Acórdão nº 390/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 390/2022

Processo n.º 1022/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença daquele Tribunal, de 23 de setembro de 2021.

2. O ora recorrido, que tem a seu cargo a direção pedagógica de um estabelecimento de ensino particular, propôs ação administrativa especial contra o Secretário de Estado da Educação, com vista a impugnar despacho que lhe aplicou uma sanção de três meses de suspensão de funções, nos termos da alínea c) do artigo 6.º e da alínea d) do artigo 9.º da Portaria n.º 207/208, editada ao abrigo do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, que estabelece o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.

Por sentença proferida em 23 de setembro de 2021 – a decisão ora recorrida −, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a ação procedente, tendo recusado a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, «[d]o artigo 99.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 553/80 e da Portaria n.º 207/98, pelo facto de esta Portaria ter sido emanada ao abrigo daquele preceito julgado inconstitucional, como ainda pelo facto de ter procedido à sua regulamentação».

Tal decisão tem, no que releva para o recurso de constitucionalidade, a seguinte fundamentação:

«O Decreto Lei n.° 553/80, de 21 de novembro, aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e rege, nos termos da Lei 9/79, de 19 de Março, o exercício da atividade dos estabelecimentos de ensino particular, com exceção das escolas de nível superior e das modalidades de ensino por ele expressamente excluídas - artigo 1.°, n.° 1

O artigo 99.° de tal diploma consagra:

1- Às entidades proprietárias de escolas particulares que violem o disposto neste decreto-lei podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções, de acordo com a natureza e a gravidade da violação:

a) Advertência;

b) Multa de valor entre dois e vinte salários mínimos nacionais;

c) Encerramento da escola por período até dois anos;

d) Encerramento definitivo.

2 - Aos directores pedagógicos podem ser aplicadas, pelo Ministério da Educação e Ciência, as seguintes sanções:

a) Advertência;

b) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;

c) Multa de valor entre um e dez salários mínimos nacionais;

d) Proibição definitiva do exercício de funções de direcção.

3 - Às escolas clandestinas, além do encerramento, será aplicada, pelo Ministério da Educação e Ciência, multa entre quatro e quarenta salários mínimos nacionais.

4 - A cominação de sanções será objecto de regulamentação específica, a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Plano e da Educação e Ciência, ouvido o Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo.

A regulamentação a que alude o n.° 4 do artigo 99.° do Decreto Lei n.° 553/80, é fixada Portaria n.° 207/98, de 28/03, que nos seus n.°s 6.° a 11.°, estabelece o seguinte;

"6.° Aos diretores pedagógicos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto no Estatuto e em demais legislação aplicável são aplicadas, pelo Ministro da Educação, as seguintes sanções:

a) Advertência:

b) Multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais;

c) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;

d) Proibição definitiva do exercício de funções de direcção.

7.º A pena de advertência é aplicada aos directores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas não susceptíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola ou o aproveitamento dos alunos.

8.º A pena de multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais é aplicada aos directores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas, nomeadamente quando:

a) Não promovam o cumprimento dos planos e programas de estudos;

b) Não respeitem as regras estabelecidas para os actos de matrícula, inscrição e avaliação dos alunos;

c) Não cumpram as regras estabelecidas para a feitura dos horários;

d) Não prestem as informações solicitadas, nos termos da lei, pelo Ministério da Educação;

e) Não assegurem a guarda e conservação da documentação em uso na escola;

f) Não enviem ao Ministério Educação, nas datas estabelecidas, as relações de docentes e alunos, nomeadamente as relativas a matrículas e aproveitamento;

g) Na sua relação funcional com alunos, colegas e encarregados de educação, não usarem do necessário respeito e correcção;

h) Pratiquem reiteradamente os actos descritos no número anterior.

9.º A pena de suspensão de funções por período de um mês a um ano é aplicada aos directores pedagógicos em caso de negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, nomeadamente quando:

a) Prestarem ao Ministério da Educação declarações falsas relativas a si próprios ou relativas ao corpo docente e discente;

b) No exercício das suas funções demonstrarem falta de isenção e imparcialidade, nomeadamente em matéria relativa à avaliação dos alunos;

c) Não cumprirem as obrigações que lhes cabem decorrentes dos contratos e apoios financeiros estabelecidos pelo Estado;

d) Não cumprirem as condições estabelecidas para a autonomia e o paralelismo pedagógico;

e) Incumprirem as suas obrigações de velar pela qualidade do ensino e de zelar pela educação e disciplina dos alunos;

f) Quando, reiteradamente, pratiquem infracções previstas no n.º 8.º da presente portaria.

