Acórdão nº 0759/18.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A………… Drive, Sport e Urban, S.A.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao ano de 2013, no valor de € 76.947,18, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2.

Admitido o recurso, alegou a Recorrente, concluindo nos seguintes termos: «1. O presente recurso visa a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no processo de impugnação judicial nº 759/18.9BEPRT da Unidade da Orgânica 3, que julgou improcedente a impugnação que a ora recorrente apresentou relativamente à liquidação, efetuada pela AT, de IRC, no valor de € 76.947,18 relativamente ao exercício ou período de 2013.

  1. Tal liquidação resultou de a AT ter concluído, através da inspeção tributária que realizou à ora recorrente que, no período de tributação de 2013, a sociedade B............, S.A. não poderia integrar o RETGS do Grupo C…………, a que pertence a ora recorrente, porque declarou prejuízo fiscal em 2010, 2011 e 2012 e, no início do período de tributação de 2013, não era ainda detida pela sociedade dominante – a A…………- C…………, Comércio de Automóveis, S.A. há mais de dois anos, acrescendo que, por estas mesmas razões, a AT, invocando a al. b), do nº 8 do art.º 69º, do CIRC, fez cessar o RETGS em relação a todas as sociedades do grupo.

    Mas, vejamos.

  2. Na petição da impugnação, a recorrente alegou a falta de fundamentação da liquidação, sendo que quanto a isso a douta sentença recorrida limita-se a transcrever o que refere o Relatório da AT, sem apreciar se o mesmo está ou não fundamentado, bem assim como não foram devidamente apreciados os argumentos, nomeadamente os constantes dos pontos 71 a 97, apresentados pela recorrente no exercício do direito de audição sobre o projeto daquele mesmo Relatório.

  3. Assim, o ato de liquidação em apreço não se encontra devidamente fundamentado como o exige o art.º 77º, nºs 1 e 2, da LGT, assim como o disposto no art.º 153º, do CPA.

  4. Daí que, a douta sentença, ao considerar que não ocorre a mencionada falta de fundamentação, incorreu em erro na aplicação do direito, por violação, nomeadamente do disposto no art.º 77º, da LGT.

    Acresce que, 6.

    A questão primordial nos presentes autos traduz-se em saber qual é o momento a considerar para apurar se o requisito da al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC se encontra preenchido, 7.

    Ou seja, importa saber se a sociedade B............, S.A., cuja participação foi adquirida, em 22-06-2011, pela A………… Retail, SGPS, S.A., já era detida há mais de dois anos pela sociedade dominante do RETGS em que foi incluída e se, como tal, poderia integrar o dito RETGS no período de 2013.

  5. A douta sentença conclui que o requisito da al. c), nº 4, art.º 69º, não se verificava e que, como tal, a B............, S.A. não poderia integrar o RETGS do grupo C………… no período de tributação de 2013, dado que no início do período de tributação de 2013 (1 de janeiro), não era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.

  6. Contudo, diferentemente do que se concluiu na douta sentença recorrida, a ora recorrente entende que a norma do art.º 69º, nº 4, al. c), CIRC deve ser interpretada considerando que os dois anos de detenção da participação se aferem por referência ao final do período de tributação, no caso, 31 de dezembro de 2013.

  7. Com efeito, desde logo, prevê o art. 36º, nº 1, LGT que a “relação jurídica constitui-se com o facto tributário”, sendo que, no caso do IRC, como imposto periódico que é, o “facto gerador de imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação” – art.º 8º, nº 9, CIRC.

  8. Assim, deve ser por referência ao momento em que se forma o facto tributário que se deve aferir dos pressupostos de facto e de direito do tributo que, quando adotado um período de tributação coincidente com o ano civil, corresponde ao dia 31 de dezembro de 2013 (cfr. a este propósito o douto Ac. STA, proc. 0432/13.4BEAVR 0719/17, de 22-05-2019, 2ª Secção).

  9. Aliás, o princípio da irretroatividade da lei fiscal, consagrado no art.º 103º, nº 3, CRP, tem sido interpretado no sentido em que, no que diz respeito aos impostos periódicos, o facto tributário se consolida no último dia do período de tributação e que, como tal, será com referência à lei em vigor no momento de formação do facto tributário, que se aferirá dos pressupostos de incidência objetiva e subjetiva do imposto (entre outros o douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 617/2012, proc. 150/12, de 19 de dezembro de 2012).

  10. Ora, tendo em consideração que as normas relativas ao RETGS são normas de incidência subjetiva, é com referência ao momento da formação do facto tributário, que corresponde ao último dia do período de tributação, que se aferirá dos requisitos relativos ao RETGS, pelo que, no caso dos autos, o período de detenção de dois anos, mencionado na al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC, deve ser aferido com referência a 31 de dezembro de 2013.

