Acórdão nº 436/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 436/2022

Processo n.º 40/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 15 de dezembro de 2021.

2. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, por decisão de 14 de abril de 2019, determinou a cassação do título de condução do arguido, ora recorrente.

Inconformado com a decisão administrativa, o arguido impugnou-a judicialmente. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Juízo Local Criminal de Gondomar, foi a impugnação julgada improcedente.

Novamente inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão datado de 15 de dezembro de 2021, negou provimento ao recurso.

3. É do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, em requerimento formulado nos seguintes termos:

«A., arguido nos presentes autos, notificado do douto Acórdão, VEM, ao abrigo do disposto na alín. b) do n.° l do art.º 70.°, da Lei do Tribunal Constitucional, INTERPOR RECURSO, para o Digníssimo Tribunal Constitucional, nos termos e pelos fundamentos seguintes termos:

O arguido foi condenado por Decisão proferida pela ANSR, que ordenou a Cassação ao mesmo, do título de Condução n.° P-l 135212.

Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que é inconstitucional a norma do art.° 148.° n.° 2, alín c) do n.° e n.° 10 do CE, ao consagrar o carácter automático da cassação do título de condução «definitivo», isto é, a condutores que já tenham ultrapassado o regime probatório.

A questão que se coloca é se depois de ultrapassado o regime probatório os condutores podem perder o direito de conduzir?

O aludido art.º 148.° refere que... A prática de três contraordenações muito graves ou de cinco contraordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos tem como efeito necessário a cassação do título de condução do infrator.

Esta norma é inconstitucional, pois, a nossa Constituição proíbe terminantemente no art.º 30.°, n.° 4 que o cidadão perca direitos, seja qual for a sua natureza, como efeito necessário de uma pena.

Ora, a proibição de obter novo título de condução tem uma duração fixa de 2 anos o que igualmente contradiz um dos principais princípios do direito assente no facto de a pena dever ser graduada em função da culpa do infrator.

O que acontece aqui, é que pura e simplesmente, aplica-se sem exceção a mesma pena para todos."

Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto.

Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto nos art.º 148.º n.º 2, alín c) do n.º e n.º 10 do CE, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, viola o art.º 30.° n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do Juizo local criminal de Gondomar, para o Tribunal Relação Porto.

Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.

4. Notificado para apresentar alegações, o recorrente reproduziu o requerimento de interposição de recurso.

5. O Ministério Público apresentou alegações, pronunciando-se pela impossibilidade de conhecimento do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos:

1. «Apesar de no seu recurso, interposto da decisão do J.L. Criminal de Gondomar para a Relação do Porto, o arguido (aqui também recorrente) ter procurado que fosse apreciada a constitucionalidade (da norma?) «do art. 148.º, n.° 2, alín c) do n.° e n° 10 do CE» (Código da Estrada, e doravante CE) e o Tribunal da Relação do Porto ter exautorado a «inconstitucionalidade do art. 148°, n.°s 2 e 3, al. c), do Código da Estrada, invocada pelo recorrente», a verdade é que a indicação de tais disposições legais mostra-se, salvo o devido respeito, inidónea a suportar a interpretação que o arguido sustenta, uma vez que, além de não coincidirem entre si, o preceito do n.º 3 do art. 148.º do CE não tem alíneas, presumindo-se que, onde se indica «n.º 2, alín c)» (requerimento de recurso do arguido) e «n.ºs 2 e 3, al. c)» (acórdão da Relação do Porto de 15-12-2021) se pretenderia referir ao «n.º 4, al. c) do CE».

2. Assim delimitada a questão – e introduzindo essa precisão retificativa à referência nas alegações do recorrente à [inexistente] «alínea c) do n.º 2 do art. 18.º da CRP», e do «n.º 3, al. c)», com referência ao acórdão da Relação do Porto –, parece-nos que deveria constituir objeto do recurso a apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos n.ºs 2, 4, al. c) e 10 do artigo 148.º do Código da Estrada, por estabelecerem a aplicação automática de um período fixo de dois anos da medida de cassação do título de condução, o que viola a proibição constitucional de as penas envolverem como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, assim contrariando o n.º 4 do art. 30.º da Constituição da República Portuguesa.

3. Porém, ainda que fosse assim – o que, reforça-se, não parece ser, de todo em todo, o caso –, afigura-se-nos que o recurso do arguido enferma de falta de densidade que lhe confira idoneidade normativa que imponha a este Tribunal Constitucional que dele tome conhecimento.

4. O recorrente não logra, na verdade, construir uma dimensão normativa autónoma, e que não se confunda com a mera discordância da decisão (de conformidade constitucional) da norma que supostamente pretende controverter.

5. Uma tal dimensão normativa não se pode satisfazer com uma alusão genérica a que, pelo facto de a proibição de obter novo título de condução ter uma duração fixa de 2 anos, o «que acontece aqui, é que...

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