Acórdão nº 429/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 429/2022

Processo n.º 242/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário daquele Tribunal, em 13 de janeiro de 2022, que negou provimento ao recurso interposto da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada na sequência do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa da autoliquidação da Contribuição Financeira sobre o Setor Energético (CESE), criada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, referente ao ano de 2015, no valor de € 18.203.269,27.

2. Através da Decisão Sumária n.º 191/2022, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo-se decidido não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«3. Constituem objeto do presente recurso as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro).

Sobre tais normas, o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar, pela primeira vez, no Acórdão n.º 7/2019, que não julgou inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro.

Tal orientação foi subsequentemente reafirmada nos Acórdãos n.os 303/21, 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021, 532/2021, 735/2021, 736/2021 e 756/2021, assim como nas Decisões Sumárias n.os 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021 e 422/2021.

Quanto à norma constante do 12.º do regime da CESE, o juízo formulado no Acórdão n.º 301/2021 baseou-se ainda nos seguintes fundamentos:

«[…]

Tal como resulta da reclamação apresentada pela recorrente contra a Decisão Sumária n.º 229/2020 e do teor do Acórdão n.º 597/2020, que a deferiu, o objeto do recurso cinge-se ao artigo 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (adiante designada «CESE»), aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na sua versão original, na medida em que «ao estipular a proibição de dedução em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) dos montantes pagos a título de CESE, é inconstitucional – e por isso determina a inconstitucionalidade do tributo».

Apesar da deficiente formulação da norma que a recorrente pretendia ver apreciada, o teor da reclamação apresentada permitia depreender que a «inconstitucionalidade do tributo» era arguida a respeito do artigo 12.º do respetivo regime jurídico, com dois sentidos distintos. Em primeiro lugar, alegava a recorrente que, na medida em que proíbe a dedução do encargo suportado com a CESE ao lucro tributável em IRC, o contestado preceito denuncia a sua «natureza de verdadeiro imposto» sobre o rendimento. Em segundo lugar, defendia que «a proibição da dedução da CESE determina a sua inconstitucionalidade, independentemente da qualificação dogmática do tributo, por violação do princípio da proporcionalidade». Esta alegação pressupõe o reconhecimento de que o encargo com a CESE, uma vez que não é dedutível ao lucro tributável em IRC e não pode ser repercutido nas tarifas aplicadas (v., respetivamente, os artigos 12.º e 5.º do Regime), é efetiva e integralmente suportado pelos seus sujeitos passivos, o que segundo a recorrente «determina a especial violência da medida».

Quanto à primeira questão, deve desde já esclarecer-se que a qualificação da CESE como uma contribuição financeira foi amplamente tratada no Acórdão n.º 7/2019, para cuja fundamentação remeteu a Decisão Sumária n.º 229/2020, em termos que não mereceram contestação e que não são abalados pela mera alegação de que a proibição de dedução da CESE ao lucro tributável em IRC revela a sua natureza de «imposto sobre o rendimento». Esta afirmação, ainda que se mostrasse cabalmente fundamentada, visaria apenas suscitar uma reapreciação do juízo de não inconstitucionalidade já proferido sobre as normas extraídas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 11.º do Regime Jurídico da CESE – o que não é admissível, em face da delimitação do objeto do recurso pelo Acórdão n.º 597/2020.

Resta, pois, apreciar a segunda questão de constitucionalidade enunciada, que este Tribunal reconheceu não ter sido «individualizada e apreciada detalhadamente» no Acórdão n.º 7/2019.

8. Ora, também no que respeita à arguida inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE por violação do princípio da proporcionalidade, as alegações produzidas pela recorrente desviaram-se da configuração inicial do problema. Com efeito, a recorrente não foi capaz de autonomizar qualquer questão especificamente relacionada com a norma a que ficou reduzido o objeto do presente recurso, dirigindo novamente a censura constitucional – agora centrada na violação do princípio da igualdade proporcional – às regras de incidência subjetiva e objetiva do tributo. Todas as referências à impossibilidade de deduzir o encargo suportado com a CESE ao lucro tributável em IRC serviram apenas para arguir a «especial gravidade» ou «especial notoriedade» da alegada ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imputada ao regime jurídico que criou o tributo, considerado nos seus aspetos essenciais. Quanto a esta linha de argumentação, nada há, pois, a acrescentar: as regras de incidência do tributo já foram objeto de apreciação na Decisão Sumária n.º 229/2020 e não integram o objeto do presente recurso.

Em qualquer caso, é manifesta a improcedência da questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, tal como colocada na reclamação apresentada dessa decisão sumária. Recorde-se que a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético foi criada no singular contexto da execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, como atesta o Relatório do Orçamento do Estado para 2014, com um propósito claro: «(…) num esforço de cumprimento equitativo das metas orçamentais para 2014, será introduzida uma contribuição extraordinária sobre o sector energético e aumentada a contribuição sobre o sistema bancário. Estas medidas destinam-se não só a contribuir para a sustentabilidade sistémica destes sectores mas também a repartir o esforço de ajustamento orçamental com as empresas de maior capacidade contributiva.» (v. Relatório do Orçamento do Estado para 2014, p. 33, disponível em https://www.dgo.gov.pt/politicaorcamental/).

A liquidação desta contribuição haveria, assim, de contribuir para a consolidação das contas públicas de duas formas: por um lado, as despesas com a adoção das medidas tidas por necessárias para assegurar a sustentabilidade do sector energético passariam a ser financiadas pelas receitas adicionais obtidas através da liquidação do tributo; por outro, as receitas do orçamento geral do Estado resultantes da liquidação do IRC não sofreriam qualquer diminuição consequente da liquidação do tributo, porque o encargo suportado pelos sujeitos passivos da CESE não poderia ser deduzido ao lucro tributável (v. a alínea q), do n.º 1, do artigo 23.º-A do Código do IRC).

Ao invocar que o artigo 12.º do regime jurídico da CESE contende com o princípio da proporcionalidade, por tornar excessivo o montante do tributo exigido, a recorrente confunde estas duas dimensões do esforço de ajustamento orçamental especialmente exigido aos operadores do sector energético. Não há dúvida de que, tal como este Tribunal tem reconhecido, a criação de tributos comutativos deve obedecer ao princípio da equivalência, que constitui expressão dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao impor que «o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo ao custo ou valor dos bens e serviços prestados ao sujeito passivo.» (v. o Acórdão n.º 344/2019). Para tal, importa que a incidência subjetiva, a incidência objetiva e a taxa aplicável sejam determinadas de modo a exprimir uma conexão tangível e razoável entre os sujeitos passivos, os custos ou benefícios (real ou presumidamente) causados ou aproveitados por estes e o quantum do tributo exigido.

Ora, parece evidente que, se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os seus sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor, resultando numa diminuição da respetiva «taxa efetiva». Contudo, a impossibilidade de atenuação do impacto financeiro deste tributo através da dedução dos respetivos encargos ao lucro tributável em IRC constitui um aspeto extrínseco a essa correlação relevante para a configuração da CESE e que não pode ser adequadamente apreciado à luz do princípio da equivalência, nem sequer como expressão do princípio da proporcionalidade. Dessa disposição resulta, não um aumento do encargo suportado com a CESE, mas um agravamento do montante de IRC a pagar. Trata-se, pois, de uma questão que poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que se...

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