Acórdão nº 4232/20.7T8OER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Em processo de inventário que corre termos [iniciado em meados de 22 de Julho de 2015 e em Cartório Notarial de AA, com o n.º .../15, posteriormente – na sequência de oposição deduzida e da suscitação da questão da incompetência territorial do Cartório Notarial - transitado para o Cartório Notarial de BB] com vista à partilha da herança aberta por óbito de CC, e sendo nele interessados DD [filho do inventariado], EE [Cabeça-de-casal e filho do inventariado] e FF [filha do inventariado], organizado que foi – em 31/10/2020 - o mapa da partilha e notificados os interessados nos termos e para os efeitos do artigo 63.º da Lei n.º 23/2013 de 05 de Março (RJPI) [não tendo sido requerida qualquer rectificação ou reclamação], foram os autos remetidos – por despacho de 18/12/2020 - à Meritíssima Juiz da Comarca ... – Juízo Local Cível ..., vindo a ser proferida em 6/1/2021 a seguinte decisão homologatória da partilha: “No âmbito do presente inventário n.º ...5 que correu termos no Cartório Notarial ..., para partilha de bens em consequência do óbito de CC, os interessados alcançaram um acordo sobre a partilha dos bens, concretizando os bens e valores adjudicados a cada um dos interessados.

Ao abrigo do disposto no art.º 66.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013 de 5 de Março (RJPI), homologo por sentença o acordo de partilha, adjudicando aos interessados os respectivos bens pela forma por eles acordada, sendo devidas tornas nos termos elencados no mapa.

Custas em partes iguais pelos interessados (art.º 67.º, n.º 1 do RJPI). Registe e notifique.

..., ds” 2.

Notificado da decisão/sentença indicada em 1., veio DD, não se conformando com a mesma, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 66.º do RJPI, interpor RECURSO para o Tribunal da Relação ....

3.

O Tribunal da Relação conheceu do recurso e proferiu acórdão onde consta o seguinte dispositivo: “Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação ..., em, julgando improcedente a apelação interposta pelo interessado DD: confirmar decisão/sentença recorrida.

Custas da Apelação a cargo do recorrente.” 4.

DD, inconformado com o acórdão proferido no âmbito do recurso de apelação, veio dele interpor recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, com efeito suspensivo e subida imediata nos autos.

