Acórdão nº 0340/09.3BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A………… e B…………, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 277 a 320 do SITAF, que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2004, e respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 483.500,00.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 337 a 395 do SITAF; i. O presente Recurso tem por objecto a Sentença proferida, em 27 de novembro de 2019, no processo de Impugnação Judicial acima identificado, que correu termos junto da 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o nº 340/09.3BESNT, contra a liquidação oficiosa de IRS do ano 2004 e a respectiva liquidação de Juros Compensatórios.

ii. Os ora Recorrentes imputaram, através da impugnação judicial, diversos vícios à liquidação oficiosa de IRS, os quis foram julgados improcedentes pela douta Sentença recorrida, a qual apenas reconheceu a inutilidade superveniente da lide relativamente à anulação, parcial, da liquidação de Juros Compensatórios, no valor de € 80.084,72; iii. Conforme se deixou sublinhado nas presentes alegações de recurso, o presente recurso é apresentado perante a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que no presente recurso apenas se discute matéria de direito, ou seja, os ora Recorrentes entendem que a Sentença recorrida efectuou uma correta apreciação da matéria de facto, integrando nos factos dados como provados o elenco dos factos que eram relevantes para a boa decisão da causa, mas discordam frontalmente, da aplicação do direito aos factos dados como provados, uma vez que o Tribunal efectuou, manifestamente, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados; iv. Sem prejuízo do erro de julgamento relativo aos demais fundamentos apresentados na petição inicial, o erro de direito é especialmente evidente na interpretação e aplicação, por parte do Tribunal recorrido, do então artigo 32.º do CIRS a actual artigo 29.º do CIRS e, bem assim, uma interpretação que, no caso vertente, o tribunal efetua do regime de caducidade do direito à liquidação; v. Relativamente à interpretação e aplicação do 32º do CIRS, actual artigo 29º do CIRS, ficou demonstrado – concebendo-se, sem conceder, que os rendimentos em causa se qualificam como rendimentos empresariais, o que, contrariamente ao que sustenta a Administração Tributária e agora a Sentença recorrida, a determinação do valor de mercado do prédio não dependia da declaração de início de actividade do Recorrente marido e da opção pelo regime de tributação de contabilidade organizada, registando o prédio em existências pelo mencionado valor de mercado, registando, posteriormente, todos os custos relacionados com a operação em causa, até à venda; vi. Contrariamente ao que sustenta a Sentença entendeu, a lei não faz depender a aplicação da norma a que seja aberta qualquer atividade por parte do empresário ou, tão pouco, que este tenha contabilidade organizada. E uma vez que a Administração Tributária entendeu que se estava perante “uma atividade comercial”, encontrava-se vinculada a determinar, na agora na nova categoria que na Reforma de 2000 “fundiu” a categorias B, C e D, o rendimento líquido de acordo com as normas pertinentes; vii. Acresce que, não podem os ora Recorrentes aceitar que a Sentença recorrida tenha aceite que o valor de aquisição do prédio seja apurado com recurso ao artigo 45°, n.º 1, do CIRS, ou seja, ao valor de liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações que, no caso, e como resulta da alínea w), da matéria de facto dada como provada, ascende a apenas € 351,61; viii. Ora, como resulta da matéria de facto dada como provada, a Sentença deu como provado que o prédio rústico situado em ……… ou ……… (………), Azeitão, da freguesia de São Simão, Concelho de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º ………, e inscrito na matriz sob o n.° …… da Secção ….. foi adquirido, mortis causa, em 7 de fevereiro de 1964, por morte do pai do Recorrente marido e, posteriormente, em 4 de janeiro de 1986, por morte da sua mãe (cfr. alíneas a) e b) da matéria de facto dadas como provadas); ix. Como é evidente, e resulta também dos factos dados como provados (cfr. alínea w da matéria dada como provado e que corresponde ao Relatório de Inspeção Tributária) a liquidação de SISA, no valor de €351,61 respeita ao imposto que foi liquidado no momento da entrada do prédio rústico para a esfera pessoal do Recorrente marido; x. O artigo 32.º, n.º 2, do Código na redação em vigor à data dos factos, estabelecia que no caso de afetação de bens imóveis do património particular do empresário em nome individual ao ativo da sua empresa comercial ou industrial ou agrícola, silvícola ou pecuária, o valor de aquisição pelo qual os bens são considerados naqueles ativos corresponde ao valor de mercado à data da afetação do prédio à atividade empresarial; xi. