Acórdão nº 323/11.3TMBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) M. F.

veio intentar procedimento cautelar de arrolamento contra J. S., como incidente da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, onde conclui pedindo que: 1) Seja julgado procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, seja decretado o arrolamento dos bens constantes da relação supra; 2) Que a providência seja decretada sem audiência do requerido, para não comprometer a sua finalidade, nos termos do artigo 36º do CPC.

Para tanto alega, em síntese, que contraiu casamento com o requerido em 10/04/1963, sem convenção antenupcial, no regime de comunhão geral de bens e, por sentença de 03/09/2012, transitada em julgado, que correu termos na 2ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi decretado o divórcio entre requerente e requerido, sendo que o acervo dos bens do casal se mantém indiviso, com exceção de uma parte dos bens imóveis do casal, sendo ainda a requerente e o requerido detentores de participações sociais em empresas, em comum, tendo este praticado atos de gestão danosa das sociedades, além de que, na constância do matrimónio, a requerente outorgou a favor do requerido uma procuração que lhe conferia todos os poderes para dispor do seu património, em seu nome, tendo a mesma receio que o requerido dissipe todo o património que ainda detêm em conjunto.

*B) Foi proferida a decisão com a referência 176769906, que julgou a providência cautelar procedente e, em consequência, ordenou o arrolamento: - dos bens imóveis (verbas nº 1 a 11); - das quotas (verbas nº 12 a 15).

Depositário das quotas: requerente e requerido cada um na proporção de metade do respetivo valor, designadamente a fim de não inviabilizar a sua utilização normal e evitar que um dos cônjuges administre os mesmos de forma a comprometer definitivamente os interesses patrimoniais do outro, o que se determina nos termos do disposto no art. 408º, nº 2, do CPCivil.

*C) Inconformado com esta decisão, veio o requerido J. S. interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. 178324128).

* Nas alegações de recurso do apelante J. S., são formuladas as seguintes conclusões: I. O presente recurso é interposto da sentença proferida em 2021.12.21, a qual julgou o procedimento cautelar interposto pela recorrida procedente e ordenou o arrolamento das verbas 1 a 15, nomeando como depositário das quotas o recorrente e a recorrida.

  1. Salvo o devido respeito, a referida sentença padece de vários erros de julgamento, não podendo manter-se.

  2. Desde logo, o presente procedimento cautelar de arrolamento foi instaurado pela recorrida, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 409º, nº 1, do Código de Processo Civil, “como incidente da ação de divórcio sem mútuo consentimento do outro cônjuge”, tendo o mesmo sido instaurado como apenso à referida ação.

  3. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que o arrolamento em apreço surgiria, antes, como preliminar e como dependência do processo de inventário para partilha do património comum do casal, após a dissolução do casamento por divórcio, porquanto o matrimónio foi dissolvido em junho de 2012.

  4. Considerou ainda que, não obstante, era de aplicar, in casu, o regime previsto no art.º 409º, do Código de Processo Civil, estando, por conseguinte, a recorrida dispensada de alegar e demonstrar o justo receio de extravio ou dissipação dos bens comuns do casal e o Tribunal de indagar tal receio, pois a lei presumiria, “iuris et de iure”, a sua existência.

  5. Contudo, não assiste razão ao Tribunal a quo.

  6. Em conformidade com o disposto no art.º 364º, do Código de Processo Civil, aplicável aos procedimentos cautelares especificados ex vi do art.º 376º, nº 1, o procedimento cautelar pode ser instaurado como preliminar ou incidente de uma ação, sendo sempre dependência de uma determinada causa (art.º 364º, nº 1, do Código de Processo Civil) e visando acautelar, provisoriamente, o direito que nela se pretende exercer.

  7. No arrolamento especial, previsto no art.º 409º do Código de Processo Civil, prevê-se igualmente que este pode ser instaurado como preliminar ou incidente da ação de divórcio, o que pressupõe que a referida ainda não tenha sido proposta ou que esteja ainda pendente.

  8. Se a ação principal de que o procedimento cautelar é dependência já se encontra finda, nada há a acautelar e o procedimento cautelar é inútil, devendo ser julgado improcedente.

  9. Ora, como se referiu, o presente procedimento cautelar foi instaurado como incidente da ação de divórcio e por apenso a esta ação, sendo que, como bem constatou o Tribunal a quo, a referida ação já terminou por sentença proferida em 06.06.2012, transitada em julgado.

