Acórdão nº 424/20.7T9CLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 18 de Maio de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
RECURSO N.º 424/20.7T9CLD.C1 INSTRUÇÃO Instrução Indícios probatórios Crime de falsas declarações do artigo 348º-A do CP Elemento objectivo do delito Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 2 Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.
O DESPACHO RECORRIDO Na instrução do Pº 424/20.... no Juízo de Instrução Criminal ... – Comarca ... -, por despacho de 4 de Janeiro de 2022, foi decidido «não pronunciar a arguida AA pela prática do crime de falsas declarações que lhe foi imputada, ordenando o oportuno arquivamento dos autos».
2.
O RECURSO Inconformado, o assistente BB recorreu deste despacho de não pronúncia, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): · «O presente recurso tem por objeto a dissensão da assistente no tocante à decisão instrutória, aqual se decidiu não pronunciar a arguida pelo crime de Falsas Declarações.
· Na motivação, foi descrito, na fração saliente, o despacho de arquivamento do Ministério Público, o requerimento de abertura de instrução e o despacho de não pronúncia prolatado pelo tribunal · Foi delineado o quadro teórico-jurídico caracterizante do crime de denúncia caluniosa.
· Subsistem, na totalidade, as objeções e replicações invocadas pelo assistente no recorte do RAI, que se mostram extratadas e descritas na presente peça, porquanto, na enfocação do assistente, não foram minimamente subvertidas ou infirmadas pelo Mmo Juiz de Instrução – à vista disso, repristinam-se aqui, para todos os efeitos, essas indigitadas observações, pois consolidam a referência nuclear ou o critério orientador deste recurso.
· Anote-se o seguinte: o Mmo Juiz considerou suficientemente indiciado: 1. No âmbito dos autos 188/16.... - Apenso F, que correram termos no Juízo de Família e Menores ... - J... da Comarca ..., decorreu a audição dos titulares das responsabilidades parentais da menor CC, nos termos previstos no artigo 85° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
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Na aludida audição, que ocorreu em 30-09-2019, prestou depoimento, nomeadamente a aqui arguida (progenitora e requerida) AA perante Juiz e Magistrado do Ministerio Publico, audição esta que decorreu no Juízo acima identificado.
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Nesse depoimento a arguida afirmou repetidamente que não tinha horário nocturno e que auferia como rendimento do trabalho, inicialmente € 900 e, à data do depoimento, € 750 euros.
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Na altura, a arguida trabalhava também em horário nocturno e auferia mensalmente o salário de € 600.
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A arguida agiu livre e consciente, conhecendo da falsidade do seu depoimento.
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A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de prestar declarações falsas, bem sabendo que, dessa forma, punha em causa o interesse na boa administração da justiça.
· Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida, o assistente ficou perturbado, incomodado e inquieto.
· Teve ainda a arguida a intenção de prejudicar o assistente.
· A Arguida tinha interesse nas falsas declarações efetuadas no quadrante da Audição em processo de promoção e protecção de 30-09-2019, para colher proveito no processo de regulação das responsabilidades parentais que se mostrava, e ainda mostra, pendente – e, de facto, posto que injusta e ilicitamente, foi aí favorecida pela dúvida que as suas recorrentes falsas declarações geraram, assim prejudicando os direitos do assistente.
· A arguida ao prestar tais declarações estava ciente de que as mesmas não correspondiam à verdade, por si conhecida, tendo actuado com o propósito, concretizado, de prestar declarações falsas, bem sabendo que, dessa forma, punha em causa o interesse na boa administração da justiça, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei, o que nos permite concluir que a arguida agiu com dolo directo e com consciência da ilicitude (artigo 14.º, n.º 1, e 17.º do Código Penal).
· Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço, pelo que, não tendo sido apurada factualidade susceptível de consubstanciar qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, conclui-se que a arguida cometeu, em autoria material, sob a forma consumada, um crime de Falsas Declarações, na forma agravada, previsto e punido pelo artigo 348º - A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
· Não é ainda ocioso sobrelevar que a arguida já foi condenada, por factos em que o ora assistente também tinha essa qualidade, por um crime de difamação agravada e por um crime de falsidade de declaração (v. Pº 568/18.... com Sentença transitada em julgado, proferida no Juízo Local Criminal ... – J..., bem como Pº 2104/17.... com Sentença transitada em julgado, proferida no Juízo Local Criminal ... - Juiz ...).
· Os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento. Justapostos os elementos constantes dos autos, conclui-se pela presença plena de indícios suficientes para submeter a arguida a julgamento, pela prática do mencionado crime.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA NOS EXACTOS TERMOS DEFINIDOS NA PRESENTE PEÇA.
Consequentemente: · O despacho de não pronúncia deve ser substituído por outro que pronuncie a arguida (…) pelaprática,emautoriamaterial, sob a forma consumada, de um crime de Falsas Declarações agravada, previsto e punível pelo artigo 348º - A, nºs 1 e 2, do Código Penal».
3.
O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o despacho em 1ª instância.
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Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República neles se pronunciou, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, respondeu o assistente e, em seguida, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b) do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.
Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Mas também é grave quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.
Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.
Embora se considere que estas conclusões não primam pela perfeição na medida em que aí se fazem genéricas remissões para o RAI (requerimento de abertura de instrução) e até se detectam estranhas referências a um crime de denúncia caluniosa ou a uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais (quando é certo que estamos perante a invocação do crime de falsas declarações e perante um processo de promoção e protecção onde foram proferidas as ditas afirmações falsas), vamos considerá-las suficientes para perceber o alcance deste recurso.
Assim sendo, são estas as questões a decidir por este Tribunal: · Há suficiência ou insuficiência de indícios da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena àarguida AA por factos criminosos por si indiciariamente praticados e que se subsumem à prática de uma crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348º-A do CP? · Se sim, deveria ter sido proferido o competente DESPACHO DE PRONÚNCIA? 2.
DO DESPACHO RECORRIDO 2.1.
O tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho de Não Pronúncia: (transcrição): «I. Iniciaram-se os presentes autos de instrução a requerimento do assistente BB, a fls. 280 a 294, inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público a fls. 243.
Sustenta o assistente existirem nos autos indícios suficientes de que a arguida AA praticou um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artigo 348º-A do Código Penal, ao ter declarado falsamente a Juiz, no âmbito do Processo n.º 188/16.... do Juízo de Família e Menores ... – J..., que não tinha horário nocturno e que auferia € 750 de salário.
Aberta a instrução, realizou-se apenas o debate instrutório.
* II. O Tribunal é o competente.
Não existem nulidades ou questões prévias ou incidentais de que neste momento cumpra conhecer.
* III. Constituindo a fase da instrução uma fase facultativa do processo penal que visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a...
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