Acórdão nº 365/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 365/2022

Processo n.º 192/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e i) da Lei n.º 28/82 de 11.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC») do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2022, proferido em conferência, que não admitiu, com fundamento em irrecorribilidade, o recurso interposto pelos recorrentes de acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

No recurso para o Tribunal Constitucional pedia-se a fiscalização concreta do disposto nos artigos 400.º, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP, quando interpretados no sentido de não admitirem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido por Tribunal da Relação que, inovatoriamente face a prévia sentença absolutória em 1.ª instância, condene arguido por crime e lhe aplique pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução.

2. Depois de absolvidos em 1.ª instância (por acórdão de 5 de julho de 2019) e na sequência de recurso interposto pelos assistentes, os recorrentes foram condenados pelo Tribunal da Relação do Porto pela prática de um crime de incêndio e explosão, p. p. pelos artigos 272.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 e 285.º, ambos do Código Penal (CP), em concurso aparente com um crime de infração de regras de construção e dano em instalações, p. p. pelos artigos 277.º, n.º 1, alínea c) e 285.º, também do CP, em penas de dois anos e três meses de prisão, em ambos os casos suspensas por um ano.

3. Deste acórdão os recorrentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que proferiu o acórdão ora recorrido, que indeferiu o recurso interposto pelos arguidos, porque inadmissível, ex vi artigos 400.º, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.

Interposto o recurso para o Tribunal Constitucional acima relatado, pela decisão sumária n.º 200/2022 o relator decidiu apreciar o mérito do recurso na fase de exame preliminar, conquanto o respetivo thema decidendum se cingia a matérias objeto de jurisprudência consolidada.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) Os (…) arguidos suportam o alegado juízo de inconstitucionalidade na violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o regime de due process of law em processo-crime e o estatuto de defesa do acusado e em que se compreende, pois claro, o direito a recurso.

Ora, sucede que esta questão, com a extensão colocada, foi já apreciada pelo plenário do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 525/2021, que decidiu “ não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, revertendo decisão absolutória parcial proferida pela 1.ª instância, agravem, sem ultrapassar o limite de cinco anos, a pena unitária de prisão, suspensa na sua execução em que o arguido havia sido condenado na 1.ª instância”. A jurisprudência do Tribunal Constitucional estabilizou, portanto, pela conformidade para com a Constituição das normas ora sindicadas e do efeito de irrecorribilidade que delas deriva (v., também, acórdãos do TC n.ºs 523/2021 e 524/2021, o primeiro dos quais a propósito de condenação em pena de multa).

Em suporte do seu juízo, o plenário do Tribunal Constitucional entendeu adotar a doutrina firmada no acórdão n.º 234/2020 (já antes acolhida também nos acórdãos n.ºs 369/2020 e 146/2021). Sem nenhuma dúvida que a irrecorribilidade de uma decisão proferida em recurso que inverte uma anterior absolvição, que condena por crime e que aplica pena, importa uma ingerência no direito ao recurso recenseado no artigo 32.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República Portuguesa. No entanto, a norma constitucional em apreço não exige a verificação de dupla conforme (ou seja, a confirmação judicial de todas as condenações por Tribunal de hierarquia superior), mas a garantia de duplo grau de jurisdição como fator de prevenção contra o erro judiciário. O direito ao recurso não pode ser entendido como valor absoluto e inderrotável e a limitação da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a um círculo de situações judicativas de maior importância ou gravidade compreende-se em função de interesses relacionados com a celeridade e eficiência da administração penal (acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) n.ºs 234/2020, 369/2020 e 146/2021) e de necessidades de adequação da estrutura orgânica do Judiciário, designadamente levando em conta os “ganhos de racionalidade, celeridade, eficácia e eficiência do sistema de administração de justiça, globalmente considerado” e prevenindo o “inelutável e perverso efeito de adiar por mais algum tempo a decisão final” (acórdão do TC n.º 525/2021, citando o voto de vencido no acórdão n.º 31/2020).

