Acórdão nº 116/21.0GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão, Juiz 4, no âmbito do Processo nº116/21.0GDPTM foi o arguido Mig… submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Coletivo

Após realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, por Acórdão de 13 de dezembro de 2021 decidiu condenar o arguido Mig… pela prática de: 1) Um crime de roubo, em co-autoria, p. e p. pelo pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 210.º, n.ºs 1 e 2 al. b), conjugado com os artigos 204.º, n.º 2, al. f) e 4 e 202.º, al. c), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão; 2) Um crime de coacção agravada na forma tentada, em autoria material, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 22.º, nºs. 1 e 2, al. a), 23.º, n.º 1, 154.º, n.ºs 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; 3) E, em sede de cúmulo jurídico, condenar o arguido Mig… na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão. * Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Por douto acórdão proferido no âmbito do processo 116/21.0GDPTM, que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de Portimão – J4, foi o ora recorrente/arguido condenado ao cumprimento por cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 3 meses pela prática de um crime de Roubo p.e.p. pelo artigo 210º do Código Penal e pela prática de um crime de coacção agravada p.e.p. pelo artigo 155º também ele do código penal

  1. Salvo devido respeito, os factos dados como provados no douto acórdão, carecem de fundamento total para que possam ser dados como provados na medida em que foram

  2. Dos factos dados como provados, nomeadamente a subtração de coisa móvel, esta após a audição da prova efectuada em sede de audiência de julgamento, apenas foi trazida à colação pela testemunha Son… 4. Nunca tendo sido presenciada em momento algum pelas restantes testemunhas, tendo até uma delas referido que apenas ouviu da testemunha Son… que lhe tinham tirado alguma coisa, não sabendo se dinheiro se outra coisa qualquer

  3. Quanto ao crime de coacção, a mesma situação aconteceu, mesmo com a proximidade entre todos os intervenientes na altura dos factos, nunca ninguém ouviu qualquer ameaça de forma a constranger a actuação de qualquer dos intervenientes

  4. Sendo que foi apenas relevada a versão trazida pela testemunha/ofendido Son… e nunca a trazida pelas restantes testemunhas

  5. Não permitindo por tal a prova completa dos factos arrolados e deixando em aberto duvidas quanto ao que efectivamente aconteceu

  6. Dado serem demasiado as incongruências entre as versões apresentadas pelas testemunhas ainda que tenham elementos de relação entre as mesmas

  7. E por tal, não tendo sido relevado o princípio do In Dúbio Pro Reu

  8. Efectivamente podem dar-se por provadas determinadas agressões e por tal não terá o recorrente nada a dizer

  9. Ainda que tenham ficado por explicar concretamente as razões a que levaram a princípio tal altercação

  10. Não pode é de maneira alguma o recorrente ser condenado pela prática de crime de roubo e coacção quando as conclusões que se retiram da audiência de julgamento não apontam para esse sentido

  11. Nem pode o recorrente concordar com tal sentença

  12. Foi o arguido condenado por um crime onde a prova efectuada foi insuficiente, sendo que esse crime é de natureza pública, mas que, ao não se provar a subtração de coisa móvel transforma a actuação do recorrente num possível crime de ofensas à integridade física e nada mais, sendo este último um crime de natureza semipublica e por tal menos gravoso

  13. E no caso em apreço, não estando completa a tipologia do crime em questão, o mesmo não poderá ter sido cometido

  14. Relativamente ao crime de coacção, terá o recorrente que ser forçosamente absolvido do mesmo, dado não existirem provas suficientes do mesmo, relevando mais uma vez o princípio anteriormente utilizada do In dúbio pro reu, ou seja, na dúvida tem que forçosamente se optar pela absolvição

  15. E foi o que persistiu nesta situação, mais duvidas do que certezas

  16. Ainda que não seja relevados os aspectos acima elencados, entende o recorrente que a sentença aplicada terá que ser revista e corrigida

  17. Dado que a mesma, no entendimento do recorrente terá sido aplicada de forma injusta e exagerada

  18. Relevando ainda a postura e comportamento regular do recorrente enquanto trabalhador no Estabelecimento Prisional na lavandaria, frequentando também aí a escola e adoptando um comportamento regular e não conflituoso

    Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o douto acórdão ser reavaliado e rectificado e em consequência ser o recorrente absolvido da prática do crimes de roubo e coacção na forma tentada, previstos e puníveis pelos artigos 210º e 154º, ambos do Código Penal, sendo que em alternativa e não concordando V. Exas com o anteriormente exposto, deverá a pena ser reavaliada por ser manifestamente gravosa para o recorrente, fazendo por tal a acostumada JUSTICA! * Por despacho de 14-02-2022, o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito. * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões: 1. O arguido Mig… interpôs recurso no que concerne ao douto acórdão condenatório proferido nos presentes autos, alegando, em síntese, o seguinte: a) Em face da prova produzida em audiência não poderia ter sido dado como provada a subtracção de coisa móvel e, por conseguinte, a prática do crime de roubo, pois que, tal apenas é referido pela testemunha SON…, o mesmo sucedendo no que tange ao crime de coacção, porquanto, as expressões ameaçadoras apenas foram ouvidas por este último; b) O acórdão sob recurso violou o princípio in dubio pro reu, porquanto, foram muitas as incongruências resultantes da prova testemunhal; c) O Acórdão sob recurso padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e de erro notório na apreciação da prova; d) Caso se decida pela não absolvição do arguido Mig…, a pena que lhe foi aplicada deve ser «reavaliada»

  19. A audição integral dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (em particular o da vítima dos crimes em causa) leva, forçosamente, a concluir que os factos ocorreram talqualmente estão espelhados no acórdão sob recurso

  20. Na verdade, do exame crítico das provas expresso no acórdão sob recurso emerge o percurso efectuado – respeitador das regras da experiência (cfr. Artigo 127.º, do Código de Processo Penal) - para a formação da (livre) convicção sobre a aquisição da factualidade, razão pela qual, para além do mais, cremos, ser manifesta a falta de razão do arguido/recorrente MIG… ao invocar que não poderiam ter sido dados como provados os factos n.ºs 4 e 5 (8) da matéria de facto dada como provada

  21. Daqui que, não há que apelar como faz o recorrente ao principio in dubio pro reu (ou ao princípio da presunção de inocência), pois que, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/01/2013 (9): "(…) se o Tribunal ultrapassa todas as dúvidas e adquire a certeza jurídica da autoria dos factos, fundado numa convicção válida, isto é, numa convicção formada de acordo com as regras da experiência comum e os dados colhidos nos autos (prova produzida), não há lugar a qualquer “non liquet” e, portanto, não há que aplicar o aludido princípio, nem falar em violação do principio in dubio pro reu." 5. In casu, provado ficou, para além do mais, que o arguido/recorrente MIG… munido de um pau, desferiu-o nas pernas de SON… e, em acto contínuo, encostou uma faca à barriga deste, ao mesmo tempo que lhe dizia que se não lhe desse o dinheiro o matava, em consequência do que, este último entregou a quantia de €15,00 ao primeiro, razão porque, se mostram verificados os elementos objectivos do crime de roubo

  22. No que tange ao elemento subjectivo e, conforme se escreveu no acórdão sob recurso: «É evidente, à luz das regras de experiência, que se uma pessoa manieta a vítima e outra (o arguido) agride-a com um pau, e depois encosta uma faca à barriga da mesma ao mesmo tempo que lhe diz para lhe dar o dinheiro, senão mata-a, ambos sabem que actuam em conjunto, com um propósito combinado, ambos representam e querem usar de violência e ameaça grave para obrigar essa pessoa a entregar o dinheiro, como efectivamente veio a suceder.» 7. Igualmente provado ficou que o arguido MIG… no dia 18 de Outubro de 2021, após ter subtraído a quantia de €15,00 a SON…, disse a este que se o mesmo apresentasse queixa na GNR que o matava e, bem ainda que, o primeiro agiu com dolo directo, sendo certo que, por motivos alheios à sua intenção, o resultado pretendido não foi alcançado (pois que a vítima efectivamente apresentou queixa na GNR), razões porque, no nosso modesto entendimento, dúvidas não restam que o primeiro praticou factos susceptíveis de integrar o crime em análise

  23. Os vícios alegados - vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e de erro notório na apreciação da prova - nada têm que ver com a discordância relativamente à avaliação que o Tribunal de 1.ª instância fez da prova produzida, sendo que, a sua invocação, in casu, resume-se à singela circunstância de o arguido/recorrente MIG… não se conformar com o facto das declarações que prestou em sede de audiência de julgamento não terem merecido credibilidade ao invés daquelas prestadas pela vítima e pelas demais testemunhas arroladas pela acusação

  24. No crime de roubo, em particular, quando na violência usada contra a vítima foi empregada uma faca, são francamente elevadas as exigências de prevenção geral, ao que acresce, in casu, o constante no douto acórdão sob recurso, no que tange à aplicação das penas parcelares e da pena única, cuja parte mais relevante ora se transcreve: «(..)considera o Tribunal, em...

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