Acórdão nº 02520/19.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Foi interposto recurso jurisdicional pela Fazenda Pública no Tribunal Central Administrativo Sul, visando a revogação da sentença de 20-05-2021, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação intentada por A……… SLU, sociedade de direito espanhol, na qualidade de sociedade incorporante da sociedade A………Ibéria, Lda., e melhor identificada nos autos, contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1, datado de 26 de Setembro de 2019, mediante o qual foi indeferida a reclamação graciosa que teve por objeto a autoliquidação da derrama regional, do período de tributação de 2016, no valor de €14.433,17.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A………. SLU, melhor identificada nos autos, contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1, datado de 26 de Setembro de 2019, mediante o qual foi indeferida a reclamação graciosa que teve por objeto a autoliquidação da derrama regional, do período de tributação de 2016, no valor de € 14.433,17, determinando, em consequência, a anulação da autoliquidação da derrama estadual efetuada pela sociedade A…….. Ibéria, Lda., na declaração de rendimentos modelo n.º 22, relativa ao período de tributação de 2016, no valor de € 14.433,77 e a condenação da Fazenda Pública ao reembolso à ora Recorrida do valor de € 14.433,17, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde o dia 01 de Setembro de 2017, inclusive, até ao processamento da correspondente nota de crédito.

  2. A questão controvertida nos presentes autos consiste em saber se os rendimentos obtidos pela ora Recorrida, enquanto entidade licenciada para operar na Zona Franca da Madeira, no exercício de 2016 estão isentos de pagamento de derrama regional ou se a referida isenção não se aplica à ora Recorrida em virtude do disposto no art. 6.º, n.º 5, do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23.07 que faz incidir a derrama regional sobre as entidades licenciadas a operar na ZFM, que não gozem da isenção, prevista no art.º 33.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ou da redução da taxa de IRC, prevista nos arts. 35.º e 36.º do mesmo diploma legal.

  3. As Regiões Autónomas são pessoas coletivas territoriais, dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia financeira, titulares da prerrogativa de exercício de poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República -[artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, artigo 5.º, n.º 1 - “autonomia fiscal”- Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho.

  4. As Regiões Autónomas podem criar impostos vigentes apenas para a Região, definido as respetivas incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, de forma a adaptar às especificidades da região a tributação nacional com vista a fomentar o desenvolvimento regional.

  5. Considera o Tribunal a quo que “(…) o art. 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23.07, que alterou o n.º 5 do art. 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 05.08, correspondente ao anterior n.º 4 do mesmo artigo, conforme decorre do disposto no art. 16.º, n.º 2, do Decreto-Legislativo Regional n.º 2/2011/M, de 10.01, no art. 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30.03, e no art. 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 42/2012/M, de 31.12, ao pretender fazer incidir a derrama regional sobre as entidades licenciadas a operar na ZFM, que não gozem da redução da taxa de IRC, prevista no art. 36.º do EBF, em derrogação do disposto no art. 7.º, al. e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26.07, padece de inconstitucionalidade orgânica e formal, não podendo, por isso, ser (…) aplicado”.

  6. Entende a Fazenda Pública, que o diploma em causa não padece de inconstitucionalidade orgânica, conforme veremos.

  7. Em matéria de competência para legislar em matéria tributável, dispõe o art.º 103°, nos seus números 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que: “2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

    1. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei".

  8. Cabe à Assembleia da República legislar em matéria tributária. I) Senão vejamos o disposto no art.º 165.° da CRP, que sob a epígrafe "Reserva relativa de competência legislativa", o seu n° 1, e mais concretamente a sua alínea i) determinam que compete à Assembleia da República, sem prejuízo de autorização ao Governo, a "Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas".

  9. Ainda que a Assembleia da República possa autorizar o Governo, mediante uma lei de autorização legislativa, a legislar sobre matéria tributária, devendo para tanto obedecer aos termos enunciados nos n.ºs 2 a 5 do mesmo artigo 165° da CRP.

  10. Estamos aqui, portanto, perante uma reserva de lei formal concedida pela CRP à Assembleia da República.

  11. Apesar da consagração de reserva de competência legislativa atribuída, em matéria fiscal, à Assembleia da República, a CRP reconhece às regiões autónomas o exercício de um poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República, nos termos da alínea i), do n° 1 do art.º 227° da CRP.

  12. Este preceito possibilita a cada uma das Assembleias Legislativas Regionais, "Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República" [art.º 227.º n.º 1 alínea i) da CRP].

  13. Em consequência, o n.º 1 do art.º 232.º da CRP, atribui à Assembleia Legislativa da região autónoma, nomeadamente, a competência de "adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da região", nos termos da autonomia legislativa da região autónoma consagrada no respectivo estatuto político administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

  14. Ora, dispõe o n.º 1 do art. 5.º do Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira (RAM), estabelecido pela Lei n.º 13/91, de 5 de julho, (na redação dada pela Lei n° 130/99, de 21 de agosto e da Lei n° 12/2000, de 21 de Junho), que "A autonomia política, administrativa, financeira, económica e fiscal da Região Autónoma da Madeira não afecta a integridade da soberania do Estatuto e exerce-se no quadro da Constituição e deste Estatuto".

  15. O art.º 134° mesmo diploma (Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira), estabelece como princípios gerais que: "As competências tributárias atribuídas aos órgãos de governo próprio da Região exercem-se no respeito pelos limites constitucionais, no quadro deste Estatuto e da lei, tendo em conta: a) Que a determinação normativa regional da incidência da taxa dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes, nos termos dos artigos seguintes, será da competência da Assembleia Legislativa Regional mediante decreto legislativo regional: b) Que o sistema fiscal regional deve adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos vigentes apenas na Região quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais; c) Que as cobranças tributárias regionais, em princípio, visarão a cobertura das despesas públicas regionais; d) Que a estruturação do sistema fiscal regional deverá incentivar o investimento na Região e assegurar o seu desenvolvimento económico e social." Q) O art.º 134.º do Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira encontra-se em total uniformidade quer com a CRP, quer com o art. 5° do mesmo Estatuto.

  16. Assim sendo, a competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pela Assembleia Legislativa Regional, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 37° do Estatuto, da qual provêm os Decretos Legislativos, nomeadamente o que está aqui em causa, o Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23.07.

  17. De acordo com o já citado art.º 134.º do Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira, a Assembleia Legislativa Regional tem o poder de criar e regular impostos, vigentes apenas na Região, definindo a respetiva incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, nos termos da alínea a) do n.º 2, do art.º 135° do Estatuto.

  18. No âmbito das suas competências, a Assembleia Legislativa Regional da RAM criou a derrama regional, nos termos dos artigos 3° a 6° do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo dos preceitos supra citados, que produziu efeitos a partir de 01.07.2010, data de entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, nos termos do n° 2 do art.º 17° do supra identificado Decreto Legislativo Regional n° 14/2010/M, de 5 de Agosto.

  19. Comparando o regime da derrama regional estabelecido no art..º 4.° a 6.° do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, com o regime de derrama estadual consagrado no art.º 2.° da Lei n° 12-A/2010, de 30 de Junho, que aditou no Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas os artigos 87°-A, 104°-A e 105°-A, (os quais entraram em vigor em 01.07.2010, nos termos do art.º 20° da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho), verifica-se que aquele regime, originalmente, é uma reprodução quase exata do regime da derrama estadual (aprovado pela Assembleia da República).

  20. Pelo que, em relação...

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