Acórdão nº 433/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 433/2022

Processo n.º 440/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Juízo de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do despacho proferido em 31 de março de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do despacho proferido por aquele Tribunal em 10 de março de 2022.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:

«A., recluso nº 227 do E.P. da Carregueira vem, com atinência ao cômputo da pena que cumpre, e tendo por base o douto despacho de 10 de março último (ref. 1682414) - que indefere o deduzido incidente de constitucionalidade - apresentado em 16 de Fevereiro passado interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Nos termos e com os seguintes FUNDAMENTOS:

I. Do enquadramento legal do presente recurso

1. O recurso é interposto a abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da LOTC.

2. A norma legal - a interpretação dessa norma - cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada é a do artº 41º, nºs 2 e 3 do Cod. Penal.

3. Com tal interpretação entende o recorrente que o Tribunal violou os seguintes princípios constitucionais:

a) Principio da segurança e confiança juridca (artº 2º da CRP);

b) Principio da adequação, exigibilidade, proporcionalidae e proibição de excessos (artº 18º e 29º da CRP);

c) Principio do processo equitativo e da integridade pessoal (artºs 20º, 25º e 26º da CRP);

d) Principio da limitação as penas (artº 30º da CRP);

4. Por se terem esgotado todos os recursos ordinários in casu (ex vi do nº 2 do artº 70º da LOTC) o presente recurso é interposto da decisão do TEP que indeferiu o incidente de constitucionalidade apresentado em requerimento próprio em 16 de Fevereiro 2022 no TEP de Lisboa.

5. A decisão do TEP, de que se recorre (ref. 1682414), nada decide, em rigor, quanto ao incidente deduzido, pois considera que o recorrente pretenderia uma aprecição abstracta das consequências da aplicação de uma Lei "(...) sem qualquer fundamento de facto ou de direito no presente momento processual".

6. Salvo o devido respeito, que é muito, se é verdade que a apreciação da constitucionalidade da interpretação e aplicação que o TEP fez dos nºs 2 e 3 do artº 41º do Código Processo Penal, reveste sempre uma vertente de abstracção, da procedência do pretendido, não só se criaria uma orientação geral e abstracta em sede de limites máximos da pena de prisão no caso de adição de penas sucessivas, como resultaria para o recorrente uma diminuição concreta desse quantum, circunstância de incomensurável relevo na vida de qualquer recluso.

7. Pelo que não parece colher a argumentação exposta no requerimento recorrido.

II. DA PRETENSÃO

8. O recorrente entende que a interpretação que o TEP faz do art 41º nºs 2 e 3 do Código Penal em sede de cálculo de marcos de pena de prisão e no âmbito de possibilidade de concessão de liberdade condicional, e no caso de penas sucessivas não cumuláveis, desrespeita o limite legal máximo das penas de prisão (25 anos).

9. Esse desrespeito é tanto mais ilegal/incostitucional em face do n.º 3 do citado artº 41.º do Código Penal estatui que, em caso algum, esse limite pode ser ultrapassado.

10. Nesta conformidade invoca o recorrente que, decretando-se a inconstitucionalidade da interpretação da dimensão normativa do artº 41.º do Código Penal em uso no TEP, se fixe com força obrigatória geral um comando a impor, mesmo na adição de penas sucessivas incumuláveis, o limite de 25 anos para a base de cálculo dos marcos de 1/2, 2/3 e 5/6 da pena de prisão.

Nos termos expostos e nos mais que o Merítissimo Juiz venha a suprir deverá, admitido o presente recurso, ser remetido ao Tribunal Constitucional para o ulterior processado.»

3. Do despacho proferido no Tribunal de Execução de Penas, que não admitiu o recurso de constitucionalidade, consta a seguinte fundamentação:

«O despacho objecto de recurso interposto pelo recluso não integra a previsão ao abrigo da qual o mesmo foi interposto, a saber, a al. b), do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15.11.

Em causa está o despacho proferido no passado dia 10.03.2022, o qual negou a apreciação do incidente suscitado pelo recluso, não proferindo qualquer decisão material, consubstanciando, aliás, um despacho de mero expediente.

Em face do exposto, rejeito, atenta a irrecorribilidade da decisão posta em crise, o recurso interposto pelo recluso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, sem prejuízo de a secretaria do tribunal poder concluir pela insuficiência económica nos termos do disposto no art. 4.º n.º 1 al. j) do regulamento das custas processuais

4. Na reclamação do despacho de não admissão do recurso foram invocados os seguintes fundamentos:

«I. Dos motivos para a não admissão do recurso.

