Acórdão nº 229/13.1TAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 229/13.1TAVRS, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação e foi pronunciado o arguido: - AAA, nascido em 07-10-1969, filho de (…), Imputando-lhe a prática, como autor material, de um (1) crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nº 1, do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação escrita, nem arrolou testemunhas de defesa.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu: - Condenar o arguido AAA, como autor material, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Suspender a execução desta pena de prisão, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 52º, 53º e 54º, todos do Código Penal, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova.

(…).

Inconformado com esta sentença condenatória, o arguido AAA da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Recorre-se da douta Sentença, depositada em 3 de Novembro de 2021 que condenou o arguido como autor material de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169º do CP na pena de dois anos e seis meses de prisão suspenso na sua execução por igual período.

  1. Concorreu para a fundamentação dos factos provado a valoração dos depoimentos das testemunhas que prestaram declarações em audiência de julgamento.

  2. Em violação das regras da experiência comum, Tribunal a quo credibilizou testemunhas que foram excluídas por falsidade de depoimento pelo MP.

  3. Concluindo como conclui, valorando da forma que fez a prova que resulta das declarações das ditas testemunhas e de acordo com as regras da experiência comum, o Juiz “a quo” violou as regras da prova, 5. O princípio da livre apreciação da prova determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, 6. Livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva, mas deve ser motivada.

  4. A sentença por aproveitar depoimento que foram rejeitados pelo MP não permite reconstituir o caminho lógico seguido pelo Tribunal a quo para chegar às conclusões a que chegou, 8. Resultando que a convicção do Juiz “a quo” plasmada na douta Sentença mostra-se contrária as regras da experiência, baseou-se em juízos ilógicos e arbitrários, até contraditórios, desrespeitando regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

  5. A sentença viola o principio da livre apreciação previsto no art. 127º do CPP 10. Inexistindo prova que permita sustentar condenação do arguido, estabelece o princípio in dubio pro reo, referente à prova, que a dúvida sobre um facto deve ser sempre resolvida a favor do arguido. Trata-se, aliás, de um princípio conexo com o da presunção de inocência do arguido, ou, inclusivamente, de uma outra vertente do mesmo.

  6. Da valoração jurídico-penal dos factos provados, não poderia a douta sentença concluir pela verificação dos elementos do tipo objectivo de ilícito do artigo 169º do CP.

  7. Na ausência de juízo de certeza deverá valer o principio de presunção de inocência do arguido (artigo 32º da CRP), E ainda sem conceder 13. O Tribunal deu como provado que o arguido não tinha qualquer participação no produto do ganho do suposto trato sexual das mulheres, mesmo assim, ficciona nexo causal para fundamentar a intenção lucrativa que as quantias resultantes do trato sexual, iriam reverter para o arguido mediante o pagamento da diária (35,00 euros) 14. Ficou provado que o arguido não explorava qualquer necessidade económica das “mulheres”, nem praticava qualquer violação da liberdade ou autodeterminação das mesmas, 15. O aproveitamento económico do arguido resulta do facto de cobrar 35,00 euros por quarto, o que inclui alimentação, roupa de cama e tolhas.

  8. É facto notório, e por isso não sujeito a prova, que o valor cobrado pelo quarto com as condições referidas, na zona do Algarve nem para alojamento local de terceira categoria seria suficiente, 17. O valor económico das condições oferecidas pelo arguido é superior ao valor cobrado as “mulheres” 18. Não estão preenchidos quanto ao arguido os elementos objetivo e subjetivo do crime de lenocínio, 19. Em consequência, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e violou as normas legais dos artigos do 13º, 14º e 169º do CP e 27º do CPP e 32º nº2 da CRP 20. A conclusão do Tribunal a quo é moral e axiologicamente comprometida, com falta da objetividade necessária.

    Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas muito doutamente suprirão, deve ser revogada a douta sentença recorrida e substituí-la por outra que considere o alegado pelo recorrente.

    E assim se fará, Venerando Juízes Desembargadores Justiça.

    Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, apresentando as seguintes transcritas conclusões: 1. O arguido recorre da douta sentença que o condenou, entre o mais, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, pela prática, em autoria material, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nº 1 do Código Penal; 2. O recorrente não individualiza nas conclusões do recurso que apresenta, quais são os factos que foram dados como provados na douta sentença em crise e que considera como não provados.

