Acórdão nº 707/19.9PBFAR-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução07 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Inquérito que com o nº 707/19.9PBFAR-F, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de Faro – Juiz 2, recorre o arguido: - GUE, devidamente identificado nos autos.

Do despacho proferido em 18 de Março de 2022, pela Juíza titular dos autos, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução formulado pelo mesmo arguido, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade legal, por ter sido apresentado por um meio legalmente inadmissível.

Da motivação do recurso, o arguido/recorrente GUE retirou as seguintes conclusões (transcrição): 1. Por despacho datado de 18-03-2022, o tribunal a quo rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, por o mesmo não respeitar as exigências de forma legalmente exigidas.

  1. O Arguido ora Recorrente não se conforma com o despacho de que ora se recorre porquanto o arguido ora recorrente apresentou em tempo o requerimento de abertura de Instrução, assinado digitalmente, isto é, com a assinatura digital aposta e com a inscrição de que o documento se encontrava assinado digitalmente e remeteu o RAI via correio electrónico dirigido ao Ministério Público DIAP de Faro.

  2. O correio electrónico foi enviado no dia 02-03-2022 pelas 19:13 horas, consta da comunicação enviada o dia e hora da expedição, sendo certo que o RAI foi enviado do e-mail (…), e-mail esse pertencente à sociedade de Advogados para a qual labora a mandatária subscritora e que se encontra devidamente registado como e-mail oficial no portal da Ordem dos Advogados.

    Aliás da consulta do portal da ordem dos advogados como registado e como tal autêntico.

  3. Ao que acresce que o próprio e-mail contém o timbre da sociedade de Advogados, encontra-se devidamente identificado e assinado pelo mandatário subscritor e está ele próprio autenticado digitalmente.

  4. Por outro lado, o despacho recorrido falsamente faz referência a que não foi carreado para os autos o original no prazo legalmente concedido de 10 dias, o que não corresponde à verdade dado que no dia seguinte 03-03-2022 foi endereçado ao Tribunal o original do Requerimento de Abertura de Instrução, o qual foi subscrito e remetido pela mandatária subscritora.

  5. Andou mal o tribunal ao considerar que o envio do original do RAI remetido por correio electrónico trata-se de uma repetição do acto sem as garantias devidas pois sempre se dirá que o RAI foi legítima e tempestivamente apresentado, tendo sido respeitado todo o procedimento e bem assim todos os requisitos legais.

  6. O requerimento de abertura de instrução foi remetido pelo endereço oficial, o qual inclusive está registado na plataforma da Ordem dos Advogados (OA) e por esta certificado, a mandatária subscritora usou a assinatura digital facultada pela Ordem dos Advogados certificado multicert, a qual encontra-se instalada no seu computador e que lhe permite a utilização para assinatura de documentos digitais.

  7. Inclusive é o requerimento consta de papel timbrado de Advogado, com toda a identificação, os contactos e o número de cédula profissional.

  8. O RAI não respeita as exigências de forma legalmente exigidas, não carecendo o requerimento apresentado de assinatura digital ou qualquer outra.

  9. A assinatura digital é utilizada meramente para substituir a assinatura autografa do Advogado subscritor.

  10. Não existe qualquer preterição de regras processuais, nem existe qualquer irregularidade.

  11. Assim como não foi violado o disposto na Portaria 624/2004 de 16 de Junho, nem a ratio da criação do mesmo, dúvidas não existindo acerca da genuinidade do RAI, da autenticidade e da tempestividade do mesmo.

  12. O tribunal ao entender que a assinatura digital e o envio de peças processuais de e-mail certificado pela Ordem dos Advogados não respeitam as exigências de forma legalmente exigidas viola o disposto no artigo 3º da Portaria 642/2004 de 16 de Junho.

  13. Estabelece o artigo 3º da Portaria 642/2004 de 16 de Junho que o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do nº 3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.

  14. Ao que acresce que os originais do RAI enviado por correio electrónico foram remetidos para o tribunal por correio registado, motivo pelo qual somos do entendimento que pelo mandatário judicial foi garantida a integralidade, autenticidade e inviolabilidade a que obriga o nº 2 do artigo 132º do CPC.

  15. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2014 veio admitir a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico.

  16. O artigo 144º do Código de Processo Civil elenca os casos em que devem ser apresentados a juízo os respetivos originais dos documentos submetidos via eletrónica.

  17. Não ocorreu in casu, pela fundamentação do despacho, nenhum destes pressupostos.

  18. E mesmo que se entenda que a assinatura electrónica aposta no RAI não é válida sempre se dirá que se trata de uma irregularidade, facilmente sanável, tendo inclusive o mandatário posteriormente remetido o RAI assinado manualmente.

  19. Cabendo ao tribunal ao abrigo do princípio da adequação formal ter endereçado esse mesmo convite ao mandatário, o que não ocorreu, não podendo colher o argumento de que tal convite iria contornar o prazo legalmente concedido para requerer a abertura de instrução uma vez que esse prazo já se encontrava integralmente cumprido.

  20. O despacho de que ora se recorre para além de violar a ratio da Portaria 642/2004 de 16 de Junho e o artigo 3º, viola o princípio da adequação formal e o princípio de colaboração a que está adstrito pelo disposto no artigo 7º do CPC.

  21. E o disposto no artigo 287º, nº 3 do CPP que consagra que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, não tendo ocorrido nenhum destes motivos.

  22. Nem constitui uma causa de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução a não verificação do disposto na Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, referente aos actos processuais e notificações enviados por correio electrónico.

  23. O tribunal fez uma errada aplicação do artigo 287º, nº 3 do CPP, do artigo 7º do CPC e da Portaria 624/2004 de 16 de Junho.

  24. O despacho de que ora se recorre é uma evidente expressão de discricionariedade e uma evidente prevalência da forma em detrimento da verdade material pela qual o Processo Penal, para não dizer toda a Justiça, sempre deverá ser norteado.

  25. O fundamento apresentado pelo tribunal não configura inadmissibilidade legal da instrução, pelo que o requerimento para abertura de instrução não pode ser rejeitado.

  26. Uma vez que é perfeitamente admissível o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente.

  27. Nem tão pouco configura qualquer um dos outros dois fundamentos de rejeição que a lei prevê no n° 3 do artigo 287° (extemporaneidade e incompetência do juiz).

  28. Posto isto, o despacho que rejeitou a abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente viola o disposto no artigo 287º, nº 3 do CPP, bem como todos os direitos constitucionais e garantias do processo criminal previstos na nossa Constituição, uma vez que in casu não estamos perante nenhuma situação que configure uma situação de...

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