Acórdão nº 95/22.6BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução20 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Decisão (artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD) I. Relatório E ………………….., atleta profissional do Belenenses, com os demais sinais dos autos, veio requerer no Tribunal Arbitral do Desporto, em 19.05.2022, em acção que intentou contra a Federação ……………..

, ……………, o decretamento de providência cautelar de suspensão da decisão contida no Comunicado Oficial nº … da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol de 13.05.2022, que lhe aplica as sanções de três jogos de suspensão e de multa no valor de EUR 510,00, decisão conclusiva de processo disciplinar sumário.

Juntou 7 documentos com o r.i., procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Para fundamentar a sua pretensão, alega o Requerente, designadamente, que: “(…) aos 72 minutos de jogo [disputado entre as equipas do Grupo Desportivo ……………. e do Clube de Futebol "…………….", a contar para o play-off da Série 2 Grupo B - fase de subida do Campeonato de Portugal], foi o Requerente sancionado pelo Senhor Árbitro principal com a expulsão, pela exibição de cartão vermelho, com a menção do motivo «[t]ornar-se culpado de conduta violenta» e a descrição «[p]ontapeou um adversário com força excessiva, tendo o feito com o pontapé na cara tendo o seu adversário precisado de assistência».

Em concreto, o episódio relatado no referido trecho do Doc. 2 diz respeito ao momento em que o Requerente é violentamente rasteirado pelo jogador com a camisola 42 do Clube visitado, ……………. (com a licença nº………..), conforme decorre do vídeo que ora se junta como Doc. 4 e que, com todo o respeito, conta uma história diferente da vertida na Ficha de Jogo que, por não corresponder à verdade, ora se impugna para todos os devidos e legais efeitos.

Com efeito, pela visualização do Doc. 4, é possível constatar com clareza que, num primeiro momento, o Requerente se prepara para dar seguimento a uma jogada perigosa para o Clube visitado.

Nesse contexto, o jogador M……………… agarra, rasteira e derruba o Requerente, provocando a queda de ambos os jogadores ao terreno de jogo.

Na queda, o Requerente fica totalmente contorcido, com as costas e a cabeça no solo e debaixo do jogador M………….., tendo este último mantido com os braços a imobilização das pernas do Requerente, durante cerca de 3 segundos, conforme decorre do Doc. já junto.

Por esse motivo, por estar a ser agarrado pelo jogador M……………., o Requerente fez o possível com vista a se soltar da imobilização protagonizada por aquele jogador, através de um movimento de extensão das pernas, o que logrou fazer, conforme decorre do Doc. já junto.

Contudo, com aquele movimento de libertação daquela "chave" pelo qual o jogador M…………….manteve o Requerente imobilizado, este último tê-lo-á atingido na face, de forma totalmente inadvertida, com uma das suas chuteiras.

Nessa sequência, o Senhor Árbitro principal exibiu ao Requerente o cartão vermelho, pelo que foi o mesmo expulso do terreno de jogo, De referir que, em momento algum durante toda a época desportiva, o Requerente foi sancionado com a exibição de cartão vermelho, tendo apenas sido sancionado, por 4 (quatro) vezes, com a exibição de cartão amarelo e, nestes casos, nunca por conduta dolosa.

Sendo certo que o Requerente é, atualmente, jogador profissional do Clube de Futebol "…………." e, inclusive, um dos melhores jogadores do plantel da respetiva equipa, sendo atualmente o segundo melhor marcador da Equipa.

Sendo igualmente certo que Requerente, no exercício da sua atividade profissional, tem ainda por disputar com a restante equipa do Clube de Futebol "………….", pelo menos, 2 (dois) jogos, a saber, no dia 22.05.2022, às 17h00, contra o Clube Atlético …………., e no dia 29.05.2022, às 14h00, contra o L…….. Clube ………..

(…).” Mais sustenta a nulidade da acusação, por ausência de pronúncia sobre a defesa apresentada.

• II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 19.05.2022, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

No presente caso, verifica-se, efectivamente, ser manifesta a impossibilidade de constituição do colégio arbitral. Entre a instauração da providência cautelar no TAD e o dia do primeiro jogo em que o ora Requerente pretende participar enquanto jogador - 22.05.2022, às 17:00 horas – medeia um curtíssimo espaço temporal, no decurso do qual não se mostrará possível, ou pelo menos isso vem no caso afirmado, a constituição do colégio arbitral junto do TAD.

Assim, entende-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD).

• IV. Da instância, competência e valor da causa As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Vejamos se existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Sustenta o Requerente, como se viu, que lhe foi aplicada uma sanção disciplinar de três jogos de suspensão e de multa no valor de EUR 510,00, na sequência de uma errada exibição de um cartão vermelho pelo árbitro do jogo. Tanto assim é que vem impugnar para todos os devidos e legais efeitos, por não corresponder à verdade, a Ficha do Jogo.

Ora, certo é que é excluída da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto e portanto também do âmbito da competência deste TCA Sul, por ser exclusiva das federações desportivas, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares directamente respeitantes à prática da própria competição desportiva (cfr. art. 4º n.º 6, da Lei do TAD).

Foi isso mesmo que se decidiu no ac. deste TCA Sul de 18.11.2021, proc. n.º 108/21.9BCLSB, que aqui se reproduz na sua parte relevante e cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável: “(…) Como se lê no acórdão em crise “Temos assim, no âmbito desta arbitragem necessária, e no que respeita aos recursos das deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas, erigido um sistema de delimitação recíproca de competências necessárias e exclusivas entre o TAD e os conselhos de justiça (ou equivalentes) das federações desportivas, que assim pode enunciar-se: a) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para o TAD, se não estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; e, naturalmente, como se viu já, sem prejuízo da impugnação administrativa necessária que efetivamente se imponha a montante do recurso para o TAD; b) As deliberações dos órgãos de disciplina das federações desportivas só são recorríveis para os conselhos de justiça (ou equivalentes), se estiverem em causa “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”; (…)” Em conformidade, dispõe o artigo 287.º do RDLPFP, sob a epígrafe “Formas de recurso”, que:“ 1 – As decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, são impugnáveis apenas por via de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto.

2 – Sem embargo do disposto no número anterior do presente artigo, as decisões finais proferidas pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em pleno, respeitantes a matérias estritamente desportivas são apenas impugnáveis por via de recurso para o Conselho de Justiça. (…)” Da mesma forma, dispõe o n.º 1 do artigo 44.º do regime jurídico das federações desportivas, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23.06, que “Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.” Assim, o TAD é incompetente para conhecer do recurso de decisões que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas, sendo as mesmas recorríveis para o órgão de justiça das respectivas federações desportivas.

Donde, o presente litígio centra-se na interpretação a dar ao disposto no nº 6 do artigo 4º da Lei do TAD e em saber se o caso em apreço se subsume ou não na sua previsão.

O que são, pois, “questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva”? Para dar resposta a esta pergunta, mostra-se útil chamar à colação os diplomas que anteriormente regularam esta temática.

A antiga Lei de Bases do Sistema Desportivo – a Lei n.º 1/90, de 13.01 -, dispõe no nº 2 do artigo 25º que “As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar não são impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.” Aquela lei foi revogada pela Lei de Bases do Desporto – a Lei nº 30/2004 de 20.07- que, no seu artigo 47º, epigrafado “Questões estritamente desportivas”, preceitua que...

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