  11. Assim, visto que a participação da sociedade B............, S.A. foi adquirida pela A………… Retail, SGPS, S.A., em 22-06-2011, em 31-12-2013 já estavam cumpridos todos os requisitos para que a B............ integrasse o perímetro do grupo, na medida em que, apesar de ter registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao início da aplicação do regime, já era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.

  12. Como não foi assim que entendeu, a douta sentença recorrida enferma de erro, por violação do disposto na al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC.

  13. Acresce que, interpretando o regime como um todo, ou seja, considerando o disposto na al. b), nº 3, art.º 69º, CIRC em conjugação com o disposto na al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC, retira-se que se o legislador entendesse que os dois anos de detenção da participação da sociedade dominante pela sociedade dominada fossem apurados por referência ao início do período de tributação (1 de janeiro), tê-lo-ia dito expressamente como fez em relação à al. b), nº 3, art.º 69º, CIRC.

  14. Assim, a diferenciação legislativa apenas pode querer dizer que os dois anos da detenção da participação não se aferem em relação ao início do período de tributação, mas sim com base no final desse mesmo período (31 de dezembro).

  15. Acresce que, caso dos presentes autos, a inclusão da sociedade B............, S.A. no RETGS de 2013, cumpre o fim pelo qual a norma da al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC foi criada (evitar a fraude e evasão fiscais com a aquisição de sociedades que registem prejuízos fiscais para, dessa forma, diminuir o lucro tributável do grupo), pois a detenção pelo referido período de dois anos quebra a eventual intenção de incluir no grupo sociedades com o objetivo de diminuir o lucro tributável.

  16. Ora, não é este o entendimento que resulta da douta sentença recorrida, razão por que a mesma padece de erro na interpretação do art.º 69º, nº 4, al. c), CIRC.

  17. Acresce ainda que, a al. c), nº 4, art. 69º, CIRC deve ser interpretada em conjugação com todas as normas que regulam o RETGS, nomeadamente, o disposto no ponto i), al. b), nº 7, art.º 69º, CIRC e a al. d), nº 8, art.º 69º, CIRC, sendo que desta última conclui-se que o legislador consagrou três momentos distintos: o momento da entrada de novas sociedades; o momento relativo à inclusão de novas sociedades no RETGS; e o momento da respetiva comunicação à AT, nos termos e prazos previstos no nº 7.

  18. O momento da entrada corresponde àquele em que, estando em aplicação o RETGS a um grupo de sociedades, é adquirida a participação de uma sociedade que preenche todos os requisitos legais para fazer parte do grupo, o que obriga a que essa sociedade seja incluída no âmbito daquele RETGS, com os lucros e ou prejuízos que gera, determinados no último dia do período de tributação – 31 de dezembro, no caso dos autos, 31 de dezembro de 2013 - (cfr. art.º 8º, nº9, CIRC).

  19. Ora, nessa data de 31-12-2013, a sociedade B............ já era detida pela sociedade dominante do RETGS, há mais de dois anos.

  20. Contudo, não foi assim que entendeu a douta sentença recorrida, pelo que a mesma enferma de erro.

  21. Aliás, o perfilhado pela douta sentença de que se recorre, no que concerne ao requisito previsto na al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC, que vai no sentido de que a detenção dos aludidos dois anos deve ser aferida por referência ao início do período de tributação, viola princípios e normas fundamentais da Constituição da República Portuguesa (CRP), tais como os princípios da igualdade (art. 13º, CRP), da proporcionalidade (art. 18º, nºs 2 e 3, CRP), da neutralidade [art. 81º, f), CRP], da liberdade de iniciativa económica e organização empresarial [arts. 61º e 80º, al. c)] e o princípio da capacidade contributiva (art. 104º, nº 2, CRP), violações estas que, desde já se invocam ara todos os efeitos.

    Com efeito: 25.

    Quanto ao princípio da neutralidade, [art.º 81º, f), CRP], a interpretação que logrou vencimento na douta sentença recorrida constitui, com o devido respeito, uma deturpação do regime legal, e consequentemente, um entrave à escolha do RETGS como forma jurídica que os grupos empresariais pretendam adotar para desenvolver as suas atividades, visto que de uma tal interpretação da al. c), nº 4, art.º 69º, CIRC resulta que o sistema fiscal está a criar um obstáculo que interfere na escolha do modo de organização da atividade societária, determinando que as sociedades ponderem, exclusivamente por motivos fiscais, o momento em que vai ocorrer a entrada de uma sociedade no RETGS, ou ainda antes, quando adquirem a participação social.

  22. Por outro lado, o princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial, previsto nos artigos 61º e 80º, al. c), da CRP, implica que o legislador não crie restrições que sejam desproporcionadas ou injustificadas face ao direito de livre organização empresarial, o que significa que, o sistema fiscal não deve criar...

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