Acórdão nº 2052/19.0T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo.º 2052/19.0T8BRG.G1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório Vilela & Calheiros, Limitada, com sede na Rua de São Vicente, n.ºs 56 a 58, em Braga, propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Sosequeiras - Garagens, Veículos e Supermercados, Limitada, com sede no Largo São João do Souto, n.ºs 14 e 15, em Braga, pedindo que:  fosse declarada a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição de contrato de arrendamento (que a ligava, como senhoria, à Ré, sua arrendatária) ao NRAU, a partir de 01 de junho de 2018;  fosse declarada válida e eficaz a denúncia do dito contrato de arrendamento, por si efetuada em 30 de Julho 2018, com os efeitos já produzidos no termo do prazo de seis meses contado desde então (ou seja, em 30 de Janeiro de 19) ou, subsidiariamente, outra data que venha a resultar de diversa forma de cômputo do prazo;  fosse declarado que a indemnização devida por si à Ré, pela dita denúncia, é de € 126.450,00;  fosse declarada a constituição em mora da Ré na restituição do locado, a partir do trigésimo dia subsequente à data de produção de efeitos da denúncia referida (ou seja, em 01 de Março de 2019), ou, subsidiariamente, outra data que venha a resultar de diversa forma de cômputo do prazo;  fosse a Ré condenada a entregar-lhe de imediato o imóvel antes locado, devoluto de pessoas e bens, contra o pagamento simultâneo, por si própria, da indemnização de € 126.450,00;  fosse a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização, nos termos do art. 1045.º, n.º 1, do CC, no valor mensal de € 1.215,00, pela ocupação ocorrida em Fevereiro de 2019;  fosse a Ré condenada a pagar-lhe o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal (€ 1.215,00 x 2), correspondente a € 2.430,00, nos termos do art. 1045.º, n.º 2, do CC, desde a data da constituição em mora no respectivo dever de restituição da fração devoluta de pessoas e bens, acrescida do mesmo valor mensal de € 2.430,00 desde a presente data e até à efetiva e integral restituição do locado, totalmente livre de pessoas e bens;  (subsidiariamente, face aos cumulativos pedidos anteriores) fosse autorizada a levantar os valores de rendas depositados, na Caixa Geral de Depósitos S.A., pela Ré (na conta ...50, ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade).

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado, em 09 de Abril de 1962, como senhoria, com a S.…, Limitada, como arrendatária, um contrato de arrendamento sobre um prédio urbano (que identificou), destinado ao exercício da indústria de garagem e reparação de veículos automóveis; e ter a R. adquirido, antes de 1970, por meio de trespasse, a posição desta última no dito contrato.

Mais alegou que, pendendo posteriormente uma ação judicial entre ambas, tendo por objeto a dita relação arrendatícia, veio a mesma a terminar por transação, em 23 de Fevereiro de 2016, ficando nomeadamente acordado que o contrato ficaria sujeito ao NRAU a partir de 1 de Junho de 2018, após o que se aplicaria “o previsto no art. 54.º/6 do NRAU”.

Alegou ainda a A. que, não obstante o acordado na transação, veio a R. defender que a vontade real de ambas as partes foi submeter o contrato ao NRAU findo o período legal em vigor (que era então de 5 anos), pelo que, tendo a lei dilatado tal período para 10 anos, a transação deve ser interpretada como o contrato só ficando submetido ao NRAU em 1 de Junho de 2023; mas, não aceitando a A. tal interpretação (isto é, defendendo que o contrato ficou submetido ao NRAU em 1 de Junho de 2018), comunicou-lhe/propôs-lhe, em 02/06/2018, o valor da nova renda, o tipo e duração do contrato (ou seja, que o contrato passaria a ter prazo certo, a duração de 3 anos e a renda aumentada de € 1.250,00 para € 3.000,00), após o que, não aceitando o que a R. lhe contrapropôs em termos de valor da renda (em que a R. sustentava que não podia atualizar a renda ou, quando muito, tinha que respeitar os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 35.º do NRAU), denunciou em 27 de Julho de 2018 o contrato de arrendamento, contra o pagamento da indemnização de € 126.450,00 (equivalente a 5 anos de rendas, resultantes do valor médio da proposta da A. de € 3.000,00 e da contraproposta da R., correspondente à renda em vigor, de € 1.215,00).

