Acórdão nº 02205/21.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO MUNICÍPIO (...), com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito da presente providência cautelar que, em 07.12.2021, deferiu “(…) a presente providência, por provados os respetivos pressupostos, e determino[u] a suspensão do ato que determinou a desocupação e entrega da casa ocupada pela Requerente, com as legais consequências (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. Não podia o Tribunal a quo deferir a providência cautelar - como fez - sem apreciar - como devia ter apreciado - a viabilidade da ação que a Requerente invocou ir intentar, considerados os pedidos que se antecipa ali irem ser deduzidos e os fundamentos do mesmo.

  1. A circunstância de não ter apreciado aquela questão - a da viabilidade da pretensão deduzida pela Requerente - determina nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do artigo 95°, n° 3 do CPTA.

  2. Ficaram por apreciar os fundamentos nos quais a Requerente alicerçou a sua pretensão anulatória: i) vive desde sempre com os pais logo tem direito à transmissão do arrendamento pelo decesso destes: ii) não foi cumprido dever legal de encaminhamento.

  3. Entra a causa invalidante que o Tribunal a quo decidiu apreciar e da qual retirou a causa invalidante determinante para decretar a providência e os vícios efetivamente deduzidos pela Recorrida e que ficaram por apreciar não existe qualquer relação de prejudicialidade que justifique que estes tenham ficado por decidir (como decorre da parte final da pág. 17/21 da decisão).

  4. Aliás, tal prejudicialidade interna entre causas invalidantes nem sequer foi objeto de fundamentação pelo Tribunal a quo, pelo que este segmento relativo à existência de prejudicialidade também é nulo por falta da mesma, uma vez que todas as decisões, incluindo esta, tem de ser fundamentada e não o está.

  5. O Tribunal tem o dever de se pronunciar ou de apreciar todas as causas de invalidade, o que confessadamente não fez, resguardando-se numa causa de prejudicialidade inexistente e que nem sequer encontra guarida na atual redação do artigo 95°, n° 1 do CPTA.

  6. Com efeito, não é porque o ato é inválido porque ainda não foi decidida a coabitação (na verdade, foi decidida, mas não foi notificada a requerente ou recorrida) que deixa de ter utilidade ou fica impedido decidir sobre os restantes fundamentos invalidatórios (direito a transmissão do arrendamento a coabitante e violação dever de encaminhamento).

  7. Consequentemente, e independentemente de tal justificação, a decisão é nula por omissão de pronúncia, por violação do artigo 95°, n° 3 do CPTA, no segmento segundo o qual considerando a ação viável pela verificação de um vício, se isenta de verificar a viabilidade anulatória dos invocados pela parte.

  8. O Tribunal a quo apreciou a questão da imutabilidade do pedido de indeferimento pelo decurso do prazo de impugnação - negando a procedência de tal exceção porque tal decisão - tendo sido requerida pelas duas - só foi notificada à falecida arrendatária não sendo eficaz quanto à Requerente.

  9. Só que - atenta a improcedência desta exceção - esta não era a única questão que o Tribunal a quo tinha o dever de ter apreciado para aferir a probabilidade séria de procedência a ação principal.

  10. Na verdade, competia ao Tribunal a quo analisar ainda que perfuntoriamente a legalidade do ato administrativo em causa, aferindo se a Recorrida tinha ou não tinha direito a, no mesmo, continuar a habitar por ter sempre lá vivido - como alega, mas é impugnado pelo Recorrente - mais precisamente, se o contrato de arrendamento se lhe transmitiu ou não por morte da arrendatária.

    Mais precisamente era preciso o Tribunal a quo ter decidido - ainda que perfunctoriamente - se a circunstância de a Requerente alegadamente ter vivido com o pai desse sempre naquela habitação em economia comum lhe confere o direito a ver-lhe transmitido o contrato de arrendamento firmado entre aquele e a Recorrente ou não.

    E tinha esse dever não só porque foi nesta circunstância factual e jurídica que a Recorrida alicerçou o pedido de suspensão e de anulação do ato administrativo em causa (embora não qualificasse a mesma como um erro nos pressupostos do ato suspendendo), mas, também, porque a Recorrente na sua oposição deduziu argumentação que contaria o direito à transmissão invocado pela Recorrida, defendo a validade do ato em causa que nesta parte da sua fundamentação havia sido posto em causa pela Recorrida.

    Ao mesmo tempo tinha o Tribunal a quo que ter aferido a viabilidade de anulação do ato administrativo suspendendo em função do vício de falta de cumprimento do dever de e encaminhar agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional.