1. O TEP não admite o recurso que o reclamante interpôs do despacho de fls. (ref. 1682414 ) por entender que:

a) A decisão tomada é irrecorrível;

b) Essa irrecorribilidade advém da circunstância do despacho de que se recorre ser um despacho de mero expediente;

c) E essa condição, refere o TEP, decorre do facto da decisão recorrida não ser de mérito e "apenas" se recusar a apreciar a questão posta pelo reclamante. Por fim;

d) Defende o TEP que o despacho de que se recorre não integra a previsão da al. b) do nº 1 do artº 70º da LOTC ao abrigo da qual o recurso foi interposto.

II. Sinopse cronológica

2. O reclamante deduziu, em requerimento autónomo, o que designou por "incidente de constitucionalidade" no âmbito do processo que corre junto do TEP de Lisboa durante todo o tempo de execução da sua pena de prisão de 27 anos.

3. Em resumo, o reclamante veio invocar e suscitar a questão de que a interpretação da dimensão normativa dos nºs 2 e 3 do art.º 41º do Cod. Penal que o TEP, no seu processo e em tese geral, aplica, é ilegal e essa ilegalidade, por afrontar princípios constitucionais (que enumerou) reveste a forma de incnstitucionalidade.

4. Inconstitucionalidade essa que decorre da circunstância de, apesar da limitação legal expressa da pena de prisão ser o marco de 25 anos (e em qualquer circunstância como enaltece o nº 3 do dto artº 41º do Cod. Penal) o TEP, para efeitos das contagens dos marcos dos 1/2, 2/3 e 5/6 das penas de prisão fazer um cálculo aritmético de adição simples das penas em concurso e não cumuláveis, aplicando a seguir as fracções e considerando o fim da pena não aos 25 anos da Lei mas ao resultado aritmético da adição.

5. Circunstância dramática para o almejado fim da pena mas sobretudo em sede dos marcos da pena em que é possível aferir da liberdade condicional, (naturalmmente extendidos para lá dos valores que a Lei pretende ai vedar, em qualquer caso, penas superiores a 25 anos).

6. Invocou, como é de Lei, a norma legal cuja interpretação se reputa inconstitucional e os princípios constitucionais que tal interpretação viola.

7. Por despacho de fls. (ref. 1682414) foi tal requerimento apreciado e, decidido nada se ter a decidir...

8. Por a decisão que, como substracto de inconformidade, levava ao requerimento, ter transitado há muito sem qualquer reacção do reclamante e,

9. Diz o despacho em crise, a apreciação pretendida pelo reclamante ter carácter abstracto, sem qualquer fundamento de facto ou de direito no presente momento processual.

10. É desse despacho que se recorreu para este superior Tribunal Constitucional e que, o Tribunal recorrido, não admitiu o recurso.

III. DA RECLAMAÇÃO

11. Portanto a questão discutir é se o recurso interposto pelo reclamante é ou não admissível e se, a não o ser, essa inadmissibilidade decorre dos motivos que o tribunal a quo invoca e foram elencados nos pontos da parte I desta reclamação.

12. Dede logo, e quase pressuposto do que depois se vai dizer, a qualificação do despacho recorrido como sendo de "mero expediente".

13. É verdade que o TEP, em sede de apreciação do requerimento do reclamante, podendo seguir caminho diverso, optou por, "refugiando-se" no trânsito em julgado da decisão fundamento da reacção constitucional, decidir não decidir e, salvo o devido respeito, os nºs 1 e 2 do artº 138º do CEPMPL, permitia-lhe tal decisão.

14. A questão é afinal de terminologa ou, se quiseremos, semântica, a saber:

A decisão de não decidir é uma decisão de expediente meramente devido ao abrigo dos princípios que obrigam os tribunais a apreciar todas as questões que lhe são postas ou, ao contrário, constitui ela própria uma decisão?

15. Sem prejuízo de haver situações em que os despachos só e apenas regulam aspectos laterais e de marcha dos autos sem qualquer reflexo em sede da questão de fundo e de objecto do processo outras há que, a simples decisão de nada decidir envolve um percurso analítico e crítico que, vazado na decisão como um todo, a torna fundamentada e, por isso, sindicável.

16. Ora, salvo o devido respeito, quer parecer o reclamante que, in casu, se está exactamente perante uma decisão que, ao decidir não decidir, baseou, fundou e estribou tal decisão em aspectos que, sendo opcionais e podendo eregir outros em alternativa, pressupõem uma interpretação e aplicação da Lei (neste caso o artº 138º do CEPMPL) que a tornam susceptível de reacção.

17. E esses aspectos são, para o que aqui releva, três a saber:

A) Eventual extemporaneidade do requerimento do reclamante, dado a juizo depois de transitada a decisão fundamento e, portanto, com o poder jurisdiscional...

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