    Nem individualiza relativamente a cada um desses factos provados (ou grupo de factos provados) o(s) vício(s) de raciocínio em que o Tribunal «a quo» incorreu e que o conduziu ao incorrecto julgamento de cada um deles.

    Porém, alega que a fundamentação da matéria de facto assentou em juízos ilógicos e arbitrários, até contraditórios (conclusão nº 8) que se traduziram na violação das regras da experiência comum e conduziram à violação do principio da livre apreciação da prova e do princípio “in dubio pro reo”. Alega também, que «não estão preenchidos quanto ao arguido os elementos objetivo e subjetivo do crime de lenocínio» - conclusão nº 18.; e termina pedindo ao Tribunal «ad quem» que revogue a sentença recorrida e que a substitua por outra que considere o alegado pelo recorrente, ou seja, que o absolva do crime de lenocínio que foi acusado.

    Assim, parece legítimo inferir que o recorrente impugna todos os factos que sejam susceptíveis de concorrerem para o preenchimento dos dois elementos do tipo de ilícito em apreço.

    Afigura-se que não assiste razão ao recorrente; 3. Em face da extensa prova produzida e da pormenorizada análise que da mesma consta plasmada na motivação da matéria de facto da douta sentença recorrida, transcreve-se agora apenas a parte relativa ao conteúdo mais relevante da prova analisada e dos raciocínios que fundamentaram a convicção do douto Tribunal «a quo»:

    1. DECLARAÇÕES DO ARGUIDO Relativamente ao arguido/recorrente que optou por prestar declarações: «(…) Confessou que as suas colaboradoras dormiam habitualmente no estabelecimento comercial, no primeiro andar onde se situam os quartos e que cobrava uma diária de € 35,00, que elas pagavam em dinheiro, no inicio ou no final da noite. (…) Em suma, insistiu que o seu estabelecimento de restauração oferece serviços de consumo de bebidas alcoólicas, de massagens e de consultas de psicologia, podendo as suas colaboradoras ter contacto privado com os clientes nos quartos que ali arrenda.

      Confrontado com a existência de kits de higiene para venda na recepção do seu bar, respondeu que tal existe efectivamente, ao preço de € 4,00 cada, mas apenas para o caso dos clientes quererem serviços de massagens em privados, prestados pelas suas colaboradoras nos quartos do primeiro andar, sobre os quais não recebe qualquer comissão.

      Confrontado com a oferta de serviços de caracter sexual no seu estabelecimento por parte das suas colaboradoras aos clientes e sobre os quais o arguido recebia uma percentagem, respondeu o arguido de forma pouco clara, já que não negou a existência de práticas sexuais daquela natureza no seu bar (…).

      Ora, esta versão dos factos relativos às actividades que em concreto eram praticadas no estabelecimento comercial de diversão nocturna “LLL” apresentada pelo arguido não logrou convencer o tribunal.

      Primeiramente, porque não se apresenta consentânea com as regras da experiência comum que o arguido explore um bar de diversão nocturna e não saiba com exactidão as actividades que ali se praticam. Mas ainda que se admita que nem tudo lhe chegue ao conhecimento, claro está que as colaboradoras do arguido, não obstante o Tribunal não ter duvidas de quesejam comissionistas experientes no ramo do aliciamento ao consumo de bebidas alcoólicas, facto é que não se tratavam de massagistas ou psicólogas profissionais, já que para isso teriam que ter os respectivos certificados profissionais, que o arguido não logrou demonstrar. Diga-se que se efectivamente se tratassem de massagistas ou psicólogas, um bar de alterne não seria o local próprio para o exercício das suas actividades profissionais.

      Por fim, também não tem correspondência com as regras da experiência comum que para o exercício das actividades de massagens e consultas de psicologia, necessitem os clientes de kits de higiene que contenham um preservativo. Já o mesmo não acontece com a prática de relações sexuais mediante um pagamento, onde tal utensilio é mais que essencial, para além do conjunto de toalhas e de lençóis.

      Por outro lado, a versão do arguido foi rotundamente contrariada pela restante prova produzida em julgamento, mais concretamente pela prova...

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