Acórdão nº 447/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 447/2022

Processo n.º 434/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.04.2022, pedindo a fiscalização do disposto no artigo “44.º do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível o requerimento de incidente de recusa apresentado por um arguido que tem como fundamento do incidente motivos que só foram conhecidos pelo arguido após o início da audiência (mas antes da sentença)”, arguindo violação do disposto nos artigos 3.º, 13,º, 18.º, 20.º n.ºs 1 e 2 e 32.º n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.

2. A. formulou pedido de recusa da juíza que integra o coletivo no Proc. 39/08.8PBBRG que, pelo sobredito acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.04.2022, foi julgado improcedente.

O recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, como acima relatámos e, pela decisão sumária n.º 347/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso com fundamento em inutilidade da instância de recurso.

Os fundamentos são os seguintes, para o que ora importa:

a interpretação normativa a que alude o requerimento de interposição não conforma suporte normativo do acórdão recorrido, o que só por si, como dissemos, impede a apreciação do objeto do recurso.

O recorrente atribui ao acórdão o entendimento de que, nos termos do artigo 44.º do Código de Processo Penal (CPP), o pedido de recusa de um juiz tem de ser obrigatoriamente formulado antes do início da audiência de discussão e julgamento. Na eventualidade de o facto que funda a suspeição apenas vir a ser conhecido pelo sujeito processual depois do início da audiência, tanto pior, o requerimento de recusa não poderá ser apreciado nessa fase do processo (“ não é admissível o requerimento de incidente de recusa apresentado por um arguido que tem como fundamento do incidente motivos que só foram conhecidos pelo arguido após o início da audiência (mas antes da sentença)”.

Não é essa, de todo, a interpretação do preceito que se patenteia no acórdão recorrido. De facto, depois de transcrever o artigo 44.º do CPP, o Tribunal “a quo” deixa impresso o entendimento de que “o pedido de recusa é admissível até ao início da audiência” para logo depois acrescentar que pode, porém, ser formulado “posteriormente, até à sentença, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência”.

Está bom de ver, a decisão recorrida patenteia, a propósito do artigo 44.º do CPP, a interpretação oposta à que lhe atribui o recorrente. O Tribunal “a quo” entendeu que, por via de regra, o pedido de escusa tem de ser deduzido antes de se iniciar a audiência, mas, quando os factos-fundamentos da suspeição ocorrerem ou quando hajam sido conhecidos pelo sujeito processual que argui o incidente depois dessa data, o prazo para dedução do pedido de recusa será distendido, admitindo-se que o pedido de recusa seja formulado até à prolação de sentença em 1.ª instância.

De resto, a causa de indeferimento do requerimento não é normativa, cingindo-se a um juízo factual que se reduz ao caso dos autos. O Tribunal “a quo” concluiu que, na situação com que se confrontava, não estava preenchida a norma distensiva do prazo para arguição da recusa, ou seja, no ver do Tribunal “a quo” não era possível afirmar que os factos fossem supervenientes ao início da audiência e, como tal, seria de aplicar a regra geral de oportunidade do incidente. Assim, por entender não-demonstrado que os factos que fundamentam o pedido tivessem sido conhecidos pelo requerente apenas depois do início da audiência e porque o requerimento foi apresentado depois dessa data, foi o pedido indeferido com fundamento em intempestividade. (...)

Pois que assim é, ainda que este Tribunal Constitucional concluísse pela inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 44.º do CPP cuja fiscalização foi peticionada in casu, o efeito que é próprio às decisões nesta sede (impondo ao foro “a quo” nada mais que a reforma da decisão recorrida em função desse juízo – cfr. artigo 80.º, n.ºs 2 e 3 da LTC) em nada afetaria o sentido do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães: sempre subsistiria o juízo decisório, incontornável e insindicável nesta sede, sobre a extemporaneidade do pedido de recusa, já que o acórdão recorrido não encontra escoramento na interpretação normativa cuja sindicância se pretende para suportar o seu sentido, persistindo por isso intocado o juízo final formulado.

Resta concluir, em face de todo o exposto, pela existência de vício da instância de recurso constituída por falta de verificação de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito do recurso (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 79.º-C, ambos da LTC

3. O recorrente apresentou reclamação desta decisão para a conferência (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), pedindo a título de questão prévia a intervenção do plenário do Tribunal Constitucional, o que fez nos seguintes termos:

vem apresentar a competente RECLAMAÇÃO À CONFERÊNCIA, o que faz ao abrigo do disposto no art.º 78.º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional (L.T.C.), no prazo de 10 dias, apresentando, para o efeito, os seguintes fundamentos:

Questão prévia:

O recorrente requer a «intervenção do Plenário» do Tribunal Constitucional, em razão da natureza da questão a decidir e de forma a evitar divergências jurisprudenciais.

A intervenção do plenário tem como requisitos que essa intervenção seja suscitada pelo recorrente antes de ocorrer a distribuição e inscrição em tabela para a respetiva decisão e que seja um recurso oriundo de processo penal, tudo conforme art.º 79.º-A n.º 2 da L.T.C.

O n.º 3 do art.º 79.º-A da L.T.C. quando prevê que às reclamações previstas no art.º 77.º também são aplicáveis os pedidos de intervenção do plenário está a querer dizer que, também é aplicável àquelas reclamações, sendo aplicável à Reclamação à Conferência, uma vez que a lei não refere qualquer exclusão.

A expressão “é igualmente aplicável às reclamações previstas no artigo 77.º” significa que também se aplica àquelas, porque já se aplica às...

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