Acórdão nº 1020/18.4T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA MARIA ROBERTO
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 1020/18.4T8LMG.C1 Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório AA, residente em ..., ..., ...

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra S..., S.A, com sede em ...

F...Ldª com sede em ..., ..., ... e BB e mulher CC alegando, em síntese, que foi vítima de um acidente quando se encontrava a trabalhar para o terceiro Réu como trabalhadora agrícola, encontrando-se no cimo de um escadote a apanhar maçãs, desequilibrou-se e caiu, tendo batido com o lado direito do corpo no chão; sofreu traumatismo no ombro direito e joelho direito, com condropatia grua 3 da rótula e fratura do menisco, ITA e ITP e foi-lhe atribuída a IPP de 3%, no entanto, não está curada, sente dores e não consegue trabalhar, encontrando-se afetada com ITA para o trabalho.

Termina, pedindo que: “Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência serem os Réus condenados a pagar à Autora:

  1. O valor das indemnizações vencidas, relativas às incapacidades temporárias absolutas desde o dia seguinte ao do acidente até à data da alta, (ITA de 13/09/2017 a 12/09/2018 em 365 dias e de 13/09/2018 a 02/05/2019 em 265 dias) no montante de 13.560,00€ (Treze mil quinhentos e sessenta euros); b) Indemnização por capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de 229,95€ (Duzentos e vinte e nove euros e noventa e cinco cêntimos), a partir de 03/05/2019, inclusive; c) O valor do capital de remição da pensão anual e vitalícia que venha a ser fixada pela IPP de que é portadora a Autora e se mostre devida, desde a data da alta médica a determinar; d) O valor de 97,41€ (Noventa e sete euros e quarenta e um cêntimos) devido pelas despesas médicas, medicamentosas e de deslocações obrigatórias ao GML, ao Tribunal e ao hospital, que a Autora despendeu do seu bolso; e) O valor dos juros de mora, à taxa legal, sobre cada um dos valores peticionados e desde o seu vencimento até integral e efectivo pagamento.” * Os RR. contestaram alegando, em sinopse: A 2ª e os 3ºs Réus que: A 2ª e 3ª Ré mulher são partes ilegítimas; o Réu transferiu para a 1ª Ré a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, celebrando contrato de seguro cujas condições particulares cobrem acidentes de trabalho agrícola genérico e inominado, abrangendo todos aqueles que trabalhassem para o 3º Réu, sendo aquela a responsável pela reparação e encargos decorrentes de acidentes de trabalho; o 3º Réu sempre confiou e estava convencido de que o contrato titulado pela apólice de seguro abrangia os seus trabalhadores agrícolas de forma genérica e inominada e pagou o respetivo prémio e, ainda, que a A. encontrava-se a trabalhar para o 3º Réu.

    Concluíram dizendo que: “NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito, deve V/Exa. : I) Julgar procedente, por provada, a ilegitimidade da 2.ª e 3ª R. mulher, por serem alheias ao vinculo laboral existente entre A. e 3.ºR. marido; II) Julgar procedente, por provada, a ilegitimidade do 3.º R. marido por a sua responsabilidade à data do acidente se encontrar devidamente transferida para a 1.ª R.

    Devendo em qualquer dos casos, III) A presente ação ser julgada improcedente quanto aos 2.ª e 3.ºs RR.” A Ré seguradora que: A responsabilidade da entidade patronal não se encontrava transferida para a contestante; o contrato de seguro celebrado não incluía a sinistrada que não constava das condições particulares da apólice; aquele contrato apenas garantia DD conforme documento junto aos autos; a omissão do trabalhador sinistrado nas condições particulares da apólice determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro.

    Conclui dizendo que “deve a presente ação ser julgada não provada e improcedente e a contestante absolvida do pedido”.

    * Foi proferido o despacho saneador no qual foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade da 2ª Ré, selecionada a matéria de facto assente, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova (fls. 125 e segs.). * Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

    * Foi, depois, proferida a sentença de fls. 170 e segs. e de cujo dispositivo consta: “Face ao exposto, decide-se julgar procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, decide-se: 1 - reconhecer que entre a Sinistrada AA sofreu um acidente de trabalho a 12.09.2017, quando trabalhava, como trabalhadora agrícola, sob a autoridade, direção e fiscalização do 3º Réu marido, BB; 2- Fixar à Sinistrada a incapacidade permanente parcial de 1% a partir de 03.05.2019; 3 - Condenar a Ré “S..., S.A.” a pagar à Autora/Sinistrada as seguintes prestações: - indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias no valor total de 4.028,60, vencida desde 13.09.2017; – o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 76,65, vencida desde 03.05.2019; - a quantia de 77,61€ gasta em consultas e exames atinentes a este acidente, vencida desde a data da citação da Ré para a presente ação; - a quantia de 19,80€ gasta com transportes, vencida desde a data da citação da Ré para a presente ação; - juros de mora sobre as prestações atribuídas, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% (ou outra que entre em vigor), desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento; 4 – Absolver os Réus BB e mulher CC dos pedidos.