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a lei não impõe a abertura de atividade ou que o empresário tenha contabilidade organizada e, bem assim, que o bem seja registado nas suas “existências”, pelo que não pode o intérprete e aplicador da lei, por força do disposto no artigo 9º, n°s 2 e 3 do CC, considerar um pensamento legislativo que não tem o mínimo de correspondência na lei; xii. No entanto, foi o que fez a Administração Tributária ao desconsiderar o prescrito na lei e ao exigir que o valor de mercado estivesse dependente da abertura de atividade e da opção pela contabilidade organizada, exigências que não encontram apoio na lei e, por isso, nunca poderiam ser aceites pela Sentença recorrida; xiii Mais: perante a inexistência do procedimento que a Administração Tributária e a Sentença recorrida consideraram o adequado para determinar o valor de aquisição do prédio, a Administração Tributária recorreu ao disposto no artigo 45.º, n.º 1, do C e, consequentemente, ao valor liquidado a título de SISA para determinar o valor de aquisição do prédio, entendimento que nunca poderia proceder, pois corresponde ao valor de aquisição na esfera empresarial do Recorrente marido, mas antes ao valor de entrada, mortis causa, na esfera pessoal do Recorrente marido do, entendimento que não encontra qualquer apoio na lei; xiv. Verifica-se, pois que a conduta da Administração Tributária originou a requalificação de mais-valias (categoria G), que não seriam tributadas ao abrigo do regime transitário consagrado no artigo 5º do DL que aprova o Código do IRS, em rendimento líquido da categoria B para o tributar. De facto a doutrina ao tempo salientou (MANUEL FAUSTINO, IRS, de Reforma em Reforma, Áreas Editora, 2003, no estudo IRS, Uma Década de Vigência, n.º 12) que o regime instituído pelo DL 14 1/92 visava, precisamente evitar essa requalificação, que considerava injusta; xv. Na verdade, em nenhuma norma do Código, relativa à determinação do rendimento líquido da categoria B (na parte correspondente à anterior categoria C), se determina que possa invocar-se o n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS para “determinar” o valor de aquisição dos ativos alienados; xvi. Com efeito, a Administração Tributária, subordinada como está aos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição do confisco, na ausência dos livros de escrituração obrigatórios para a categoria G ou de contabilidade organizada, não pode ignorar que a única forma que lhe seria permitida para apurar o rendimento líquido, era a utilização de métodos indiretos, como resulta da alínea b) do nº 1 do artigo 87.º da LGT, ou seja, em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”; xvii. E a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”, determinam e justificam, nos termos da alínea a) do artigo 88º, a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável; xviii. Por outro lado, errou claramente a decisão quando atribuiu ao nº 1 do artigo 45.º “caráter geral e abstrato”, uma vez que o n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS, sistematicamente inserido nas Normas de Determinação da Matéria Coletável relativas à categoria G, aplica-se exclusivamente a esta categoria e nunca à categoria B; xix. Como demonstrado, ambas as categorias têm uma natureza completamente distinta e da forma como as mais-valias nelas são tratadas. Considerar uma norma de determinação do valor de aquisição que exclusivamente se aplica na categoria G para determinar o “lucro” ou a “mais-valia” na categoria G é, no quadro já então vigente, requalificar mais-valias (categoria G, com todo os regime que lhe é aplicável), em rendimentos comerciais ou industriais, o que, por não ter qualquer base legal, é, obviamente ilegal; xx. A Administração Tributária e Aduaneira e a sentença recorrida que a seguiu, não podia, pois, ter-se socorrido do artigo 45º, n.º 1, do CIRS para determinar o valor de aquisição do referido prédio, ou seja, não podia ter “inventado” um valor partindo do valor que serviu de base à liquidação de Imposto sobre as Sucessões e Doações e só serve para determinar mais-valias ou menos-valias no âmbito de “transmissões gratuitas”. A aplicação dessa norma foi claramente analógica. E não se diga que “é uma norma de determinação da matéria coletável”, porque pode ser aplicada por analogia. Este tipo de normas, mesmo que inseridas no capítulo referido, são normas integrantes do aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência e...

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