Acórdão nº 0446/10.6BEPRT 01480/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução04 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 446/10.6BEPRT Recorrente: A………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 27 de Outubro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/e4b5a86c4ed4b9e88025878700530c52.) – que, negando provimento ao recurso por ele interposto, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2006 –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1) A presente revista envolve a apreciação de questão de importância fundamental pela sua relevância jurídica, face a injustiça grave que resultaria da aplicação do decidido no acórdão recorrido que, aliás, aplica o direito violando os ditames contidos em abundantes arestos produzidos pelo STA, pese embora não possa concluir-se ocorrer contradição expressa de julgados que legitime o recurso para uniformização de jurisprudência.

2) Está em causa o entendimento dado ao princípio de especialização de exercícios aplicado no âmbito de IRS segundo o qual, celebrado contrato trespasse de estabelecimento (que originou, além do mais, cessação da actividade para efeitos fiscais) sem que tenha sido recebido todo o preço estabelecido, tal implica a tributação não pela quantia efectivamente recebida mas pela totalidade da quantia acordada.

3) A interpretação segundo a qual os preceitos dos artigo 18.º, n.º 1, do CIRC e artigo 3.º, n.º 6 do CIRS foi aplicado pelas instâncias, afigura-se como ofensiva da CRP e LGT, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e tributação pelo rendimento real e de acordo com a capacidade contributiva.

4) Trata-se, em suma, de questão jurídica interesse geral, difícil, por existirem situações a diferenciar cujas fronteiras são de difícil recorte e de claro interesse social uma vez que a boa orientação no respeita ao exercício dos direitos pela via jurisdicional depende em enorme medida da forma como são enfrentadas e decididas as questões concretas sobre a prova dos factos relevantes para a decisão.

5) Como resulta da relação de factos provados, está assente que: - o recorrente subscreveu documento de “trespasse” de farmácia onde se declarou que o preço a pagar seria de 600.000,00 €.

- o pagamento da importância devida na sequência do aludido trespasse, seria pago fraccionadamente, face a acordo de pagamento subscrito.

- no ano de 2006 o recorrente apenas recebeu, em resultado dos referidos trespasse e acordo de pagamento, a quantia de 40.000,00 €, montante que o recorrente incluiu na declaração de rendimentos que apresentou.

- o recorrente cessou a actividade para efeitos de IRS e IVA no ano de 2006. Ainda que o contrato tenha sido realizado em Maio, a sua actividade resumiu-se, naquele ano a dois dias, dado que nesse espaço de tempo não se realizaram vendas, tendo sido contabilizada apenas a operação do trespasse.

- em face do não pagamento dos montantes previstos no acordo de pagamento, o impugnante intentou no ano de 2008 acção declarativa comum sob a forma ordinária na 1.ª Vara Cível do Porto, 2.ª Seção, processo n.º 962/08.0TVPRT, na qual peticionou a quantia então em dívida de 505.000,00 €.

6) Como se diz no Acórdão do STA de 08-09-2010 – Proc. 0339/10, “nos contratos de execução duradoura ou diferida o facto tributário não é constituído por essa fonte contratual geradora de fluxos financeiros, mas antes pela sucessiva concretização no tempo dos incrementos patrimoniais decorrentes do recebimento das prestações previstas”.

7) O acórdão recorrido entendeu, todavia, que dispondo o recorrente de contabilidade organizada, se aplica, sem mais, o disposto no n.º 1 do art. 18.º do CIRC quando estabelece que “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica” e, mais do que isso, considerou que, “no que diz respeito à eventual incobrabilidade de créditos, é ao contribuinte que caberá, verificada a mesma, registar a correspondente imparidade na sua contabilidade”.

8) O princípio da especialização de exercícios, consagrado no artigo 18.º do CIRC, ainda que aplicável no âmbito do IRS – por força do disposto no n.º 6 do artigo 3.º do CIRS –, tem, contudo, de ser entendido com as devidas adaptações, tendo presente, designadamente, os princípios gerais estabelecidos na Lei Geral Tributária, como o da capacidade contributiva, quando estabelece, no art. 4.º, que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

9) É nessa linha que, quando se está perante um contrato de execução diferida – como o que sucede com o ora em causa –, deve prevalecer o princípio de competência financeira por oposição ao da especialização de exercícios aplicável aos rendimentos empresariais.

10) No caso sub judice, além de se estar perante um contrato de execução duradoura ou diferida, está estabilizado que o recorrente também não recebeu do trespassário a quantia acordada, o que implicou, aliás, a propositura de acção judicial de âmbito cível.

11) Como determinam, entre outros, os Acórdãos do STA de 14-03-2018 - Proc. 0716/13, de 14-02-2019 - Proc. 74/01.7BTLRS e de 01-07-2020 - Proc. 079/11.0BEAVR, o nosso sistema fiscal só visa a tributação dos ganhos reais ou potenciais, isto é, só deve ocorrer tributação quando se manifesta a capacidade contributiva pela ocorrência de um facto da vida real que importa para o interessado um acréscimo patrimonial. Assim, o princípio da justiça...

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