Entendeu-se, porém, que nos casos em que se coloque a aplicação de prisão efetiva, sinalizando um grau muito mais intenso de intrusão na posição jurídica do sujeito passivo do processo (maxime, o direito à liberdade, recenseado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa) e um leque de questões jurídicas mais amplo (v. g., afastamento de penas substitutivas ou regimes de execução da pena de menor grau de ingerência), será de entender que a liberdade conformativa do legislador no cerceamento do direito ao recurso, nas circunstâncias colocadas, é significativamente menor, importando uma retração à doutrina exposta. O direito ao recurso ficou assim entendido como dotado de “geometria variável em função da natureza da pena aplicável” (acórdão do TC n.º 525/2021), reclamando por um patamar de revisão quando esteja em causa sanção penal privativa da liberdade, mas, quando se debata pena de menor grau de intrusão, comportará flexibilidade para que admita cedência para outros valores constitucionais que subjazem ao edifício jurídico do processo criminal, designadamente os relacionados com a eficiência da ação penal.

Assim, o plenário do Tribunal Constitucional entendeu constitucionalmente tolerável a norma que estatua a irrecorribilidade de uma decisão de um Tribunal de 2.ª instância que, revogando sentença absolutória, condene e aplique pena de prisão suspensa na sua execução, já que, em consonância com o que se disse, a solução legislativa fica ajustada à extensão do direito ao recurso constitucionalmente garantido a contra-luz da medida de intrusão que a sanção representa.

A doutrina perfilhada pelo plenário do Tribunal Constitucional possui inteira aplicabilidade no caso sub iudicio, em que se suscita a fiscalização de norma estatutiva da irrecorribilidade de acórdão proferido por Tribunal da Relação que, revogando sentença absolutória em 1.ª instância, condenou os recorrentes por crime em pena de prisão suspensa (e de notar que a suspensão, in casu, nem sequer ficou subordinada a regime de prova ou qualquer tipo de condição suspensiva).

Para além de se tratar de um conjunto de precedentes jurisprudenciais recentes (datam de julho de 2021), cabe notar também que o entendimento adoptado no acórdão n.º 525/2021 (e 524/2021) vem sendo reiterado pelo Tribunal Constitucional, do que são exemplos as decisões sumárias n.ºs 541/21, 567/2021 e 4/22.

Assim, levando em conta a proximidade, uniformidade e consistência da Jurisprudência constitucional na matéria sob fiscalização, também porque os recorrentes não suscitam qualquer diferente questão normativa, designadamente não apelam à violação de outros parâmetros de Direito Constitucional que pudessem aconselhar se revisitasse o problema ou que fosse observado por outro prisma, igualmente porque não se divisa fundamento para reavaliar o entendimento firmado, importa reiterar o juízo adotado pelo acórdão n.º 525/2021, afastando a censura de inconstitucionalidade sobre as normas sindicadas. (...)

Justifica-se, por conseguinte, a qualificação do caso sub iudicio como de excecional simplicidade na aceção contida no artigo 78.º-A, n.º 1, 2.ª parte, da LTC, decidindo-se o recurso já na presente sede de exame liminar ao abrigo deste articulado legal por decisão sumária do relator.

3. Os recorrentes reclamaram para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…) notificados da, aliás douta, decisão sumária proferida nos autos supra identificados, dela vêm apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA deste Venerando Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, sendo factos e fundamentos.

Preliminares da presente reclamação :

Os Recorrentes interpuseram recurso para este Venerando Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

De facto, pelo Tribunal da Relação do Porto foi proferida decisão que, inovadoramente em relação à absolvição decidida em primeira instância , condenou os aqui Recorrentes numa pena de prisão de dois anos e três meses, suspensa na sua execução por um prazo de um ano.

Não se conformando com tal decisão condenatória, os Recorrentes dela interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que veio a decidir, por acórdão de 13 de Janeiro de 2022, que o recurso era inadmissível.

Foi desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que os Recorrentes interpuseram recurso para este Venerando Tribunal Constitucional, pois no seu entender foi feita aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.

Norma cuja inconstitucionalidade foi invocada :

Em causa nos presentes autos está...

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