  10. Atento o exposto, atenta a forma como o requerente configurou a relação material controvertida, o arrolamento requerido era originariamente inútil, pelo que deveria o Tribunal a quo ter indeferido o procedimento cautelar requerido e não ficcionar que o procedimento era afinal preliminar de uma outra ação judicial – de inventário –, distinta da ação de divórcio, e ainda a propor.

  11. Ainda que assim não se entendesse, não há dúvidas de que não estamos perante nenhuma das hipóteses previstas no art.º 409º do Código de Processo Civil, XIII. Sendo certo que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, não se afigura lícito aplicar o regime previsto para o arrolamento especial a situações nele não contempladas, concretamente, e no que aqui releva, ao arrolamento requerido enquanto preliminar de ação de inventário para partilha dos bens do ex-casal.

  12. Com efeito, a norma constante do art.º 409º do Código de Processo Civil é uma norma excecional, insuscetível de aplicação analógica (art.º 11º do Código Civil).

  13. Acresce que, de acordo com o art.º 9º, nº 2 e 3, do Código Civil, “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

  14. Ora, o legislador identificou especificamente as ações em que, no arrolamento requerido como preliminar ou incidente destas, se dispensava a alegação e demonstração pelo requerente do justo receio extravio, ocultação ou dissipação de bens, não tendo nelas incluído a ação de inventário, de cuja existência não era, obviamente, desconhecedor.

  15. Por outro lado, o regime excecional estabelecido no art.º 409º, do Código Civil, justifica-se pelo receio de que, antes ou na pendência da ação de divórcio, um dos cônjuges atue em prejuízo do outro, tendo presente que a ação de divórcio pressupõe, naturalmente, a existência de um litígio entre os cônjuges.

  16. Ora, se antes ou na pendência da ação de divórcio, em que é patente a existência de um conflito pessoal e litígio entre os cônjuges, o cônjuge não requer o arrolamento dos bens comuns, XIX. A partir do momento em que o divórcio é decretado, e em que se encontram reunidas as condições para a efetivação da partilha dos bens comuns, ambos os cônjuges podendo requerer o inventário (art.º 1085º do Código de Processo Civil), o arrolamento apenas deve ser possível se o cônjuge alegar e demonstrar que há um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, não havendo razões para presumi-lo e tutelar especialmente os ex-cônjuges nessa situação.

  17. Atento o exposto, o arrolamento requerido – a ser admissível, o que em caso algum se admite – estaria sujeito ao regime geral do art.º 403º, do Código de Processo Civil, do arrolamento geral.

  18. Nos termos do aludido preceito e do art.º 405º do mesmo Código, incumbe ao requerente do arrolamento alegar e demonstrar: (i) os factos constitutivos do seu direito (certo ou eventual) aos bens; (ii) e os factos em que fundamenta o receio de extravio, dissipação ou ocultação daqueles bens (periculum in mora), os quais constituem requisitos cumulativos do decretamento da providência.

  19. No que diz respeito ao periculum in mora, o requerente do arrolamento tem que alegar e demonstrar o fundado receio de extravio, dissipação ou ocultação dos bens em relação aos quais se arroga um direito e cujo arrolamento requer e não quaisquer outros.

  20. Por outro lado, o receio tem que ser objetivo e apoiar-se em factos concretos, não bastando simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados.

  21. Considerando o exposto, e a matéria de facto considerada assente pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, é manifesto que não se encontravam reunidos os pressupostos legais do decretamento da referida providência.

  22. Acresce que, lido e relido o requerimento inicial, verifica-se que a Recorrida não alegou quaisquer factos que, sendo demonstrados, permitam concluir pela existência de um fundado receio de extravio, dissipação ou ocultação dos bens cujo arrolamento requer.

  23. A parca matéria alegada diz respeito às sociedades J. S., Lda. e J. F., Lda., a supostas situações referentes à mesma e a pretensos e genéricos atos de “delapidação” e “dissipação” de bens destas sociedades, bens esses em relação aos quais a recorrida não tem nenhum direito e que não são nenhum dos bens cujo arrolamento é requerido.

  24. Mesmo quanto aos referidos bens das referidas sociedades, também não há nenhum facto concreto e objetivo alegado de onde se possa concluir o justo receio, mas apenas e tão só considerações genéricas e conclusivas.

  25. Contudo, como se referiu, tais bens nem sequer relevam para o caso, porquanto não são objeto do arrolamento, e é quanto a esses que o requerente tem que alegar e demonstrar o justo receio de extravio, dissipação ou ocultação.

  26. E nada vem alegado relativamente ao receio de extravio, dissipação ou ocultação das quotas ou dos imóveis cujo arrolamento requer.

  27. Acresce que, não se vê como se possa dissipar...

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