Acórdão nº 450/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | Cons. José Eduardo Figueiredo Dias |
Data da Resolução | 14 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 450/2022
Processo n.º 652/2022
Plenário
Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. TVI – Televisão Independente, S.A. (doravante, TVI), operador de televisão titular da autorização para explorar o serviço de programas televisivo CNN Portugal (doravante, “CNN”), e Nuno Miguel Duarte dos Santos, atual diretor geral do serviço de programas televisivo, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), da deliberação tomada pela Comissão Nacional de Eleições (doravante, CNE), em 31 de maio de 2022.
2. No âmbito da eleição para a Assembleia da República, de 30 de janeiro de 2022, foram apresentadas as queixas de fls. 47 a 76 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, contra a CNN Portugal, pela transmissão do programa "Fontes Bem Informadas", em 29 de janeiro, em virtude da alegada violação da proibição de realização de propaganda na véspera da eleição.
3. Foi notificada a TVI para se pronunciar, no prazo de 3 dias, sobre as participações recebidas, tendo a resposta sido apresentada a fls. 77, na qual é invocado, em suma, que o programa é de informação, na modalidade de comentário e análise da influência dos media na sociedade. Tem como objetivo discutir, refletir, esclarecer e informar, não visando promover quaisquer candidaturas ou candidatos a quaisquer atos eleitorais, não tendo uma natureza doutrinária, sendo que o programa não veiculou nem constituiu propaganda eleitoral.
4. Na sequência das referidas queixas e, após instrução, a CNE apurou que:
Durante o Programa mencionado, transmitido pela CNN, no dia 29 de janeiro de 2022, véspera do dia da eleição para a Assembleia da República, através da utilização de metáforas e jogos de palavras relacionados com os livros e filmes "Harry Potter", foi abordado o tema da campanha eleitoral, foram efetuadas previsões sobre o resultado do ato eleitoral e, ainda, apreciações sobre o desempenho das diversas candidaturas. No decorrer do programa foram exibidos oráculos onde se podia ler "Harry Potter – Quem vence o torneio amanhã", "Harry Potter – Análise ao desempenho das 9 equipas" e "Harry Potter – Que equipas se prepararam melhor?", de modo a que o telespetador pudesse facilmente reconhecer e identificar o que os comentadores referiam naquele momento.
5. No dia 31 de maio de 2022 a CNE deliberou – tendo por base a factualidade supra descrita, bem como a Informação n.º l-CNE/2022/117, do seu Gabinete Jurídico e a respetiva Ficha anexa – o seguinte:
« a) Remeter o presente processo ao Ministério Público, por existirem indícios da prática do crime previsto e punido pelo n.° 1 do artigo 141.º da LEAR;
b) Notificar o responsável pela programação da CNN Portugal para se abster, em futuros atos eleitorais, sob pena de cometer o crime de desobediência previsto e punido pela alínea b), do n.° 1 do artigo 348.°, do Código Penal, de incluir na programação da véspera e do dia da eleição qualquer peça suscetível de influir nas opções de voto dos eleitores, independentemente da sua natureza, em que se comente, parafraseie ou de qualquer outra forma aprecie candidatos, candidaturas ou hipotéticos resultados eleitorais, ainda que por metáforas.
Da alínea b) da presente deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional, a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.°-B da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro.».
6. De acordo com a deliberação da CNE ora impugnada, confirmou-se e não foi contestada a efetiva transmissão do programa na data referida, o seu conteúdo – designadamente o facto de este consistir numa metáfora sobre a eleição a ter lugar no dia seguinte, na qual eram inequivocamente identificáveis as candidaturas que a ela se apresentaram – e a existência de referências e comentários às mesmas candidaturas suscetíveis de influenciar a opção dos eleitores.
7. Da deliberação de 31 de maio, notificada à TVI, por email, no dia 7 de junho de 2022, às 9:52, foi apresentado recurso pela TVI e por Nuno Miguel Duarte dos Santos para o Tribunal Constitucional, por emails datados de 8 de junho de 2022, o primeiro dos quais enviado às 19h 05m. O recurso tem por objeto a supra descrita «deliberação tomada em 31 de maio de 2022, notificada à Recorrente em 7 de junho de 2022, por correio eletrónico» pela CNE e termina com as seguintes conclusões:
[…]
A) Na configuração subjacente à deliberação da Comissão Nacional de Eleições, a decisão desta ordenar ao Diretor de programação da CNN Portugal que este se abstenha de um determinado comportamento sob cominação da prática de um crime de desobediência, é um ato administrativo definitivo e executório integrado na administração eleitoral.
B) O regime processual associado com o controlo jurisdicional efetuado pelo Tribunal Constitucional dos atos da Comissão Nacional de Eleições só se justifica em relação a atos da Comissão Nacional de Eleições integrados num processo eleitoral concreto, e praticados durante o curso de um processo eleitoral.
C) A Decisão Recorrida (í) foi adotada após o fim do processo eleitoral a que dizia respeito, pelo que a Decisão Recorrida não é um ato da administração eleitoral submetido especificamente ao controlo jurisdicional do Tribunal Constitucional previsto pelo art.° 102.°-B da Lei n.° 28/82 e, concomitantemente, (ii) que não é da competência do Tribunal Constitucional controlar a legalidade do referido ato.
D) Se assim não for, sempre se dirá que o prazo de recurso não se compagina com a presente deliberação, tomada em 31 de maio, mais de 4 meses depois não só da situação factual que vem censurar, como também das próprias eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022;
E) Quando o legislador da LTC fixou o prazo de um dia para recurso das decisões da CNE em matéria eleitoral, referia-se evidentemente a matérias que sejam deliberadas enquanto dura a campanha eleitoral;
F) No presente caso, não há qualquer razão para que os direitos da Recorrente sejam comprimidos desta forma, violando o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o exercício do direito de defesa, ambos com assento nos artigos 20.° e 32.° da CRP;
G) Por outro lado, não se verifica no processo qualquer elemento que permita concluir pela responsabilidade concreta do "responsável pela programação da CNN Portugal";
H) A deliberação recorrida dispensa-se totalmente de apurar quem infringiu e quem deixou infringir, dando um salto para a conclusão de que a infração é do "responsável pela programação da CNN Portugal", havendo aí manifesto défice de instrução;
I) Quanto ao mérito da questão, a melhor interpretação da...
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