Acórdão nº 10/19.4GAGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Local Criminal de Grândola - o processo comum singular supra numerado, contra Aca…, nascido a 09.06.
1940, filho de (…), o qual foi pronunciado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348, n.
º 1, alínea a) e 69º, n.
º 1, ambos do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 152º, n.
º 1, alínea a) e n.
º 3, do Código da Estrada.
*Em 4.3.2020 foi lavrada sentença que: a) condenou o arguido Aca… pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.
º 1, alínea a) do código penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, no total de € 490,00 (quatrocentos e noventa euros).
b)condenou o arguido, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, por um período de 4 meses.
c)condenou o arguido nas custas do processo, nos termos do artigo 513º do código penal, cuja taxa de justiça se fixa em 3 uc, nos termos do artigo 8º, n.
º 5, do regulamento das custas processuais e tabela iii a si anexa.
*Inconformado, recorreu o arguido da sentença proferida, com as seguintes conclusões (transcritas): 1. A prova produzida, que sustentou os factos dados como provados na sentença sob recurso, mormente, as declarações do arguido, o depoimento da testemunha de e defesa, concatenadas com o documento médico de fls…, deveria ter criado no Douto Tribunal a dúvida quanto à participação do arguido nos factos.
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Atenta a forma como a prova foi produzida, as circunstâncias em que decorreu e a negação veemente e peremptória do arguido, e o depoimento das testemunha oculares, o tribunal deveria razoavelmente ter permanecido em dúvida quanto à verificação dos factos que deu como provados.
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SMO, do nosso ponto de vista, tal dúvida é insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis.
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Aliás, para sustentar a condenação do arguido, o Tribunal estriba-se nas regras da experiência comum e da normalidade da vida para atribuir credibilidade aos depoimentos das testemunhas militares da GNR, desconsiderando os demais depoimentos.
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Porém, o argumento de que não se mostraram credíveis as declarações de arguido e testemunha de defesa, porquanto, apresentam discrepâncias, não é suficiente para afastar a sua veracidade! 6. Ao contrário, atento o tempo decorrido, são, precisamente, as imprecisões que lhes conferem credibilidade, autorizando a convicção de que, não havendo concertação de depoimentos, são verdadeiras.
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O entendimento perfilhado pela Sentença sob censura, na interpretação da norma inserta no art.º 127º do CPP, é materialmente inconstitucional por violação dos Art.ºs 20º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP, quando aplicada num dos seguintes sentidos: a) De que a convicção do Tribunal decorrente das regras da experiência comum e da razoabilidade ou da livre convicção do julgador, é suficiente para fundamentar sentença condenatória; b) De que o princípio da livre apreciação da prova desconsidera a prova dos factos em discussão, não sendo a prova efectivamente produzida condição essencial e necessária à prolação de sentença absolutória.
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Inconstitucionalidade que expressamente se argui, com todas as consequências legais daí advenientes.
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Em conclusão, ao assim não entender, e demonstrando-se a existência de factos que inevitavelmente criam dúvidas, como se demonstrou, tal deveria ter beneficiado os arguidos o que não aconteceu, mostrando-se, assim violado o principio do in dúbio pro reo.
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Assim, e nesta confluência, não restará a V. Exas., Venerandos Desembargadores, senão concluir pela violação do princípio do in dúbio pro reo e concluir, também, pela existência de dúvida razoável de que o arguido terá praticado os factos por que foi condenado, tendo, por isso que ser absolvido.
Sem conceder, 11. O arguido é primário.
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Na sentença não foi dado como provado que o arguido tenha registadas quaisquer infracções às normas estradais.
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O arguido é um condutor prudente e cumpridor das normas legais estabelecidas.
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O crime pelo qual foi julgado mais não foi do que um incidente irrepetível na sua vida.
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O veículo automóvel é indispensável para o exercício da sua actividade profissional.
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É certo que a jurisprudência é unânime no entendimento de que a determinação da medida da pena acessória obedece genericamente ao mesmo critério de fixação concreto das penas principais.
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Assim, entende o recorrente que nos termos dos art.ºs 70º e 71º do CP, ao lhe ter sido aplicada uma pena de multa, leve no caso concreto, por alternativa à pena privativa de liberdade, o Tribunal “a quo” aplicou a forma de punição “menos grave” por entender que esta era adequada e suficiente.
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Pelo que também a determinação da pena da sanção acessória deveria ter sido aplicada na sua forma menos grave, i. é., no limite mínimo previsto na lei.
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Tanto mais que, o recorrente não tem antecedentes criminais, a sua actuação, objectivamente, não pôs em risco outros condutores ou peões, pelo que, SMO, não é assim tão elevado o grau de ilicitude do facto, permitindo, assim, a aplicação de uma pena acessória pelo mínimo previsto na Lei.
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Ao assim não ter entendido, sentença recorrida violou, por conseguinte, as disposições dos art.ºs 40º, 69º, 70º, 71º, do CP.
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Afastado que se mostre a violação de tais normativos, a Douta Sentença deveria ter Decidido pela fixação da pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, o que ora se requer.
Tendo em consideração todo o exposto; Sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser apreciado em conformidade, merecer provimento, e Doutamente Decidir-se pela dúvida quanto aos factos dados como provados quanto ao crime de desobediência, absolvendo-se o arguido por aplicação do princípio do in dúbio pro reo.
Declarando-se que a Sentença, no entendimento que faz da interpretação da norma inserta no art.º 127º do CPP, é materialmente inconstitucional por violação dos Art.ºs 20º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP, quando aplicada no sentido
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De que a convicção do Tribunal decorrente das regras da experiência comum e da razoabilidade ou da livre convicção do julgador é suficiente para fundamentar sentença condenatória; b) De que o princípio da livre apreciação da prova desconsidera a prova dos factos em discussão, não sendo a prova efectivamente produzida condição essencial e necessária à prolação de sentença absolutória. Ou c) reduzir a sanção acessória de inibição para conduzir para três meses.
*O Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, pugnando para que seja negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a decisão recorrida, concluindo: 1. Veio o arguido recorrer da sentença proferida no dia 21.09.2021 que o condenou pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 al. a) do Código Penal, numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7,00€, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses.
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Entende o Recorrente que o tribunal a quo desconsiderou as suas declarações considerando que das mesmas deveria ter resultado uma dúvida a favor do arguido, alegando assim a violação do princípio do in dúbio pro reo.
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Entende ainda o Recorrente que a douta sentença assenta em convicções imotivas, sem qualquer respaldo naquelas que são as regras de experiência comum ou da normalidade da vida, violando o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
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Ora, sucede que a douta sentença recorrida não violou nem o princípio do in dubio pro reo nem tampouco o princípio da livre apreciação da prova.
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O Tribunal a quo fundamentou devidamente os motivos pelos quais imputou a factualidade ao arguido, sendo que não é possível vislumbrar-se qualquer falta de fundamentação na sua decisão relativamente à desconsideração das declarações do arguido.
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Veja-se que só a imediação (apenas na disponibilidade do tribunal a quo)permite registar e apreender completamente o valor probatório de um depoimento em prejuízo de outro ou outros.
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Necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, o que foi feito – e bem feito – na sentença recorrida.
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Também não existe, ao contrário do alegado, violação do princípio do in dúbio pro reo, dado que da sentença recorrida não se descortina que o Tribunal a quo tenha chegado a um estado de dúvida sobre a prática dos factos pelo arguido.
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No que diz respeito à alegada violação do princípio da livre apreciação da prova, importa considerar que mesmo nos casos em que os recursos versam sobre matéria de facto, o Tribunal da Relação só intervém para deteção e correção de particulares, excecionais e evidentes erros sobre concretos pontos do julgamento sobre tal matéria.
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Assim, do que verdadeiramente se trata é da discordância do Recorrente em relação ao modo como a prova produzida foi apreciada e valorada, pretendendo pôr em causa o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
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Efetivamente, perante a prova produzida não existe dúvida razoável de que o arguido praticou os factos em apreço.
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No que respeita à pena acessória, pese embora a sentença esteja escassa na fundamentação, a pena não excede em nada o limite mínimo legal, sendo que a mesma se sustentou na circunstância do arguido não ter antecedentes criminais, pelo que também neste ponto não assiste razão ao Recorrente.
Nestes termos deverá ser negado...
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