Acórdão nº 304/21.9T9EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO FREITAS PINTO
Data da Resolução23 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório Decisão recorrida No âmbito do Processo de Instrução nº 304/21.9T9EPS, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Instrução Criminal de Braga, foi proferida a seguinte decisão que se transcreve: “Requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente R. M.: “Nos termos do artigo 286.º, n.º1 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

A Instrução pode ser requerida pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação, e pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, quanto a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (artigo 287.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal).

No requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente, este terá de indicar não só as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Público, mas também os actos de instrução que deseja sejam realizados, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e os factos que, através de uns e outros, pretende provar.

Ao Requerimento de Abertura de Instrução do Assistente é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal (artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) ou seja, deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.

A inobservância destes requisitos implica nomeadamente a nulidade da acusação (artigo 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal) Assim, no Requerimento de Abertura de Instrução o Assistente terá, desde logo, de descrever os factos concretos que pretende imputar ao arguido.

Perante o arquivamento determinado pelo Ministério Público e de acordo com o artigo 287.º do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente constituirá uma “acusação alternativa”, que deve descrever os factos que fundamentam a eventual aplicação ao(s) arguido(s), definindo e delimitando assim o objecto do processo.

Atenta a estrutura acusatória do processo penal, o Requerimento de Abertura de Instrução não pode limitar-se à simples impugnação do despacho de arquivamento, para o que o meio adequado é a reclamação hierárquica.

Isto porque não é ao juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelo arguido de um crime, pois então, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da acção penal contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor.

A Instrução é uma fase processual facultativa, com finalidades e âmbito específicos e definidos por lei e onde não cabe levar a cabo diligências de investigação, como se de um complemento ou continuação do Inquérito se tratasse, no sentido de apurar factos a imputar aos arguidos.

Não descrevendo o assistente os factos que pretende imputar ao arguido, qualquer descrição que se venha a fazer numa eventual pronúncia implica necessariamente uma alteração substancial do requerimento, ferida pois de nulidade nos termos do artigo 309.º do Código de Processo Penal.

Ora, nos presentes autos e compulsado o teor do requerimento de abertura da instrução, verifica-se que o assistente começa por invocar uma nulidade por insuficiência do inquérito o que faz os pontos 1 a 54 do RAI.

E prossegue no ponto 55 e seguintes, sob o título “Da acusação propriamente dita”, com aquela que teria de ser a acusação alternativa que definiria o objeto do processo.

Porém, as afirmações feitas pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução, não traduzem o necessário escorreito e concreto elenco de factos, nem a localização espacial ou temporal dos mesmos. Refere que “numa das ocasiões” de comportamentos pouco cordiais e sensatos por parte do arguido, numa “rotunda situada em Esposende” mandou imobilizar o arguido quando este proferiu as frases do ponto 61 do RAI.

Como se vê sem indicação temporal ou local dos factos.

Depois prossegue nos pontos 62 a 65, descreve factos que estão a ser investigados nos autos 17/19.1GTVCT, pelo que se pergunta: que estão a fazer na acusação alternativa? E nos pontos 67 a 77, relata circunstâncias posteriores (uma missiva depositada na caixa do correio) das quais infere a autoria dos factos pelo arguido, mas que nunca foram objeto de queixa ou de notícia nos autos. E que diz configurar uma perseguição, uma ameaça, ao assistente e à namorada. Porém, nos presentes autos apenas se investiga um crime de injúria. Pelo que tais factos 67 a 74 não podem ser apreciados nos nossos autos.

E não é dedicado um parágrafo ao elemento subjetivo do crime imputado prévia à qualificação jurídica inserta no ponto 83.

Ou seja, falta nos autos, a “acusação alternativa” imposta ao assistente.

Nos pontos 86 e ss o assistente verte considerações doutrinais e jurisprudenciais que não configuram a tão necessária acusação.

Não decorrem, pois, do teor do aludido requerimento, quaisquer factos, nem as circunstâncias concretas em que alegadamente terão ocorrido, com que motivação e consciência da ilicitude.

Na verdade, o requerimento de abertura de instrução em apreço apresentado pelo assistente, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pronunciando-se apenas quanto à justeza do despacho final e aos elementos de prova juntos aos autos, é, no entanto, omisso quanto a factos, não descrevendo os acontecimentos e os comportamentos que pretende ver imputados, não os situando no tempo e no lugar e não descrevendo a motivação aquando da sua alegada prática.

O juiz de instrução não tem a missão de tentar «salvar» os requerimentos imperfeitos e insuficientes, respigando uma palavra aqui, um segmento de frase mais à frente, eventualmente aproveitando também o conteúdo da queixa, para, contextualizando tudo, compor uma acusação que não lhe compete formular. Na realidade, a sua função não é “acusar”, mas apenas a de “comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (art. 286 nº 1 do CPP). Tendo o MP decidido arquivar o inquérito o juiz de instrução “comprova” a acusação do assistente, como se lê no Ac. R. Guimarães de 26/1/2015, REL. DES. Fernando Monterroso, www.dgsi.pt.

Não decorre, pois, do requerimento em análise, a referência direta a quaisquer factos que possam consubstanciar os elementos objetivos e subjetivos de qualquer tipo de crime, razão pela qual, a prosseguirem os autos, o arguido não saberia relativamente a que factos teria de defender-se e, ainda que viesse a ser proferido despacho de pronúncia, o mesmo redundaria necessariamente numa alteração substancial do requerimento de abertura de instrução, e por isso, viciada pela nulidade prevista pelo n.º 1 do artigo 309.º, do Código de Processo Penal.

Atenta a estrutura acusatória do processo penal, o Requerimento de Abertura de Instrução não pode limitar-se à simples impugnação do despacho de arquivamento, para o que o meio adequado é a reclamação hierárquica.

E por outro lado, o RAI é omisso quanto ao elemento subjectivo do crime imputados e quanto à falta de consciência da ilicitude por parte do arguido.

Ora, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 - Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27 fixou a seguinte jurisprudência: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.» Em conclusão do sobredito, (conclui o mencionado Aresto de Tribunal da Relação de Coimbra) a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador nº 1/2015 é aplicável à questão sub judice, o que significa que, por força dela, não pode efectuado o aditamento à matéria de facto a provar, integrando na mesma o facto, «O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal».

A inexistência na acusação “alternativa” e, por via dela, do elemento do tipo subjectivo do ilícito imputado, impede a definição da conduta do arguido, como conduta típica, ilícita e culposa, portanto, como crime. Não havendo crime, o RAI está votado ao insucesso.

Acresce que, nestes casos, é insustentável a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, sob pena de haver lugar a uma prorrogação do prazo legal para requerer a abertura da instrução inadmissível em processo penal fora do caso previsto no art. 107.º, nº 6, do Código de Processo Penal.

Isso mesmo resulta inequivocamente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, publicado no Diário da República n.º 212, I Série A, de 4 de Novembro de 2005 que, fixando jurisprudência nesta matéria determinou que: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.” e para cujos fundamentos se remete.

Nesta conformidade, por inadmissibilidade legal...

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