Acórdão nº 95/17.8JASTB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 95/17.8JASTB do Juízo Central Criminal de Setúbal [Juiz 2] da Comarca de Setúbal, mediante acusação pública, foi pronunciado AAA, (…), pela prática, em autoria material e concurso real, de vinte e seis crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, após comunicação de alteração não substancial de factos e de alteração da qualificação jurídica constante da decisão instrutória de pronúncia, por acórdão proferido e depositado em 5 de junho de 2020, foi, entre o mais, decidido: a) absolver o arguido AAA do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal – tendo por ofendidas as menores BBB, CCC, DDD, EEE e FFF; b) condenar o Arguido AAA pelo cometimento, em autoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 (cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal) – tendo por vítimas as menores GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ – na pena, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; c) proceder ao cúmulo das penas parcelares indicadas em b), condenando-se o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva; d) condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com indivíduos menores de idade, que se fixa pelo período de 10 (dez) anos – artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal; e) condenar o Arguido no pagamento das custas e encargos penais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s, aqui considerando a circunstância de ter sido requerida a abertura da instrução – cfr. artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 524.º do Código de Processo Penal, e artigos 8.º, n.º 5 e 16.º do Regulamento das Custas Processuais.

Na sequência de recurso interposto pelo Arguido, este Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 10 de novembro de 2020, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade.

Devolvido o processo à 1.ª Instância, em 18 de novembro de 2021 foi proferido novo acórdão, onde, entre o mais, se decidiu: «1. Absolver o arguido AAA do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b) do Código Penal – relativamente aos factos imputados sobre as menores BBB, CCC, DDD, EEE, E’E’E’ e FFF; 2.

Condenar o arguido AAA pela prática em autoria material e na forma consumada no ano letivo de 2017/2017 na sala de aulas onde lecionava na Escola Primária (…) de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1, cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal nas seguintes penas parcelares: a) 2 (dois) anos de prisão pelos factos praticados sobre as menores MMM, OOO, QQQ, SSS, YYY, UUU, VVV, WWW, III, HHH e LLL, num total de 22 anos de prisão.

  1. 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelos factos praticados sobre as menores NNN, PPP, ZZZ, JJJ, GGG, RRR, TTT, KKK e YYY, num total de 13 anos e 6 meses de prisão.

  2. Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares e condenar o arguido AAA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  3. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com crianças menores de 14 anos, por período que se fixa em 20 (vinte) anos.

    (…)» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1 - Entende o recorrente, que o acórdão prolatado padece da nulidade prevista na alínea c) do artigo 379.º do C.P.P, uma vez que, a acusação/pronúncia é omissa quanto à narração dos factos que integravam o tipo p.p. no n.º 1 do artigo 171.º do C.P.

    1.1 - Cotejando os factos objeto da dita comunicação, ocorrida na sessão do dia 05.11.2021, com o acervo factual vertido no novo Acórdão, constata-se que o Tribunal “a quo” transformou uma conduta atípica numa conduta típica, uma vez que, os factos “novos” aditados, passaram a constituir os pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos factos dados como provados, que concretizam o que o arguido fez a cada uma das 20 (vinte) menores, detalhando assim o modo de execução e as circunstâncias em como aquele lhes terá tocado, especificando desta forma os atos sexuais, – Idem (bold e sublinhado nosso). Cfr. despacho de acusação de 26/08/2019 com refª Citius n.º 88788042, ata da leitura da decisão instrutória de 21/11/2019 com refª Citius n.º 89362010, ata de 05/11/2021 com refª Citius n.º 93498778, ata da leitura do acórdão de 18/11/2021 [pág. 18 do acórdão] com refª Citius n.º 93596082, depósito de 19/11/2021 com refª Citius n.º 93607239 e Ac. da Relação de Coimbra de 21/06/2015 - proc.n.º 89/12.0EACBR.C1 (bold e sublinhado nosso).

    1.2 - Ora, não estando em causa uma deficiente redação da peça acusatória, factos meramente circunstanciais, nem tão pouco perante a descrição de uma mesma realidade de modo diferente, tratando-se, antes, de elementos essenciais do tipo objetivo, de forma alguma compatíveis com a mera remissão para elementos de prova pré-existentes nos autos, afigura-se-nos claro ter agido o tribunal à margem da ratio que preside à alteração não substancial dos factos [artigo 358.º do CPP], não podendo igualmente, na nossa perspetiva, a situação ser sanada com recurso ao regime do artigo 359.º do CPP, na medida em que, conforme a define o legislador, alteração substancial dos factos é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” al. f) do art.º 1.ºdo CPP]. – Idem.

    1.3 - (...) Não divergimos, assim, da fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015 [in DR, 1.ª série, de 27 de janeiro de 2015] quando, a propósito da impossibilidade de, com recurso ao artigo 358.º do CPP, colmatar a ausência da descrição na acusação dos elementos subjetivos do tipo, refere: (...) ”Porém, se não é aplicável, nestas situações, o mecanismo do art.º 358.º do CPP, também não será caso de aplicação do art.º 359.º, pois, correspondendo a alteração à transformação de uma conduta não punível numa conduta punível (e, nesse sentido, substancial) ou, como querem alguns, uma conduta atípica numa conduta típica, a verdade é que ela não implica imputação ao arguido de crime diverso.

    Pura e simplesmente, os factos constantes da acusação (aqueles exatos factos) não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais” - Cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº17/2015, publicado no DR, 1.ª série, de 27 de janeiro de 2015 (bold e sublinhado nosso).

    1.4 - Desconsiderada que foi prova pré-estabelecida (memórias futuras) que já aquando da respetiva prolação constavam dos autos de inquérito, inquirições essas que determinariam a possibilidade de introduzir os factos na acusação imprescindíveis à conformação do ilícito típico em questão.

    1.5 - Descartada que foi tal prova, a acusação/pronúncia não continha os factos integradores do crime de abuso sexual de crianças, p.p. no n.º 1 do art. 171.º do C.P.. Pelo que, o Tribunal de 1.ª instância ao aditar os factos 4, 5, 6, 7, 8 e 9 e ao dá-los como assentes no acórdão, transformou uma conduta atípica para uma conduta típica, violando o princípio da tipicidade contido no art.º 1.º do Código Penal, princípio esse corolário do principio da legalidade ,consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Lei Fundamental, “nullum crimen sine lege”, tal princípio da tipicidade exprime-se, em direito penal, na exigência de normas prévias, escritas e precisas e igualmente desrespeitou o principio do acusatório constitucionalmente imposta pelo n.º 5 do art.º 32.º da CRP.

    1.6. - E, por tal motivo, o Tribunal “a quo” tomou conhecimento de questão que não podia conhecer, violando destarte os princípios da tipicidade, legalidade, do acusatório e da vinculação temática.. - Vide n.º 1 do artigo 29.º, e 32.º n.ºs 5 e 8 todos da CR, artigo 1.º CP, artigo 118.º, alínea b) do n.º3 do art.º 283.º, e 2 do artigo 308.º, art.º 340.º, n.º 1 do artigo 358.º e n.º 1 do art.º 355.º todos do Código de Processo Penal.

    1.7 - Assim se considerando, devem Vossas Excelências, julgar verificada a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) do C.P.P. e, em consequentemente, podem absolver o recorrente.

    1. - Entende o recorrente que o Tribunal a quo, não podia ter dado como provados os factos numerados sob os números 4, 5 e 6 do acórdão recorrido, com base na valoração de prova pré-constituída não indicada na acusação/pronúncia, nem apresentada oficiosamente para exame e discussão em julgamento, quer de prova indicada na acusação (declarações para memória futura), mas que assumiu como impercetível e até parcialmente perdida, para assim sustentar a decisão condenatória.

      2.1 - A acusação e do despacho de pronúncia padecem de deficiente descrição factual, omissão que deveria ter gerado a absolvição do recorrente, mas que após reenvio do autos pelo venerando Tribunal da Relação de Évora para novo julgamento, o Tribunal a quo optou superar através da alteração factual nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal.

      2.2 - Opõe o recorrente que essas normas dada a deficiência da prova...

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