Acórdão nº 218/21.2GCCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 01 de Junho de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.
A SENTENÇA RECORRIDA No processo sumário n.º 218/21.2GCCVL do Juízo Local Criminal da Covilhã, por sentença datada de 23 de Setembro de 2021, foi decidido: · condenar o arguido AA, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 292º, n.º 1 do CP e 69º/1 a) do Código da Estrada, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinando tal suspensão a regras de conduta e com regime de prova, «cujo plano de reinserção social deverá privilegiar o tratamento do arguido para problemática do consumo de álcool, obtendo-se, para o efeito, o prévio consentimento do arguido, aquando da notificação da presente sentença»; · determinar a cassação a cassação do titulo ou títulos que habilite(m) o arguido AA à condução de quaisquer veículos a motor na via publica, a quem fica vedada a concessão de novo título pelo período de 1 ano, devendo proceder à entrega da carta de condução e quaisquer outros títulos que o habilitem à condução nos termos aqui referidos, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da referida decisão, na secretaria do tribunal da condenação.
2.
O RECURSO Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I. «Não se conformando com a douta sentença que, em suma, condenou o pela prática, para além do mais, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, dela vem o Ministério Público recorrer quanto à escolha da pena.
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Em primeiro lugar, estranha-se que se determine a suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova, orientando-se o plano de reinserção social para o tratamento do arguido para a problemática do consumo de álcool quando o mesmo não deu o seu consentimento para tal.
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O consentimento do arguido, previsto no artigo 52.º, n.º 3, do Código Penal, tem que ser prévio à decisão do Tribunal, não podendo ser prestado aquando da notificação da sentença.
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Mal andou o Tribunal a quo ao determinar a sujeição do regime de prova a um tratamento médico para o qual o arguido não deu o seu consentimento prévio, violando o disposto no artigo 52.º, n.º 3, do Código Penal.
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A fundamentação da douta sentença recorrida, no que concerne à opção pela pena substitutiva, mostra-se absolutamente escassa e conclusiva.
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As exigências de prevenção geral são elevadas, atenta a grande sinistralidade rodoviária existente em Portugal.
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O grau de ilicitude dos factos é elevado, atenta a taxa de álcool apresentada pelo arguido.
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O arguido demonstrou total indiferença perante a sua situação jurídico-penal, perante o presente processo e perante as respectivas consequências penais, nem se dignando a comparecer na audiência de julgamento.
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O arguido já foi condenado por doze ocasiões, cinco delas pela prática do mesmo tipo de crime, estando inclusivamente ainda sujeito a um regime de prova (no decurso do qual praticou os factos pelos quais foi agora condenado).
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A suspensão da execução da pena de prisão de prisão não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, nem terá a virtualidade de demover o arguido da prática de novos crimes.
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O arguido revela uma atitude absolutamente contrária aos valores que regem a sociedade, não respeita as condenações de que é alvo (praticando crimes no decurso do período de suspensão da execução de outras penas de prisão) e não compreende o alcance do desvalor das suas condutas, sendo elevadíssimas as exigências de prevenção especial.
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O Tribunal a quo, ao determinar a suspensão da execução da pena de prisão em que condenou o arguido, violou o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
· Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, condenando-se o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de nove meses de prisão (efectiva)».
3.
O arguido não respondeu a este recurso.
4.
Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se, corroborando as alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
Assim sendo, as questões à partida em discussão são: · foi bem fixada a pena PRINCIPAL? · deveria a pena aplicada ser efectiva e não suspensa na sua execução? 2.
DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição): Factos Provados: «1. No dia 04.09.2021, pelas 17h56, o arguido AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-..-OG, propriedade de BB, na Estrada ..., ..., ..., ....
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AA conduziu o veículo mencionado com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,840 g/L.
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AA bem sabia que a quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas que havia ingerido, em momento anterior à condução, era susceptível de ser superior a 1,2 g/l, e que, por isso, não podia conduzir o referido veículo na via pública.
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AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei como crime.
* DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SÓCIO ECONÓMICAS DO ARGUIDO: 5. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais: A – Nos autos de proc. 290/00...., do ..., por decisão de 13-02-2001, transitada em julgado em 17-09-2007, foi condenado pela pratica de crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do CPenal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 600$00, e cuja pena foi declarada extinta 07-01-2010.
B - Nos autos de proc. 124/01...., do ..., por decisão de 24-10-2002, transitada em...
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