Acórdão nº 1374/21.5T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução18 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

A sentença proferida em 24 de novembro de 2021 manteve a decisão proferida pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF) que condenou o arguido, AA pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4.º e 15.º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, na coima de 2 500,00€.

  1. Inconformado com esta condenação, impugna-o o Arguido, com as conclusões que seguem: I. A decisão recorrida. indeferiu a questão prévia. invocada pelo arguido em sede de impugnação judicial sem fazer referência à promoção do MP. que promoveu a suspensão como resulta de fls. 45 de 276 desde a data do pedido e até à decisão definitiva (Cf. art. 7 2, n.ºs 2, 3 e 4 do C. P. Penal, aplicável ex vi art. 32Q do RGCO)." II. O recorrente não concorda quando é referido que "a validade do ato administrativo que determinou a notificação do recorrente para proceder à reconstituição da situação anterior em nada contende com a sua responsabilidade contra-ordenacional" III. A decisão administrativa impugnada teve por origem a instauração de processo de contra-ordenação pelos factos descritos no auto de notícia, e que, a final, aplicou ao arguido uma coima no montante de 62.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e na obrigação da reconstituição da situação anterior nos termos previstos no artigo 13 Q do DL 96/2013 de 19/07, vide fls. 262 e que tal decisão se torna exequível se não for judicialmente impugnada, vide fls. 262.e fls. 272, onde se refere que "se propõe que a DECF acompanhe a situação para efeitos do previsto no artigo 13 Q e 14. Q do decreto lei 96/2013, ou seja a obrigação da reconstituição da situação anterior.

    1. Ora, como resulta da certidão junta pelo arguido, fls. 53 de 276 e seguintes, este interpôs contra o ICNF IP - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, acção que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o n. 0 190/20...., que tem por objecto o acto da entidade que impôs ao recorrente a obrigação de proceder, num determinado prazo, ao arranque dos eucaliptos, reconstituindo a situação anterior, e, como, resulta dos factos provados em 1. 0 da douta sentença junta com a certidão, o auto de noticia ali referido. levantado a 14/6/2019. e os factos neles constantes. é o mesmo que originou o presente processo de contra-ordenação a cuja referência se faz menção na fundamentação da douta sentença recorrida.

    2. Hipoteticamente, transitando em julgado a sentença recorrida, que manteve a decisão da autoridade administrativa e tornando-se essa decisão exequível (por via da sentença), resultará que o ICNF pode, de imediato na sequência da sentença recorrida, notificar o arguido para reconstituir a situação anterior, nos termos do artigo 13. Q do DL 96/2013 de 19/07 e cuja decisão corre termos no TribunaI Administrativo de ... pode ser diversa (que já existe em 1. 2 instância) que não determina essa obrigação.

    3. De tudo o exposto, resulta que, podendo haver um mesmo resultado, (a ordem/obrigação de reconstituição da situação anterior) por via da sentença recorrida, quando se encontra em discussão o mesmo nos tribunais administrativos e fiscais, é evidente a existência de causa prejudicial, entre os presentes autos e os que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o n. 2 190/20...., pelo que a sentença recorrida violou o n. 2 2 do artigo 7. 2 do CPP e ainda o n.º 3 do citado artigo ao não ter deferido a promoção do MP. titular da acção penal. que promoveu a suspensão do processo.

    4. Ainda que assim não fosse, com o devido respeito, no entendimento do recorrente, sempre deverá ser revogada a douta sentença recorrida pelos motivos infra indicados, atento os factos dados como provados pelo tribunal recorrido, que aqui se dão por integralmente reproduzidos assim como a fundamentação para a consideração dos mesmos como provados.

      VIII. Analisando a sentença recorrida, revelou-se pertinente, para a definição da matéria de facto dada como provada, o auto de notícia, fazendo fé em juízo até prova em contrário.

    5. Entende o recorrente que existe erro notório na apreciação da prova, assim como o tribunal de recurso tem o dever de conhecer dos vícios previstos no artigo 410. n.º 2 do CPP, desde que o vício resulte da decisão recorrida, por sí só ou conjugada com as regras da experiência comum.

    6. Verifica-se que da parca fundamentação factual do tribunal recorrido assumiu papel de relevo probatório o auto de notícia em si considerado e, no cerne da condenação do arguido esteve uma interpretação legal que valorou como uma presunção iuris tantum o acervo de factos que constavam do auto de notícia e apenas porque lá constavam, uma presunção de veracidade dos factos constantes do auto de notícia, o que conduziu à condenação do arguido, o que viola entre outros, o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32. g da CRP.

    7. O Código de processo penal é direito subsidiário da matéria contra-ordenacional, e no entendimento do recorrente o código de processo penal não contém nenhuma norma que permita a operação tomada pelo tribunal recorrido em sede de facto e de subsunção jurídica.

