funcionário exemplar, não havendo referência a qualquer tipo de comportamento desajustado da parte do...

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