    Dito de outro modo, o Tribunal a quo aferiu a viabilidade da exceção deduzida menosprezando completamente o passo seguinte que era o se aferir a viabilidade da ação, mais precisamente aferir: i) existência de causas de invalidade do ato suspendendo; ii) validação do mérito do reconhecimento do direito a ocupar aquela habitação mercê o contrato de arrendamento dos ascendentes da recorrida e por causa da invocada economia comum desde sempre.

  11. Ora, se a exceção tivesse sido procedente o Tribunal a quo poderia alicerçar a não apreciação dos vícios invocados pela Requerente na circunstância de terem ficado prejudicados, mas perante a improcedência da exceção deduzida pela Recorrida não podia deixar de apreciar a viabilidade dos fundamentos da ação na qual a Recorrida alicerça o direito à anulação do ato em causa, pois são esses mesmos motivos que concorrem para a possibilidade de proteger um direito em perigo e que necessita de cautela.

  12. Assim, não podia o Tribunal a quo deferir a providência cautelar - como fez - sem apreciar - como devia ter apreciado - a viabilidade da ação que a Requerente invocou ir intentar, considerados os pedidos que se antecipa ali irem ser deduzidos e os fundamentos do mesmo.

  13. A circunstância de não ter apreciado aquela questão - a da viabilidade da pretensão da Requerente - determina nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do artigo 95°, N° 3 do CPTA.

  14. Ficaram por apreciar os fundamentos nos quais a Requerente alicerçou a sua pretensão anulatória: i) vive desde sempre com os pais logo tem direito à transmissão do arrendamento pelo decesso destes: ii) não foi cumprido dever legal de encaminhamento.

  15. As regras de transmissão do arrendamento vigentes no Código Civil e no regime de arrendamento urbano (de direito privado) não se aplicam, sem mais, no arrendamento social, como é o caso do presente, como parece defender a aqui Requerente XXI. Sob pena de subversão de todo o regime legal do arrendamento social, quer das regras referentes à candidatura e celebração de contratos de arredamento, quer do regime de deveres do arrendatário social, é evidente que as mesmas apenas se podem aplicar se aquele que se arroga de beneficiário dessa transmissão for um coabitante autorizado da habitação social em causa.

  16. Conforme decorre dos n° 1 e 2 do artigo 17° da Lei n° 32/16, o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo, estando sujeito, no que seja aplicável, ao respetivo regime jurídico, regendo-se pelo disposto na referida lei, pelos regulamentos nela previstos e pelo Código Civil .

  17. Mesmo que um qualquer regime de transmissão civil do arrendamento se pudesse aplicar a coabitantes não autorizados em contexto de arrendamento social, o certo é que o arrendamento aqui em causa é anterior a 1990 (entrada em vigor do NRAU), pelo que se lhe aplicaria o regime de transmissão constante do artigo 57° do NRAU.

  18. Esse regime pressupõe (a contrario do n° 4 do 57°) que apenas existem transmissões sucessivas do arrendamento entre ascendentes sobrevivos e não entre estes e filhos ou enteados sucessivamente.

  19. Neste regime transitório, para que o filho ou o enteado possa suceder neste arredamento não basta que viva com o ascendente falecido há mais de um ano, sendo também necessário que detenha incapacidade igual ou superior a 60%. (artigo 57°, n° 1 e) do NRAU) XXVI. Consequentemente, também, por este motivo, não existe direito de transmissão a proteger e também não existe cautela que seja necessário dispensar para proteção daquele direito, pois que o mesmo não existe na esfera jurídica da Requerente.

  20. Portanto, o ato administrativo que declarou a caducidade do contrato de arrendamento da Requerente a qual teve lugar no dia da morte do pai e que concede à mesma ainda assim 90 dias para entrega desocupar a referida habitação não padece de qualquer ilegalidade e, por isso, não merece do ponto de vista dos seus pressupostos de facto e de direito qualquer reparo.

  21. Qualquer que seja o preciso conteúdo deste dever, o mesmo não é oponível a terceiros coabitantes não autorizados do fogo em causa, mais precisamente àqueles que não têm qualquer relação contratual com a Recorrida e que apenas são ocupantes ilegítimos do fogo em causa, pois essa obrigação de encaminhamento apenas se aplica e, mesmo assim, não com o conteúdo que a Requerente lhe imputa - quando do que se trata é de uma habitante legítimo cujo contrato de arrendamento cessou, XXIX. A norma que prevê a necessidade de proceder ao encaminhamento dos agregados que efetivamente apresentem carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais está incluída na parte procedimental executiva, ou seja, na parte do procedimento já destinada ao despejo propriamente dito.

  22. Por isso, está em crer o Recorrente que só no ato de despejo teria de fazer o encaminhamento do agregado familiar em causa para as soluções legais em causa, e isto desde que o mesmo tenha efetiva carência habitacional.

  23. Não é possível retirar da norma em causa que a execução do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT