Acórdão nº 368/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 368/2022

Processo n.º 225/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo - Sul, a Decisão Sumária n.º 218/2022 deste Tribunal Constitucional, apreciando o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., S.A., com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), em que se insurge contra acórdão daquele Tribunal, proferido em 13 de janeiro de 2022, não julgou inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.° e 12.° do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83°-C/2013, de 31 de dezembro e prorrogado para o ano de 2016 pelo artigo 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro.

2. Desta decisão, a recorrente apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, da qual consta que:

«1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou a inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso em vários Acórdãos e Decisões Sumárias, nos quais se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º. 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE).

2. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do TC: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma “questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal”.

3. A ora Reclamante não ignora a jurisprudência a que o TC alude.

4. Porém, entende que essa jurisprudência – constante do Acórdão n.º 756/2021, o único em que a Decisão reclamada se baseia quanto ao ano aqui em causa (2016) – está longe de ser representativa do sentido actual da jurisprudência deste Tribunal, designadamente no que respeita ao critério de justificação da CESE especificamente nesse ano.

5. Com efeito, o Acórdão n.º 756/2021 limita-se, ele próprio, a remeter para o Acórdão n.º 7/2019, o primeiro a ser proferido sobre a CESE, relativo a uma liquidação do tributo do primeiro ao ano de vigência (2014), assumindo tudo o que aí se disse – por reporte a esse ano de 2014 – quanto à qualificação dogmática, à natureza extraordinária e à validade constitucional do tributo.

6. A verdade é que, sobre a CESE de 2016, o Tribunal proferiu já muito outros Acórdãos que analisam a medida de uma perspectiva diferente da do Acórdão n.º 7/2019 (e, consequentemente, do n.º 756/2021).

7. No entendimento da Reclamante, apesar de esses outros Acórdãos terem ido também no sentido da validade da CESE, a argumentação dos mesmos suscita a necessidade de outra interpretação da validade constitucional da CESE, impedindo que a questão dos presentes autos seja dirimida por mera Decisão Sumária e simplesmente por remissão para um aresto que não é a última palavra acerca da CESE de 2016.

VEJAMOS MELHOR:

· A jurisprudência relativa a 2014: o Acórdão n.º 7/2019

8. A primeira vez que o TC se pronunciou sobre a CESE foi, como se disse já, no Acórdão n.º 7/2019, proferido num recurso interposto nos autos de impugnação judicial de um acto de liquidação da CESE em vigor em 2014, o primeiro ano do tributo.

9. Nesse Acórdão, o TC conclui pela conformidade da CESE com a Constituição.

10. Todavia, reconhece que a CESE apresenta alguns problemas que colocam em dúvida a sua constitucionalidade, nomeadamente ao nível da escolha da base de tributação objectiva, que é o valor total dos activos dos sujeitos passivos (adiante a Reclamante desenvolverá as razões pelas quais esta base de tributação é inadmissível).

11. O que, quanto a isso, o Acórdão n.º 7/2018 decidiu – citando a Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral (constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa) da qual foi interposto o recurso para o TC – é que a inconstitucionalidade da CESE é afastada, em 2014, pela «circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como ‘a medida do impacto das economias de energia potenciais’ (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido» (sublinhado e negrito nossos) – cfr. o ponto 15 do Acórdão (sublinhados e negritos nossos).

12. Convém reforçar que, para o TC, desde o início, não há dúvida de que a CESE é – e tem de ser – um tributo transitório e excepcional: de novo em assentimento da Decisão Arbitral recorrida, o Tribunal diz que, «[a]inda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, “provisório”» (cfr. o ponto 11 do Acórdão – negritos nossos).

13. Portanto, segundo o TC, a conformidade da CESE com a Constituição mantém-se apenas enquanto ela puder ser considerada uma medida extraordinária, pelo que saber se ela ainda merece ou não essa qualificação é uma questão central, um critério fundamental que deve orientar a apreciação da sua validade ou invalidade.

14. No entanto, do Acórdão n.º 7/2019 não se retirou qualquer requisito para avaliar no futuro a transitoriedade da CESE, isto porque o TC estava a apreciar nessa sede a CESE que vigorou apenas em 2014 (melhor dito: estava a apreciar apenas a norma que estipulou a vigência da medida em 2014), o que significa que, sendo esse o primeiro ano de vigência, a natureza extraordinária estava demonstrada à partida.

PROSSEGUINDO:

· A jurisprudência relativa a 2015, 2016 e 2017

15. Uma vez ultrapassado o primeiro ano de vigência da CESE, na qual ela era extraordinária por natureza e à partida, o TC não deixou de continuar a apreciá-la de acordo com esse critério fundamental – o de saber se a natureza extraordinária ainda se verificava.

16. Para o Tribunal (por exemplo, no Acórdão n.º 532/2021), saber se a CESE reveste ou não natureza extraordinária é uma pergunta cuja resposta tem de ser determinada por um “critério conjuntural”, em cada ano de vigência, à luz da “verificação periódica de um certo estado de coisas.

17. Ora, a circunstância de a validade da CESE tem de ser apreciada ano a ano, de acordo com a manutenção ou não do contexto que justificou a sua criação, implica que não nos possamos desviar de alguns princípios essenciais.

18. Em primeiro lugar, sob pena de se abrir a porta à maior arbitrariedade possível, ao configurarem-se as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não podemos estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE.

19. É verdade que, potencialmente e em abstracto, em todos anos, até à eternidade, existirão por certo no Estado português circunstâncias (por exemplo, de índole orçamental) que poderão justificar a necessidade de receitas tributárias acrescidas, de natureza extraordinária; no entanto, quando nos debruçamos sobre uma determinada medida concreta, para averiguar se ela é (ou ainda permanece) constitucionalmente válida – desde logo à luz da sua eventual natureza extraordinária – , não nos podemos afastar dos motivos que levaram o legislador a criá-la: é que, se optarmos por esse afastamento, estamos a aceitar que pode deixar de haver – ou deixar de ser impossível averiguar – qualquer correspondência entre a razão de ser do tributo e a necessidade de o exigir especificamente aos operadores económicos que são os seus sujeitos passivos.

20. Em vez de estarmos sempre a justificar a CESE com razões novas, ou com razões que, mesmo existindo à data da criação do tributo, não consta dos documentos legislativos ou de qualquer elemento do contexto da sua criação que tenham sido levadas em conta, aquilo a que estamos adstritos é a perguntar se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida.

21. Caso contrário, nos termos do que foi sempre defendido nos autos pela ora Reclamante, estaremos perante uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, por não existir correspondência entre a sua suposta necessidade e os objectivos determinado pelo legislador.

22. Nesse caso, só há duas hipóteses: ou a CESE tem de ser expurgada da ordem jurídica ou as suas regras têm de ser alteradas, com – nas palavras do TC – “a implementação de critérios, porventura mais adequados” à vigência do tributo posterior ao momento extraordinário da sua criação.

23. De resto, diga-se também, em segundo lugar, que não se pode dar justificações para a CESE que alterem natureza do tributo, a não ser que daí se retirem as devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto.

24. Lembre-se que a qualificação da CESE como uma contribuição, estabelecida no Acórdão n.º 7/2019, tinha por pressuposto que a actividade dos sujeitos passivos dava causa aos problemas que o tributo visava ajudar a resolver e/ou beneficiavam da actuação do Estado na resolução desses problemas.

25. Porém, se a CESE passar a ser justificada sem apelo a essa ideia de bilateralidade, então é porque é um imposto e tem de ser tratada como tal, de acordo com os princípios que conformam a constitucionalidade da criação de impostos.

POIS BEM:

26. A partir de 2015 (e...

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