Acórdão nº 432/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 432/2022

Processo n.º 391/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrentes A., B., C., D. e E., e recorrido o Ministério Público, foram interpostos recursos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 2 de fevereiro de 2022, que julgou improcedentes os recursos interpostos pelos ora recorrentes do acórdão condenatório proferido em primeira instância.

2. Através da Decisão Sumária n.º 328/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. Recursos interpostos pelos recorrentes A. e B.

Ambos os recursos foram interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que «apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

De acordo com o conceito funcional de norma desde há muito assente na jurisprudência constitucional (cf. Acórdão n.º 26/1985), este Tribunal tem reiteradamente afirmado que os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmo consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional.

Segundo decorre dos respetivos os requerimentos de interposição, de teor coincidente, os recorrentes pretendem ver apreciada a conformidade constitucional «do artigo 104.º n.º 2 al. a) e n.º 3 do RGIT, com a interpretação e aplicação que foi efetuada na douta decisão proferida sobre o modo de cálculo, na medida em que esta decide considerar uma vantagem patrimonial obtida pelo aqui Recorrente que não se coaduna a eventual vantagem patrimonial real». Para além de considerarem violado «o disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa», os recorrentes alegam que «tal interpretação inconstitucional tem consequências no plano no apuramento da responsabilidade criminal do Recorrente e, consequentemente, da determinação concreta da medida da pena e sua execução, pois que, contrariamente ao sentido como decidiu o Tribunal a quo, no que concerne ao cálculo da vantagem patrimonial, propriamente considerada, é fundamental que a condição de pagamento se ajuste à concreta situação económica em que se encontra o arguido, não bastando o Tribunal a quo fazer um juízo de quase adivinhação futura» de que o primeiro recorrente «por ser novo em idade, e não obstante não auferir atualmente rendimento, é provável que consiga obtê-lo durante o tempo de suspensão da execução da pena em que terá de cumprir a referida condição», e, relativamente ao segundo recorrente, que [é] legitima [a] expetativa de que venh[a] a dispor de meios financeiros que lh[e] permit[a] pagar, ao longo do período de suspensão" o valor que lhe foi fixado, não obstante não auferir atualmente rendimento». Consideram, ainda, ambos os recorrentes que o decidido a este respeito se encontra «em oposição material com a jurisprudência fixada pelo STJ no seu acórdão de fixação e jurisprudência n.º 8/2012, colocando, também por esta via, em crise a norma do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a fixação da vantagem patrimonial não tem qualquer suporte na realidade, e assim belisca o principio da in dúbio pro reu também ele com densidade Constitucional nos termos do n.º 2 do artigo 32 da Constituição da Republica Portuguesa».

Assim delimitado, o objeto dos recursos não reveste carácter normativo.

Em causa está apenas a correção ou acerto do juízo formulado pelo Tribunal recorrido quanto à verificação da circunstância modificativa agravante prevista no n.º 3 do artigo 104.º do RGIT, que os recorrentes consideram ter implicado uma discrepância entre a «vantagem patrimonial obtida» e a «eventual vantagem patrimonial real», bem como a subordinação da suspensão da execução da pena a uma «condição de pagamento» que não «se ajusta à concreta situação económica em que se encontra[m]».

Sucede que tal discussão não cabe na competência do Tribunal Constitucional.

Por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras ou princípios constitucionais.

Nestes termos, o objeto dos recursos interpostos pelo primeiro e segundo recorrentes é manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

5. Recurso interposto pelos recorrentes C. e D.

Conforme se extrai do requerimento de interposição do recurso, os terceiro e quarto recorrentes pretendem ver apreciada «a inconstitucionalidade da douta decisão prolatada, na medida em que é decidido considerar uma vantagem patrimonial aos aqui Recorrentes que não se coaduna a eventual vantagem patrimonial real, violando o constitucionalmente estatuído pelo artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa».

Vale aqui, mutatis mutandis, o que referiu quanto aos recursos interpostos pelos dois primeiros recorrentes, ao que acresce o facto de, no requerimento ora em análise, os recorrentes se bastarem com a afirmação de que foi do violado o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, não identificando sequer os preceitos legais aplicados na decisão recorrida.

6. Recurso interposto pelo recorrente E.

Este recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade «das disposições conjugadas dos artigos 345.º n.º 4 e 357.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal […] no sentido de que a valoração de declarações anteriores de arguidos (e coarguidos) em sede de julgamento, é permitida, ainda que o outro co-arguido exerça o seu direito ao silêncio».

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto, tal como reiteradamente notado na jurisprudência deste Tribunal, decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos «dirimir questões meramente teóricas ou académicas» (cf. Acórdão n.º 498/1996), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo do(s) preceito(s) legal(ais) indicado(s) pelo recorrente — isto é, ao modo como o comando deste(s) extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio.

Tal pressuposto não pode dar-se por verificado no caso presente por duas razões essenciais.

A primeira prende-se com a oposição entre o bloco normativo impugnado e o bloco normativo efetivamente aplicado no caso sub judice. É verdade que o Tribunal recorrido considerou admissível a valoração das declarações prestadas em inquérito por um coarguido em prejuízo de um outro, quando aquele que previamente declarou exerce o direito ao silêncio no âmbito da audiência de julgamento; simplesmente, é igualmente verdade que extraiu essa consequência, não da aplicação do n.º 4 do artigo 345.º do Código de Processo Penal (CPP), mas do facto de este não ser aplicável. Segundo o Tribunal da Relação do Porto, o n.º 4 do artigo 345.º do CPP aplica-se apenas nas situações em que o «declarante […] incrimina, em declarações prestadas em audiência, outro co-arguido, recusando-se a responder a perguntas que lhe sejam formuladas, designadamente pelo defensor desse co-arguido incriminado […]. Mas já não aos casos, como aqui sucede, de reprodução/leitura em audiência de declarações antes prestadas por arguido, perante autoridade judiciária, mesmo que tal arguido não preste declarações em julgamento». Estas declarações «podem ser “utilizadas no processo”, designadamente ser reproduzidas em audiência e valoradas livremente pelo Tribunal de julgamento para formar a sua convicção, atento o disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), 355.º e 357.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do CPP».

A divergência entre o regime legal impugnado e o regime legal efetivamente aplicado no acórdão recorrido é, aliás, particularmente evidenciada pela forma como o recorrente procurou dar cumprimento ao ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC: perante o Tribunal recorrido, o recorrente alegou que a valoração probatória das «declarações prestadas pelo arguido F., prestadas em 19/11/2013, perante magistrado do Ministério Público, constantes de fls. 3585 a 3589 e de fls. 5809 a 5814, vol.20», se encontrava sujeita à «limitação, constante do n.º 4 do citado artigo 345.º do C.P.P., de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio», pelo que «[a] valoração de tais declarações contra o recorrente traduziu-se, assim, numa violação da garantia do contraditório, em desrespeito do disposto no artigo 345.º, n.º 4, do C.P.P., fundando-se numa...

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