    ” * A Ré seguradora notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: “1.ª – Nos termos do disposto nos arts. 80.º do C.P.T. e dos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, al. a) do C.P.T., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que o apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.

    1. – Tendo em conta os depoimentos das testemunhas EE e FF, e, ainda, as declarações de parte do 3.º R., conjugados com a documentação junta aos autos, o Tribunal “a quo” podia e devia ter julgado de modo diverso a matéria dos pontos X, Y e Z da matéria de facto provada e 9, 10, 11 e 12 da matéria de facto não provada (numeração, esta última, atribuída pela ora recorrente em função da ordem pela qual os factos aparecem elencados na sentença).

    2. - Os factos X, Y e Z, em apreço deverão, com base nos sobreditos depoimentos e documentos, ser dados por não provados.

    3. – Os factos 9, 10, 11 e 12, em apreço deverão, com base nos sobreditos depoimentos e documentos, ser dados por provados 5.ª - Procedendo-se à alteração da matéria de facto nos moldes que atrás se indicaram e considerada a demais factualidade constante da fundamentação de facto, é firme opinião da recorrente que não se acham verificados os pressupostos em que escora a douta decisão ora em crise.

    4. – O contrato de seguro pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes – o segurador –, em troca do pagamento de uma soma em dinheiro (prémio) pela outra parte – o tomador do seguro –, se obriga a manter indemne este último (ou um terceiro beneficiário) dos prejuízos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos), ou ainda a pagar, ao tomador do seguro ou a terceiro, uma soma em dinheiro conforme a duração ou os eventos da vida de uma ou várias pessoas.

    5. – No caso dos acidentes de trabalho, a apólice está sujeita obrigatoriamente às regras da “apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem” (doravante designada por Apólice Uniforme).

    6. – A Apólice Uniforme, ao definir o objeto e âmbito do seguro, estabelece, no n.º 1 do art.º 2.º, que a seguradora “garante a responsabilidade do tomador do seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas condições particulares, independentemente da área em que exerçam a sua atividade”, esclarecendo o n.º 2 do mesmo artigo que “por acordo estabelecido nas condições particulares, podem não ser identificados na apólice, no todo ou em parte, os nomes das pessoas seguras” (cfr. cláusula 3.ª, nºs 1 e 2 das Condições Gerais).

    7. – O seguro é celebrado na modalidade de prémio fixo quando o contrato cobre um número previamente comunicado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecidas (cfr. art.º 4º, al. a) da Apólice Uniforme e cláusula 5ª, al. a) das Condições Gerais).

    8. - Em sede de descaraterização de sinistros laborais, a nossa lei acolheu a figura da negligência grosseira, a qual corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.

    9. – Assim, aqui o âmbito de cobertura é delimitado pelos concretos trabalhadores do tomador/entidade empregadora inseridos no contrato.

    10. – No caso em apreço, o nome do sinistrado não constava da última versão da apólice em vigor – aquela que abrangia a data do acidente ocorrido – (ponto FF dos factos assentes), e resulta que não houve qualquer acordo especial que afastasse a obrigação de identificação das pessoas seguras (que fosse celebrado “seguro sem indicação de nomes”), o que significa que se um trabalhador sinistrado não estiver incluído nas condições particulares da apólice, esse mesmo trabalhador não está coberto pelo seguro.

    11. – É que, se a um contrato de seguro a prémio variável está subjacente a variabilidade da identidade ou número de pessoas que estão ao serviço do tomador do seguro, podendo dizer-se que a seguradora já conta com essa variabilidade, no caso do seguro a prémio fixo tal não acontece, pois neste caso a responsabilidade da entidade empregadora é segura relativamente a um número certo de pessoas cujos salários são antecipadamente conhecidos, não dependendo aqui o objeto do seguro, como além, de uma declaração periódica do tomador do seguro que refletirá as flutuações do pessoal ao seu...

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