Formulou as seguintes conclusões: “1 – O Acórdão em crise viola o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, na medida em que permite à maioria dos herdeiros sobrepor-se à lei e à vontade do inventariado adjudicando para eles, e a seu belo prazer, os bens que lhes interessam deixando para o minoritário o sobrante; 2 – A questão tem merecido por parte da doutrina e da jurisprudência opiniões e decisões distintas da que foi tomada no Acórdão ora em crise, exigindo-se clarificação da questão através de uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPC; 3 – A questão reveste também particular relevância social, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do CPC, na medida em que, a manter-se a posição defendida no Acórdão ora em crise, o Recorrente será tratado de forma desigual relativamente aos irmãos simplesmente por lhes ter sido permitido fazer a composição dos seus quinhões como bem entenderam e por valores muito abaixo dos reais, prejudicando, desse modo, a legítima do Recorrente; 4 – O recurso de revista excecional do Acórdão proferido nos autos supra referenciados justifica-se, considerando, por um lado, estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, por outro lado, por estarem em causa interesses de particular relevância social; 5 – A adjudicação dos bens imóveis pelo valor patrimonial desvirtuou a repartição dos bens, com claro prejuízo para o Recorrente, como, de resto, os irmãos sempre pretenderam; 6 – O disposto no artigo 2163.º do Código Civil não permitia que fossem retirados do quinhão do Recorrente os bens imóveis da herança, adjudicados ao Cabeça de Casal e à outra Interessada, por deliberação destes, mancomunados, tomada na conferência preparatória; 7 – O artigo 48.º do RJPI é inconstitucional por violar o princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP), conjugado com o direito à propriedade privada (cfr. artigo 62.º da CRP); 8 – O artigo 48.º do RJPI permite que os interessados possam deliberar, por maioria de dois terços dos titulares do direito à herança, sobre importantes matérias como a designação das verbas que devem compor o quinhão de cada herdeiro, a aprovação do passivo e a forma do cumprimento dos legados e demais encargos da herança, limitando, de forma significativa, os direitos do herdeiro que não esteja de acordo com tal deliberação e prejudicando uma partilha igualitária entre todos os herdeiros; 9 – O princípio de igualdade equivale à proibição do arbítrio; 10 – Com a aplicação da regra da maioria de dois terços, apenas interessa saber o número de titulares do direito à herança, individualmente considerados, e não as respectivas quotas hereditárias, para, na conferência preparatória, ser deliberado sobre as referidas matérias, por maioria de dois terços dos interessados presentes, vinculando os ausentes, mesmo que as quotas hereditárias sejam desiguais; 11 – Nos presentes autos, o quinhão hereditário do Recorrente, que devia ser igual ao dos irmãos, ficou sob o domínio destes, através da intervenção da maioria dos contitulares; 12 – A possibilidade de a maioria dos herdeiros poder impor a atribuição de determinados bens da herança, com menos interesse, aos herdeiros minoritários, causa evidente perturbação na justiça por estes passarem a ser titulares do direito de propriedade de bens não desejados; 13 – A decisão maioritária sobre a partilha dos bens da herança ofende, de forma grave, o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima, bem como os princípios da igualdade e da propriedade privada, constitucionalmente protegidos; 14 – A lei não assegura um tratamento igualitário a todos os interessados nas várias fases do processo de inventário, não garantindo sequer, na deliberação tomada na conferência preparatória, uma intervenção decisória correspondente aos quinhões, sendo individualizada, por cabeça, mesmo que os quinhões não sejam iguais; 15 – Nenhuma das “válvulas de escape do sistema” funcionou nos presentes autos, não tendo sido cumprido o princípio de uma partilha equilibrada e igualitária; 16 – Ao ser esvaziado o quinhão hereditário do Recorrente por força da decisão dos irmãos de adjudicação dos bens por eles desejados, pode concluir-se que a aquisição, por essa via, ofende, intoleravelmente, o princípio constitucional à propriedade privada plasmado no artigo 62.º, n.º 1 da CRP; 17 – Ao permitir que a maioria dos herdeiros possa impor a atribuição de determinados bens da herança, com menos interesse, aos herdeiros minoritários, o artigo 48.º do RJPI não garante um processo de inventário equitativo nem a tutela efectiva dos direitos dos herdeiros, violando o princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da CRP; 18 – Tratar de forma igual situações que são desiguais, em questões que contendem directamente com a forma da partilha dos bens entre os herdeiros, viola os princípios da igualdade e do direito a um processo equitativo e justo, sendo, portanto, o referido artigo 48.º materialmente inconstitucional; 19 – O regime contemplado no artigo 48.º do RJPI era errado e o legislador viria a reconhecer esse erro, abandonando-o no novo regime introduzido pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que regressou ao regime da unanimidade; 20 – Decidindo como decidiu o Acórdão em crise permitiu que a maioria dos herdeiros compusesse o quinhão do Recorrente e impusesse a atribuição de determinados bens da herança, com mais interesse, a eles próprios e a atribuição de outros, com menos interesse, ao Recorrente, herdeiro minoritário, sem assegurar a repartição igualitária e equitativa dos bens, em clara violação do disposto nos artigos 2139.º e 2163.º do C.C., bem como do disposto nos artigos 13.º, 20.º e 62.º, da CRP; 21 – Deverá, por conseguinte, ser admitido o presente recurso excepcional de revista, em razão da indispensável clarificação da questão através de uma melhor aplicação do direito, com vista à eliminação da insegurança social gerada.

22 – Pelo que, em consequência, o Acórdão ora em crise deverá ser revogado e substituído por outro que considere ilegal a deliberação tomada pela maioria dos herdeiros, por violar o princípio da intangibilidade qualitativa da legítima e o princípio constitucional da igualdade conjugado com o direito à propriedade privada, ordenando, em consequência, a devolução do processo ao Cartório, seguindo-se os ulteriores termos.” 5.

Foram oferecidas contra-alegações, onde se conclui: “A discórdia do Recorrente não incide sobre uma suposta violação nem do artigo 2139.º, n.º 2 nem do artigo 2163.º do Código Civil, mas radica num ponto bem diverso, que o Recorrente não pode revelar, porque revelaria, ao mesmo tempo, outra coisa: nesta fase, a sua discórdia já não pode e já não pode há muito ser atendida.

A verdadeira questão não se prende com a determinação do quinhão hereditário do Recorrente, com qualquer inoficiosidade ou com a composição qualitativa do quinhão, mas está antes disso e prende-se com o valor da herança, mais precisamente, com o valor de dois dos bens que integram o relictum, valor do qual o Recorrente discorda.

Apesar de discordar de tal valor, o Recorrente nunca requereu atempadamente qualquer avaliação daqueles imóveis, sinal de que se conformou com o valor atribuído, pretendendo agora, em sede de recurso, impor ao tribunal recorrido a...

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