      XII. O artigo 169. Q do CPP que define o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados não engloba o auto de notícia, pelo que, a aplicabilidade do artigo 169. Q do CPP, ou o artigo 363. 9 do CC e demais artigos do CC invocados na douta sentença, ao auto de notícia é uma forma de revogar o artigo 127. 0 do CPP e impor- substituindo o princípio do acusatório- o princípio do inquisitório em processo penal e impingir uma forma tabelada de apreciação probatória.

    8. O artigo 169º do CPP existe para adequar a apreciação dos documentos autênticos e autenticados, que são apresentados no processo penal, ao princípio da livre apreciação da prova, assim se evitando que tais documentos sejam apreciados em processo penal segundo as regras civilísticas, o que tornaria formal a apreciação probatória e limitaria, de forma inadmissível, o conhecimento dos factos em processo penal, pelo que o valor probatório do auto de notícia é, simplesmente apreciado nos termos do artigo 127. Q do CPP.

    9. O arguido negou em sede de impugnação judicial a prática da infracção, e, no caso concreto, o tribunal recorrido presumiu factos, ilicitude e culpa com base no auto de notícia quando nenhuma norma o autoriza a inverter o ónus probatório.

    10. 0 tribunal recorrido ao interpretar o auto de notícia como fazendo " fé em juízo " até prova em contrário e presumiu a veracidade dos factos até que o arguido apresentasse contra prova da não prática desses factos, ou seja, operou uma presunção iuris tantum, isso reflecte-se na apreciação probatória como " erro na apreciação da prova, vício de facto previsto no artigo 410.º n. º 2 do CPP, aplicável por remissão do artigo 41. g do RGCO.

    11. Assim sendo, no entendimento do recorrente, têm que que ser dados como não provados os factos que não podem ser provados por documentos, nomeadamente, os factos constantes da douta sentença recorrida que dão como provado a propriedade e área do prédio referido em 1. dos factos provados assim como o ponto 3. ao dar como provado que o recorrente atuou de forma consciente e deliberada, com intenção de praticar uma infração, pois bem sabia que para efetuar qualquer plantação, com espécies florestais de rápido crescimento, carecia de autorização do ICNF, não possuindo essa autorização.

    12. Dirá ainda o recorrente, que a decisão administrativa de aplicação de coima, impugnada pelo recorrido, fundou a alegada falta de autorização prévia pelo facto de a plantação se situar numa ZIF, vide factos provados da decisão da autoridade administrativa a fls. 251 de 276, ao contrário da sentença recorrida que nada refere sobre a alegada violação da plantação em área abrangida por ZIF.

    13. Como bem explanado no saneador sentença da certidão judicial em lado nenhum se infere que o aqui recorrente tenha violado o que dispõe o ZIF de Almaceda, vide fls. 86 de 276 e seguintes que aqui se dão por integralmente reproduzidas, transcrevendo-se o seguinte trecho: " ...Por outro lado, não se pode dar como demonstrado que o A. violou o Plano de Gestão Florestal, POIS este Plano prevê parcelas para operações silvícolas e não se sabe em que parcelas estavam plantados os eucaliptos ou se estes foram plantados em todas as parcelas, pois tal não é referido pelo Réu deforma clara”.

    14. Resultando ainda, pelo exposto, que a decisão administrativa de aplicação de coima padecia e padece de nulidade ao imputar uma plantação ilegal, mas sendo omissa quanto aos factos donde provém essa ilegalidade, limitando-se a decisão a remeter para normas legais e omissa no que concerne ao dolo do recorrente, padecendo igualmente de nulidade, nomeadamente ao não imputar os concretos factos que determinam a violação do plano de gestão florestal da área abrangida pela ZIF e ainda que o arguido tivesse conhecimento da proibição da plantação de eucaliptos no caso concreto, e ainda assim, se tenha determinado à sua plantação, sem prévia autorização pelo ICNF IP, uma vez que o recorrente limitou-se tão só à renovação e repovoamento das plantas que já existiam, sempre tendo o recorrente actuado no pressuposto que não violava qualquer disposição legal.

    15. Outrossim, a douta sentença recorrida devia ter conhecido as nulidades apontadas à decisão administrativa de aplicação de coima, ao invés de as negar e indeferir, sendo totalmente omissa a fundamentação da sentença recorrida quanto às nulidades invocadas, limitando-se conclusivamente a concordar por chancela" remetendo em bloco para a decisão administrativa de aplicação de coima.

    16. Termos em que deverá revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

  2. O Ministério Público, em primeira e nesta instância, defende a manutenção da sentença recorrida 4.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo...

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