Acórdão nº 439/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 439/2022

Processo n.º 350/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, A., S. A., requereu a interposição do presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]), do acórdão de 11 de novembro de 2021 que, negando provimento ao recurso, julgou improcedente a impugnação de um ato de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) relativo ao ano de 2017.

2. Através da Decisão Sumária n.º 252/2022, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pelo n.º 2 do artigo 264.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro) com a seguinte fundamentação:

«4. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, sempre que a questão colocada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade possa ser considerada «simples, designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal», pode o relator proferir decisão sumária.

As questões suscitadas nos presentes autos são idênticas às que foram primeiramente apreciadas por este Tribunal no Acórdão n.º 7/2019, cuja posição foi recentemente reiterada e desenvolvida em diversos acórdãos e decisões sumárias (v., entre outros, as Decisões Sumárias n.os 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021, 422/2021, 670/2021 e 16/2022 e recentemente reiterada nos Acórdãos n.os 301, 303, 436, 437, 438, 513, 532, 735, 756 e 777, todos de 2021). E manteve-se inalterada quando o Tribunal foi chamado a apreciar o regime aplicável em 2016 e 2017.

No Acórdão n.º 532/2021, da 3.ª Secção, estando em causa um ato de liquidação da CESE relativo ao ano de 2016, o recurso de constitucionalidade foi julgado improcedente, com os seguintes fundamentos:

«5. Constituem objeto do presente recurso as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril) —sobre as quais o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar, pela primeira vez, no Acórdão n.º 7/2019. A posição aí adotada foi subsequentemente reafirmada nas Decisões Sumárias n.os 229/2020, 11/2021, 358/2021, 417/2021 e 422/2021 e recentemente reiterada nos Acórdãos n.os 303/21, 436/2021, 437/2021 e 438/2021.

Contudo, a recorrente defende que a jurisprudência do Acórdão n.º 7/2019 não é transponível para o caso dos autos, essencialmente, por duas razões: porque esse acórdão não tratou detidamente a questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (adiante designada «CESE»); e porque «limit[ou] o objecto do respectivo recurso ao ano de 2014, uma vez que o processo diz respeito a uma liquidação relativa à CESE desse ano».

Quanto ao primeiro argumento, cumpre referir que — ainda que assistisse razão à recorrente — a questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE foi objeto de nova apreciação desenvolvida, no Acórdão n.º 301/2021 (cuja posição foi reiterada nos Acórdãos n.os 303, 436, 437 e 438, todos de 2021). Nesse processo, o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre argumentos muito idênticos aos aqui expostos pela recorrente, num caso em que estava também em causa a impugnação de um ato de liquidação de CESE (e não de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, adiante designado «IRC»).

Depois de considerar que a circunstância de a CESE não ser dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável não era, per se, suficiente para infirmar as conclusões alcançadas no Acórdão n.º 7/2019 sobre a natureza jurídica do tributo, esclareceu o Tribunal no Acórdão n.º 301/2021:

«8. (…) [T]ambém no que respeita à arguida inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE por violação do princípio da proporcionalidade, as alegações produzidas pela recorrente desviaram-se da configuração inicial do problema. Com efeito, a recorrente não foi capaz de autonomizar qualquer questão especificamente relacionada com a norma a que ficou reduzido o objeto do presente recurso, dirigindo novamente a censura constitucional – agora centrada na violação do princípio da igualdade proporcional – às regras de incidência subjetiva e objetiva do tributo. Todas as referências à impossibilidade de deduzir o encargo suportado com a CESE ao lucro tributável em IRC serviram apenas para arguir a «especial gravidade» ou «especial notoriedade» da alegada ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imputada ao regime jurídico que criou o tributo, considerado nos seus aspetos essenciais. Quanto a esta linha de argumentação, nada há, pois, a acrescentar (…).

Em qualquer caso, é manifesta a improcedência da questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, tal como colocada na reclamação apresentada dessa decisão sumária. Recorde-se que a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético foi criada no singular contexto da execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, como atesta o Relatório do Orçamento do Estado para 2014, com um propósito claro: « (…) num esforço de cumprimento equitativo das metas orçamentais para 2014, será introduzida uma contribuição extraordinária sobre o sector energético e aumentada a contribuição sobre o sistema bancário. Estas medidas destinam-se não só a contribuir para a sustentabilidade sistémica destes sectores mas também a repartir o esforço de ajustamento orçamental com as empresas de maior capacidade contributiva.» (v. Relatório do Orçamento do Estado para 2014, p. 33, disponível em https://www.dgo.gov.pt/politicaorcamental/).

A liquidação desta contribuição haveria, assim, de contribuir para a consolidação das contas públicas de duas formas: por um lado, as despesas com a adoção das medidas tidas por necessárias para assegurar a sustentabilidade do sector energético passariam a ser financiadas pelas receitas adicionais obtidas através da liquidação do tributo; por outro, as receitas do orçamento geral do Estado resultantes da liquidação do IRC não sofreriam qualquer diminuição consequente da liquidação do tributo, porque o encargo suportado pelos sujeitos passivos da CESE não poderia ser deduzido ao lucro tributável (v. a alínea q), do n.º 1, do artigo 23.º-A do Código do IRC).

Ao invocar que o artigo 12.º do regime jurídico da CESE contende com o princípio da proporcionalidade, por tornar excessivo o montante do tributo exigido, a recorrente confunde estas duas dimensões do esforço de ajustamento orçamental especialmente exigido aos operadores do sector energético. Não há dúvida de que, tal como este Tribunal tem reconhecido, a criação de tributos comutativos deve obedecer ao princípio da equivalência, que constitui expressão dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao impor que «o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo ao custo ou valor dos bens e serviços prestados ao sujeito passivo.» (v. o Acórdão n.º 344/2019). Para tal, importa que a incidência subjetiva, a incidência objetiva e a taxa aplicável sejam determinadas de modo a exprimir uma conexão tangível e razoável entre os sujeitos passivos, os custos ou benefícios (real ou presumidamente) causados ou aproveitados por estes e o quantum do tributo exigido.

Ora, parece evidente que, se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os seus sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor, resultando numa diminuição da respetiva «taxa efetiva». Contudo, a impossibilidade de atenuação do impacto financeiro deste tributo através da dedução dos respetivos encargos ao lucro tributável em IRC constitui um aspeto extrínseco a essa correlação relevante para a configuração da CESE e que não pode ser adequadamente apreciado à luz do princípio da equivalência, nem sequer como expressão do princípio da proporcionalidade. Dessa disposição resulta, não um aumento do encargo suportado com a CESE, mas um agravamento do montante de IRC a pagar. Trata-se, pois, de uma questão que poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que se entenda que este exige a consideração de todos os encargos tributários suportados pelas empresas na determinação da sua real capacidade contributiva (ou do lucro real a que se refere o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição), mas que evidentemente excede o âmbito do presente recurso, em que não está em causa a apreciação da constitucionalidade de normas aplicadas num ato de liquidação de IRC

Estando em causa, nos presentes autos, a impugnação de um ato de liquidação da CESE, e não de IRC (v., a este respeito, o Acórdão n.º 395/2021), cumpre reafirmar esta posição, dando-se por suprida qualquer carência de fundamentação do juízo de não inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE.

Quanto ao segundo argumento invocado para afastar a fundamentação do Acórdão n.º 7/2019, este foi recentemente rebatido no Acórdão n.º 513/2021, nos termos seguintes:

«6. (…) [S]endo correta a afirmação de que o Acórdão n.º 7/2019 atribui relevância ao...

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