Acórdão nº 52/21.0GBCCH-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.
Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém, Comarca de Santarém, com o nº 52/21.0GBCCH-B foi o arguido AAA, divorciado, desempregado (…) nascido em 26-08-1956, (…), ouvido em interrogatório judicial de arguido detido, não lhe tendo sido aplicada qualquer medida de coação, tendo apenas sido mantida sua sujeição a Termo de Identidade e Residência já anteriormente aplicado.
Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I. Decorrido que foi o primeiro interrogatório judicial do arguido, o Ministério Público por entender como fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento para a sua apresentação - e que aqui se dão por integralmente reproduzidos -, que são suscetíveis de integrar a prática, designadamente, em concurso real, nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º1, n.º2, alínea b), por referência ao art. 204.º, n.º2, alínea a), por referência ao art. 202., alíneas b) e f) em concurso efectivo (art. 30.º e art. 77.º do Código Penal), com um crime de extorsão, p. e p. art. 223.º,n.º1, n.º3, alínea a) e um crime de coacção agravada, p. e p. pelo art. 154.º e 155.º, n.º1, alínea a),um crime de dano, p. e p. art. 212.º, n.º1, todos, do CódigoPenal e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (RJAM), promoveu a aplicação ao arguido das medidas de coação seguintes, sem prejuízo do resultasse indiciado em sede do mesmo e no mínimo, a proibição de contactos (artigo 200.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, doravante CPP), por qualquer meio com a vítima; à medida de proibição de detenção e aquisição de armas (art. 200.º, n.º 1, alínea e) do CPP) e de apresentação periódicas.
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E fê-lo por entender que resulta evidente o perigo real da continuação da atividade criminosa.
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As medidas cautelares de coação subordinam-se à necessidade instrumental derivada do valor intrínseco de certos bens e da carência da sua proteção, nos termos dos artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 3, 28.º, n.º 2 e 32.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e artigos 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 2, 194.º, n.º 1, e 204.º, todos do Código de Processo Penal. Pretende-se proteger valores essenciais da sociedade e constitutivos da essência do poder do Estado.
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A fundamentação que afastou a aplicação das sobreditas medidas coativas é, quanto a nós e com o devido respeito, vaga, insuficiente, ineficaz na proteção dos direitos da vítima e objetivamente incapaz de impedir o arguido de continuar a atividade criminosa, o que se crê venha efetivamente a suceder caso se mantenha o estatuto coativo aplicado.
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Na verdade, importa ponderar os fatores seguintes: 1) a natureza e número dos crimes praticados; 2) o montante global dos valores de que se apropriou; 3) a não recuperação de tais valores pela vítima; 4) aliás, o arguido não manifestou qualquer sinal de consciência das situações de risco e repercussões negativas que o alegado comportamento tem gerado na sua trajetória de vida, nem apresenta intenções de alterar o seu estilo de vida ou reorganizar o seu futuro de forma ética e socialmente responsável; 5) reiteração de prática de ilícitos criminais; 6) ao seu extenso pretérito criminal, onde constam condenações, algumas das quais em penas detentivas de liberdade, essencialmente crimes de burla qualificada, ameaça agravada, denúncia caluniosa, desobediência, ofensa à integridade física simples e detenção de arma(s) proibida(s) (como é o caso do dos autos); 8) à ausência de ocupação laboral; tudo a justificar s.m.o. plenamente o receio de que o arguido, em liberdade, continuará a praticar novos crimes de idêntica natureza, com vista a obter proventos económicos, de resto, como deixa antecipar o rol de inquéritos pendentes à escala nacional em que é visado o ora arguido.
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Tentar-se que o arguido altere o seu comportamento com a aplicação de Termo de Identidade e Residência, alicerçando, segmentos de fundamentação na ausência de formalização de queixa imediata da vítima é uma decisão, no mínimo, temerária. Mas também muito injusta e penalizadora dos direitos da vítima e cidadãos em geral.
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A vítima é o suporte individual dos bens jurídicos fundamentais que foram violados e espera uma resposta em conformidade com as expectativas, sob pena da descredibilização do Sistema.
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A medida de coação aplicadas pela Mma. Juíza de Instrução ao arguido não é suficiente, adequada e proporcional às necessidades cautelares que, no caso concreto, importa prevenir, e violam o disposto no artigo 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal.
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Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser o despacho recorrido objeto de revogação, e substituído por outro que aplique ao arguido distinto estatuto coativo.” Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que altere o estatuto coativo do arguido e determine a aplicação das seguintes medidas de coação: a) Termo de identidade e residência, já prestado; b) Obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, c) proibição de contacto com a vítima por qualquer meio; d) proibição de uso, detenção, manejo e aquisição de armas.
*O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o arguido pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1º A decisão do Tribunal recorrido não merece qualquer reparo já que toda a prova carreada para os autos foi devida e corretamente analisada e apreciada pelo Tribunal.
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Não se pode deixar de concordar na íntegra com a decisão, não se vislumbrando nela qualquer dos vícios e violação das normas penais invocados pelo MºPº nas suas doutas alegações de recurso.
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A fundamentação da decisão “a quo” cumpre exemplarmente os respectivos requisitos legais, ali se encontrando muito bem explicado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas carreadas para os autos que alicerçaram, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo Tribunal.
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Fundamentação que encontra sólidos fundamentos nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.
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A matéria dada como indiciada e não indiciada é a que resulta da análise da prova carreada para os autos.
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Conforme se pode ler no Douto Despacho recorrido, são convincentemente explicadas as razões para a formação da convicção do Tribunal quanto aos factos considerados indiciados e não indiciados e consequente aplicação da medida de coação.
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Trata-se de uma fundamentação e análise exaustiva da qual resulta uma atividade com o sentido crítico necessário e exigido ao julgador.
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Tendo em conta todos os fatores referidos na Douta decisão recorrida, afiguram-se-nos como justa e adequada a medida de coação efetivamente aplicada pelo Tribunal.
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Tem pois de se concluir que muito bem esteve o Tribunal ao decidir como decidiu, tendo analisado todos os meios de prova da forma mais correta, tendo aplicado em função disso a medida de coação menos grave como seria expectável.
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A medida de coação aplicada ao arguido, mediante tudo o que para os autos foi carreado é, e, não podia deixar de o ser, adequada e proporcional ao caso em apreço.
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Não assiste razão o MºPº quando diz que resulta evidente o real perigo da continuação da atividade criminosa.
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Não só não são os factos indiciados aptos a integrar qualquer ilícito criminal, mas mesmo que o fossem, o que se admite apenas por hipótese meramente académica, resulta sempre à evidência que desde a data da detenção do arguido e da realização do primeiro interrogatório judicial até ao presente não há notícia de que o arguido tivesse vindo a praticar ilícitos criminais ou sequer se tenha aproximado ou contactado por qualquer forma que fosse a ofendida, facto que esvazia completamente toda a argumentação apresentada pelo MºPº nas suas Doutas alegações.
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Em função do exposto deverá ser mantida na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal em matéria de aplicação de medidas de coação, mantendo-se apenas a medida de coação de Termo de Identidade e Residência, não sendo de aplicar qualquer outra para além desta.”*A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.
*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido, subscrevendo o parecer da Exm.ª Procuradora Geral Adjunta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
II.
I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o...
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