Acórdão nº 212/22.6T8AGH.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelOCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório.

J e N, instauraram em 04/04/2022, o presente procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova contra A e A., pedindo a suspensão das obras de construção iniciadas pelos requeridos, lavrando-se o correspondente auto, e, em sede de alegações orais, que seja determinada a inversão do contencioso, dispensando-se os Requerentes do ónus de propositura da ação principal.

Alegam, para o efeito e em síntese, que os Requeridos iniciaram, em 10/03/2022, obras de construção, em substituição da casa de moradia que anteriormente se encontrava implantada no seu prédio, que irão tapar a janela da varanda, relativamente à qual beneficiam de servidão de vistas.

Foi dispensado o contraditório prévio dos Requeridos e realizadas as diligências tidas por pertinentes, foi proferido despacho onde, após a fixação dos factos indiciariamente provados e respetivo enquadramento jurídico, se decidiu julgar o presente procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova improcedente, e, em consequência, indeferir o seu decretamento.

Inconformados com a decisão vieram os Requerentes interpor recurso que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo, onde pedem que deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por decisão que decrete o embargo de obra nova, nos termos requeridos tendo, para o efeito e após alegações, apresentado as seguintes conclusões: 1. Ficou indiciariamente provado que os recorrentes são proprietários de um prédio sito à Rua do A..., n.º 2, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, concelho de Angra do Heroísmo.

  1. Os recorrentes realizaram obras de ampliação do prédio no ano de 1978, a fim de construírem duas casas de moradia autónomas, em regime de propriedade horizontal, ficando uma das frações para os recorrentes e outra para habitação da irmã do recorrente e respetivo agregado familiar, tendo sido construída uma varanda ou terraço, que confronta a sul com a Rua do F... e a poente com o prédio dos requeridos – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial.

  2. Os requeridos iniciaram obras de edificação nova por volta do dia 10.03.2022 - uma casa de moradia - na qual se prevê a tapagem da janela que corresponde à extensão da varanda/terraço dos recorrentes que confronta a poente com o prédio daqueles – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial.

  3. A situação de facto em que se alicerçou o pedido de embargo – existência de uma varanda/terraço que parcialmente confronta a poente com o prédio dos requeridos, consolidou-se pelo decurso do tempo, ou seja, há mais de 40 anos.

  4. A constituição de um direito real por usucapião basta-se, no limite, pelo decurso do prazo de 20 anos (cfr. art. 1296.º do CC) e implica uma restrição ao direito de propriedade que se impõe ao titular do prédio onerado, nos termos do art. 1362.º, n.º 2 do CC.

  5. A restrição ao direito de propriedade ínsita no art. 1362.º, n.º 2 do CC limita-se apenas à extensão da janela dos recorrentes que confronta com o prédio dos requeridos. – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial.

  6. Não foi deduzida qualquer oposição à abertura da varanda/terraço por parte dos requeridos, o que levou à consolidação do direito de servidão a favor dos recorrentes, em toda a extensão da mesma.

  7. Ao indeferir o embargo, pelos motivos invocados, o tribunal a quo violou a norma ínsita no art. 1362.º do CC (com referência ao art. 1296.º do CC), mas também os princípios da certeza e segurança jurídica, na vertente de proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica e na atuação do Estado, princípio com assento constitucional ao abrigo do princípio de Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP).

  8. O exercício do direito real de servidão de vistas pelos recorrentes não é abusivo, porquanto não se verifica qualquer desproporção entre o direito dos requeridos a fazer edificações no seu prédio e o exercício do direito que compete aos recorrentes.

  9. Tal como oportunamente referido, a restrição ao direito de edificação fica limitada apenas à extensão da janela dos recorrentes que confronta com o prédio dos requeridos.

  10. Os recorrentes não pretendem retirar do exercício do direito qualquer vantagem ilegítima, mas apenas evitar a consumação de um prejuízo para o seu direito validamente constituído.

  11. Ao considerar o exercício do direito de servidão de vistas pelos recorrentes como ilegítimo, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de Direito, porquanto desconsiderou em absoluto a consolidação da situação fáctica que precede à constituição da servidão de vistas pelo decurso do tempo em favor dos recorrentes, retirando-lhe, injustamente, qualquer relevância.

  12. Nesse sentido, a decisão recorrida injustamente faz relevar e, no limite até premeia a inércia dos requeridos, o que não é consentâneo nem com o invocado princípio da certeza e segurança jurídica nem com o princípio de justiça a que o tribunal a quo apela.

  13. A decisão recorrida põe seriamente em causa a legítima confiança dos requeridos, cidadãos no exercício de um direito que lhes assiste, no sentido em que formaram uma expectativa legítima de que este direito seria atendido – sendo oponível a terceiros – porquanto...

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