10.º A sanção de proibição definitiva do exercício da função de direcção é aplicada aos directores pedagógicos que incorrerem novamente nas situações previstas no número anterior e ainda:

a) Nos casos de comprovada incompetência profissional;

b) Nos casos de comprovada falta de idoneidade moral para o exercício das funções.

11.º A aplicação das sanções previstas no presente diploma é precedida de processo disciplinar, a instaurar pela direcção regional de educação com competência na área onde se situa a escola e a instruir pela Inspecção-Geral da Educação. "

E o n.° 12.° da mesma Portaria determina;

O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Centrai Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.0 24/84, de 16 de Janeiro, deve aplicar-se, subsidiariamente e com as devidas adaptações, às situações não previstas expressamente na presente portaria.

A decisão de aplicação da pena de suspensão ao Autor assenta na aplicação do disposto na alínea c), artigo 6.° e na alínea d) do artigo 9.° da Portaria n.° 207/98, de 28 de março - cfr. ponto 9 do probatório.

O Colendo Supremo Tribunal Administrativo, pelo seu Acórdão de 27/11/2008, Processo 021/03, decidiu a questão da inconstitucionalidade do artigo 99.° do Decreto Lei n.° 553/80, de 21/11, nos seguintes termos:

"(...)

Por acórdão n.° 398/2008, de 29.07.2008 (fls. 665/695), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as "normas contidas no art.º 99.º do DL 533/80, que fixaram, sem a densidade que, ratione materiae, seria constitucionalmente exigida, o regime sancionatório aplicável às escolas privadas", considerando assim prejudicada "a questão de saber se as normas da Portaria n.° 207/98 lesam, em si mesmas, algum parâmetro constitucional", "face ao juízo, que acabou de ser feito, quanto à invalidade das normas legais que habilitaram a sua emissão".

Em conformidade, o Tribunal Constitucional decidiu "conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada" de acordo com o aludido juízo sobre a questão de constitucionalidade.

De acordo com tal juízo de inconstitucionalidade, cumpre-nos agora proceder à reforma do acórdão do Pleno, reforma essa que, face ao decidido no acórdão do T.C., terá de se limitar a julgar procedentes as conclusões do recorrente quando sustenta a inconstitucionalidade das normas contidas no art.º 99.º do DL 533/80.

Inconstitucionalidade essa que afeta não só a validade das próprias normas do preceito julgado inconstitucional, como a das normas da Portaria n° 207/98, de 28 de Março, não só derivada do facto de essa Portaria ter sido emanada ao abrigo daquele preceito julgado inconstitucional, como ainda pelo facto de ter procedido à sua regulamentação.

Daí a impotência dessas normas para juridicamente sustentarem qualquer decisão administrativa, nomeadamente a ordem contida no despacho contenciosamente impugnado nos autos.

Ou seja, mostrando-se a ordem contida no despacho impugnado alicerçada exclusivamente nas normas inválidas do art.º 99.º do DL 553/80 e da Portaria n.º 207/98, carecendo por isso de suporte legal válido, impõe-se a sua anulação, com fundamento em vício de violação de lei.

O Colendo Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.° 398/2008

“(...)

Reserva de função legislativa

Com efeito, diversa da questão da (inexistente) invasão da reserva competencial do Parlamento é a questão da (eventual) invasão da reserva de função legislativa.

Sustenta a recorrente que é inconstitucional o regime sancionatório definido pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo por nele se não ter respeitado a reserva da função legislativa; ao remeter para normação administrativa (mais exatamente para portaria) a tipificação dos comportamentos puníveis; a adequação das sanções aos tipos; a escolha do procedimento sancionatório a aplicar, o legislador do Estatuto — diz a recorrente —fez aquilo que a Constituição lhe proíbe: deixou de regular matérias que só poderiam ser reguladas por acto da função legislativa,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT