Acórdão nº 651/20.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. S. propôs ação com processo comum contra X Seguros, S.A..

Pediu: “… reconhecendo-se e declarando-se que o acidente supra descrito se ficou a dever única e exclusivamente à culpa do condutor do veículo ligeiro de passageiros CN, a Ré condenada a pagar ao A.: A) A quantia de 573.760,00€ …, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente; B) Pagar juros legais contados desde a data de citação até integral pagamento; …”.

Alegou, em síntese: no dia, hora e local referidos nos autos, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo com a matrícula CN, conduzido por A. P., segurado na R, sendo que o condutor do veículo referido perdeu o controlo do mesmo e entrou em despiste; nesse acidente, sendo transportado como passageiro, sofreu danos físicos com sequelas que lhe acarretaram prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial, sendo que é na quantificação desses danos que encontra o montante peticionado.

A R contestou alegando, em súmula, no sentido de aceitar, no essencial, a versão do sinistro, bem como a responsabilidade pelo ressarcimento de prejuízos sofridos em consequência de tal acidente, impugnando, contudo, a matéria alegada relativa à extensão dos danos sofridos pelo autor.

Na fase de condensação e saneamento fixou-se o objeto do litígio e selecionaram-se os temas da prova.

Realizada audiência de julgamento proferiu-se sentença, decidindo-se: “1º Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor A. S. contra a ré X Seguros, S.A. e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €297 850,00 …, a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em discussão nos autos, quantia à qual deve ser descontado o valor de €4 100,00 … que a ré já adiantou ao autor, bem como as quantias que, entretanto, já foram e vierem a ser pagas ao autor, pela ré, até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos da transação celebrada e homologada nos autos de procedimento cautelar apensos.

  1. Sobre a quantia devida acrescem juros, à taxa legal, a contar desde a citação da ré.

  2. Absolvo a ré da parte restante do pedido.

…”.

O A recorreu.

Concluiu: “1 – A indemnização a fixar no âmbito de uma ação responsabilidade civil visa colocar o lesado no estado em que se encontrava antes do facto que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil), sendo que, quando tal não seja possível, a indemnização em dinheiro atende ao prejuízo efetivamente sofrido, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º do Código Civil).

2 - Como resulta do teor da petição inicial, o apelante pediu a condenação da R/Seguradora a pagar-lhe a quantia total de 577.860,00 € (quinhentos e setenta e sete mil e oitocentos e sessenta euros), discriminada da seguinte forma: I - Dano biológico na vertente de dano patrimonial: a) 11.820.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve com incapacidade temporária absoluta (394 dias x 30,00 € = 11.820,00 €), conforme resulta das conclusões do “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível”; b) 383.040,00 € a título de dano patrimonial futuro na vertente de perda de capacidade de ganho decorrente do déficit funcional permanente da integridade físico-psíquica de 45 pontos. As sequelas permanentes com que o recorrente ficou a padecer determinam-lhe uma incapacidade de 100% para a profissão de jornaleiro, bem como de qualquer outra dentro da área de preparação técnico-profissional do recorrente; c) 108.000,00 € a título de dano patrimonial futuro na vertente dos custos traduzidos na perda de produção fora do mercado e que se consubstancia no trabalho não remunerado que o Recorrente executava no desempenho da casa, família e nas tarefas agrícolas para proveito próprio.

II – Dano biológico na vertente de dano não patrimonial: - 75.000,00 € a título de danos não patrimoniais; 3 - A decisão recorrida foi no sentido de julgar parcialmente procedente a ação que condenou a R. X SEGUROS, S.A., a pagar ao recorrente: a) – A quantia global de 7.850.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade, com base na seguinte fundamentação: “Posto isto, sendo certo que à data do acidente, o autor trabalhava diariamente e auferia € 30,00 (trinta euros) por cada dia de trabalho, e que a campanha das vindimas durou, pelo menos, até ao final do mês de outubro de 2018, ou seja, mais 23 dias para além do dia do acidente, o autor terá direito à respetiva remuneração (23 dias a 30 euros por dia), no valor de € 690,00 (seiscentos e noventa euros).” “Quanto ao restante período de incapacidade temporária absoluta, até 5 de novembro de 2019, data da alta médica, entende-se que o autor, apesar de se desconhecer o número exato de dias que iria trabalhar após as vindimas, deve ter direito a receber os valores correspondentes ao salário mínimo nacional devido em cada mês que não pôde trabalhar, ou seja, dois meses do ano de 2018, a 580,00 euros por mês (salário mínimo nacional nesse ano) num total de € 1 160,00, e dez meses do ano de 2019, a 600,00 euros por mês (salário mínimo nacional em 2019), num total de € 6 000,00, o que tudo somado dá a quantia de € 7 850,00 (sete mil oitocentos e cinquenta euros), sendo este o valor devido a título de salários por incapacidade temporária absoluta, até à data da alta médica, uma vez que, durante esse período, não foi capaz de retirar qualquer rendimento de qualquer outra atividade.” b) “No caso dos autos, tendo em conta a idade do autor (48 anos à data da alta), o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 45 pontos, mas impeditivo do exercício da atividade habitual e qualquer outra para a qual tenha qualificações, sendo certo que as regras da experiência comum nos dizem que o autor, em circunstâncias normais, poderia continuar a trabalhar na agricultura, pelo menos, até aos 70 anos de idade e a tratar dos trabalhos agrícolas nas terras próprias, pelo menos, até aos 78 anos de idade (esperança média de vida para os homens), e sem esquecer que o défice funcional permanente de que ficou afetado o acompanhará para sempre, e tendo, ainda, em conta que não se apurando que o autor tivesse um vencimento fixo mensal, Sempre corresponderia, pelo menos, ao salário mínimo nacional, o qual desde o ano de 2018 até ao ano corrente de 2021, tem vindo a subir gradualmente (580,00 euros em 2018, 600,00 euros em 2019, 635,00 euros em 2020 e 665,00 euros atualmente), prevendo-se que tal subida vá continuar, entende-se como adequado, em termos equitativos, ao abrigo do disposto no art. 566º, nº 3 do Código Civil, fixar a título de indemnização por dano patrimonial, o valor global de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), no qual se inclui qualquer atividade exercida pelo autor, quer por conta de terceiros, quer nas atividades agrícolas para autoconsumo.” c) 40.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.

4 – O Apelante conforma-se com a decisão na parte em que imputa a responsabilidade exclusiva pela produção do acidente dos presentes autos ao condutor do veículo garantido pela R., bem como com a quantia de 690,00€ correspondente a 23 dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade para além do dia do acidente.

5 - Todavia, e quanto ao demais, não pode o recorrente conformar-se com a … sentença proferida, porquanto, e ressalvando o máximo respeito por entendimento diverso, entende que andou mal o Tribunal a quo na decisão proferida a propósito do arbitramento da indemnização pelo dano biológico na vertente do dano patrimonial e não patrimonial e na fixação do respetivo quantum, por se afigurar sobejamente desadequado, por redutor e pouco razoável, face aos critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis.

6 – A quantia global de 7.850.00 € a título de perda dos 394 dias em que esteve absolutamente incapaz para o exercício de qualquer atividade é insuficiente, para ressarcir o recorrente dos danos, a este título, sofridos.

7 – Na … sentença em reapreciação dá-se como assente que o recorrente, na altura do acidente trabalhava todos os dias da semana e que, ao longo do ano trabalhava, habitualmente, de Segunda-Feira a Sábado, 6 dias por semana e que auferia 30,00 € por jorna.

8 – Apesar disso o Tribunal a quo, dá como não provado que o A/recorrente auferia 720,00 € por mês e num raciocínio redutor e pouco razoável, entendeu fixar a indemnização com base no rendimento real do recorrente em apenas 23 dias dos 395 fixados no aludido “Relatório Pericial”, para depois calcular os restantes dias com base no salário mínimo e referente aos anos a que aquele período se refere.

9 - A nossa doutrina e jurisprudência, quando o lesado não exerce qualquer atividade remunerada, tem vindo a determinar que para o apuramento do quantum indemnizatur há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, e que corresponda a um valor próximo do salário médio nacional - Cfr., neste sentido, ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspetos ressarcitórios, 2001, pág. 297 e acórdãos do STJ de 3.06.2003 (processo nº 03A1270), de 18.12.2003 (03A3897), de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 9.07.2014 (processo nº 686/05.0TBPNI.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.

10 - De acordo com a informação colhida na base de dados “PORDATA”, o salário médio nacional no ano de 2018, altura em que ocorreu o acidente, cifrou-se no valor de 970,40 € (novecentos e setenta euros e quarenta cêntimos).

11 - No mesmo sentido e com a finalidade de satisfazer as exigências do princípio da igualdade, o Ac. do TRP, de 19/03/2018, proc. nº 1500/14.0T2AVR.P1, consultável em www.dgsi.pt, defende que nos casos em que não há perda de capacidade de ganho, deverá usar-se, no cálculo do...

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