Por fim, a A. alegou que, persistindo a R. na sua posição, deixou de lhe aceitar (após a denúncia efetuada) as quantias pretendidas entregar a título de rendas (passando aquela a depositá-las na Caixa Geral de Depósitos, S.A.); e, devendo-lhe aquela entregar o locado no final de Fevereiro de 2019 (trinta dias depois de a denúncia ter produzido os seus efeitos, ocorrendo esta seis meses depois de comunicada), não o fez, encontrando-se por isso em mora e obrigada a pagar-lhe uma indemnização mensal correspondente ao dobro da última renda devida por cada mês em que persista a indevida retenção do imóvel.

A R. contestou.

Alegou para o efeito, em resumo, que a data de sujeição do contrato de arrendamento em causa ao NRAU resultou do que então se dispunha no art. 54.º/1 do NRAU e, por isso, face à nova redação dada, em 2017, ao art. 54.º/1 do NRAU, tal deve ser considerado na interpretação do dito acordo, tanto mais que tal corresponde ao que era a sua vontade real, conhecida da A..

Mais alegou que, tendo a lei fixado um prazo judicial mais longo (passou de 5 para 10 anos), é este último que se aplica, nos termos do art. 297.º/2 do CC.

Alegou ainda que, ainda que assim se não entendesse (quanto à data de passagem do contrato de arrendamento em causa para o NRAU), sempre o primeiro período de vigência do mesmo seria, não de 3, mas de 5 anos; e o valor de renda outro, por expressa remissão da cláusula da transação para o art. 54.º/6 do NRAU.

Defendeu, pois, ser legalmente infundada a denúncia contratual operada pela A., quer por o contrato de arrendamento em causa só transitar para o NRAU em 01 de Junho de 2023, quer por, quanto ao primeiro período de vigência deste novo regime, não poder exigir a renda de € 3.000,00.

E concluiu pela total improcedência da ação.

A A. respondeu, negando que a vontade real da R. fosse, na transação havida, formada por remissão para o regime legal que se encontrava então vigente e no pressuposto de que o mesmo se mantivesse inalterado.

Realizada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que decidiu: «(…) julga-se procedente a presente ação e, em consequência: 4.1- Declara-se a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição do contrato de arrendamento em discussão nos autos ao NRAU a partir de 1 de junho de 2018; 4.2 - declara-se válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento comunicada pela autora Vilela & Calheiros à ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., em 30.07.2018; 4.3 - condena-se a ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., à entrega do ...

do prédio urbano sito na Praça ..., da freguesia ...

(...), ..., à autora Vilela & Calheiros, devoluto de pessoas e bens contra o pagamento simultâneo, por esta, da indemnização devida pela denúncia; 4.4 - declara-se que a indemnização devida autora Vilela & Calheiros à ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., pela denúncia referida em 4.3 é de €126.450,00; 4.5 - declara-se a constituição em mora da ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., na restituição do locado à autora Vilela & Calheiros, a partir do 30º dia subsequente à data de produção de efeitos da denúncia referida em 3.2, ou seja, em 01/03/2019; 4.6 - condena-se a ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., pagar à autora Vilela & Calheiros uma indemnização correspondente ao valor mensal de €1.215,00, nos termos do art.

1045º n.º 1 do CC, pela ocupação ocorrida em fevereiro de 2019; 4.7- Condena-se a ré Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda.

a pagar à autora Vilela & Calheiros, o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal, correspondente a €2.430,00 (€1.215,00 x 2), nos termos do art.

1045º n.º 2 do CC, desde a data da constituição em mora no dever de restituição da fração devoluta de pessoas e bens, acrescida do mesmo valor mensal de € 2.430,00, desde abril de 2019 inclusive e até à efetiva e integral restituição do locado, totalmente livre de pessoas e bens.; 4.8 - Mais se autoriza o levantamento pela autora Vilela & Calheiros, dos valores de rendas depositados pela ré, Sosequeiras – Garagens Veículos e Supermercados, Lda., na Caixa Geral de Depósitos S.A., na conta ...50 ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade.” Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação ... de 04/11/2021, foi julgado parcialmente procedente, tendo-se “(…) em consequência, revogado a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão a: Declarar a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição do contrato de arrendamento em discussão nos autos ao NRAU a partir de 01 de Junho de 2018; Autorizar o levantamento pela Autora (Vilela & Calheiros, Limitada) dos valores de rendas depositados pela Ré (Sosequeiras - Garagens, Veículos e Supermercados, Limitada) na Caixa Geral de Depósitos S.A., na conta ...50, ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade; Absolver a Ré do demais peticionado contra si pela Autora. (…)” Agora inconformadas – quer a A. quer a R. – interpõem A. e R. recursos de revista, visando a A. a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine “in totum” o decidido na 1.ª Instância; e visando a R. a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue “válida a prova produzida através do depoimento da testemunha AA, ordenando-se a baixa dos autos ao...

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