Acórdão nº 2257/21.4T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), no âmbito do processo de cassação n.º …, foi ordenada a cassação do título de condução …, de que JM é titular

Impugnada judicialmente esta decisão para o Juízo de Competência Genérica do Entroncamento (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, foi tal impugnação apreciada por sentença, com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, o Tribunal decide: 1. Julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão da ANSR que considerou verificados os requisitos da cassação e que determinou a cassação do título de condução n.º ... de que é titular o condutor JM; 2. Condenar o Recorrente JM nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (cf. artigos 92.°, 93.º, n.º 1 do RGCO e artigo 8.° do RCP e tabela III a este anexa, aplicáveis ex vi artigo 148.º, n.º 13, do Código da Estrada), que acrescerão às custas do processo administrativo.” Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “II. Conclusões: A. A decisão administrativa que decidiu da cassação do título foi proferida em 12-05-2021

  1. A decisão administrativa referida foi notificada ao arguido em 31-05-2021, o que nos termos do artigo 188.º do Código da Estrada, o procedimento relativo à infracção praticada no dia 19-02-2017 estaria prescrito

  2. Nos termos do artigo 188.º n.º 2 do Código da Estrada, a notificação da decisão condenatória interrompe o prazo prescricional, porém, já tinham passado 4 anos desde a data da suposta prática da infracção e a notificação da decisão

  3. Pelo que, mesmo seguindo tal interpretação, temos que, tendo já decorrido pelo menos quatro anos e 3 meses sobre a prática do facto, em conformidade deve ser apreciada esta questão e, em consequência, ser declarada a extinção do procedimento de contraordenação, pelo decurso do prazo de prescrição legalmente estabelecido

  4. Nestes termos, e nos mais de direito, deve dar-se provimento ao presente Recurso, com as devidas consequências

  5. Pelo que, mesmo seguindo tal interpretação, temos que, tendo já decorrido 4 anos e 3 meses sobre a prática do facto, em conformidade deve ser apreciada esta questão e, em consequência, ser declarada a extinção do procedimento de contraordenação, pelo decurso do prazo de prescrição legalmente estabelecido

  6. Ao determinar a aplicação da cassação, a ANSR, a violou o artigo 69.º, n.º 1, alínea a) e nº 7 do Código Penal – aplicáveis ex vi artigo 132º do Código da Estrada (DL n.º 114/94, de 03 de maio) e artigo 32º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro)

  7. Ou seja, ao aplicar a cassação, além de violar a Lei Penal nos termos supra expostos, violou ainda o disposto no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”

    I. Devem ser declarada nula e de nenhum efeito a decisão de cassação da licença de condução por não terem sido proferidos os atos administrativos da retirada dos pontos de forma separada, nem tão pouco ter sido notificado ao Recorrente essa subtração de pontos infracção a infracção, devendo de todos os atos subsequentes ser anulados

  8. Pois, e com efeito, em qualquer direito punitivo não pode um arguido ser condenado pela prática de uma infracção de natureza contra-ordenacional sem que previamente lhe seja assegurado o exercício do seu direito de defesa, e lhe sejam facultados todos os meios de prova em que se baseia a acusação formulada, de forma a poder contraditá-los, sob pena de ser violado o princípio do contraditório e o direito à defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição República Portuguesa

  9. Por tudo o exposto, o Recorrente vem arguir a nulidade da decisão administrativa

    L. Por seu turno, o artigo 148º, n.º 2, n.º 4, al. c), n.º 5, n.º 6, n.º 7, e n.º 10, do Código da Estrada, “No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contra-ordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A

  10. Ora, entre a prática dos dois factos decorreram 3 anos, o que significa que, aquando da prática do segundo crime o Recorrente tinha 9 pontos

  11. Logo, O. Mesmo que, aquando da prática do segundo crime se porventura tivesse sido proferida decisão da substracção de 6 pontos, o que reitera-se não foi, verdade que se deve dar por assente e provada e não mais pode ser retirada, o Recorrente ficaria sempre com 9 pontos, 6 pontos que dos 12 iniciais acrescidos dos 3 pontos que lhe deveriam ter sido concedidos, uma vez que “No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contra-ordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, são atribuídos três pontos ao condutor”

  12. Não podendo ser de qualquer das formas ser cancelada a licença de condução ao ora Recorrente em virtude de este nunca ter perdido a totalidade dos pontos que lhe são atribuídos, ou seja, 12 iniciais acrescidos de 3 pontos por, durante um período de 3 anos não ter praticado qualquer infracção ao Código da Estrada” Peticionando, a final: “Termos em que, e nos mais que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser revogada a sentença por nula.” O recurso foi admitido

    O MP respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): “1.º A douta sentença recorrida fez uma correta aplicação do direito aos factos e uma irrepreensível interpretação da lei

    1. No processo administrativo de cassação instaurado ao abrigo do disposto no artigo 148.º, n.º 10 do Código da Estrada, não são valorados os factos que foram objeto das decisões proferias em processo penal, transitadas em julgado

    2. É manifestamente infundada a pretensão do Recorrente em que a decisão da ANSR é nula por o procedimento por um dos crimes pelo qual foi condenado, por sentença transitada em julgado, se encontra extinto por prescrição, na medida em que terão decorrido 4 anos sobre a data da sua prática… 4.º Na verdade, o que está em causa, não é qualquer apreciação pela ANSR dos factos que conduziram à condenação do arguido/recorrente nos processos crime supra identificados, mas tão-só a existência no registo individual de condutor do registo de várias condenações em penas acessórias de proibição de conduzir, que implicam de forma automática a perda total dos pontos que o arguido tinha e consequentemente, a instauração do processo administrativo para a cassação do titulo de condução que culminou na decisão impugnada

    3. A decisão da ANSR de cassação da carta de condução do Recorrente ocorreu por efeito da perda total de pontos, não constituindo uma nova condenação pela prática dos mesmos factos/crimes que levaram à aplicação da proibição de conduzir veículos, não ocorrendo, assim, qualquer violação do princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição

    4. A cassação do título de condução é consequência automática da perda da integralidade dos pontos, como resulta do artigo 148.º, n.º 4, do Código da Estrada e não é sequer admissível qualquer margem de discricionariedade administrativa na ponderação das circunstâncias do caso concreto

    5. Essa cassação decorre de um juízo feito pelo legislador sobre a perda das condições exigíveis para a concessão do título de condução, designadamente por verificação de ineptidão para o exercício da condução, que implica o termo da concessão da autorização administrativa para conduzir

    6. Trata-se de um efeito automático, resultante da lei, não estando prevista qualquer notificação/comunicação dessa perda de pontos ao infrator - não existindo, em consequência, qualquer irregularidade na omissão por parte das autoridades em comunicar essa perda de pontos

    7. A cassação da carta de condução pressupõe a perda de pontos em consequência da condenação prévia em pena acessória de proibição de conduzir

    8. Não prevê a lei qualquer relação de alternativa entre a pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 1 do Código Penal e a cassação da carta de condução prevista no artigo 148.º do Código da Estrada, mas sim uma relação causa-efeito

    9. Não violou a douta sentença recorrida qualquer preceito legal, não merecendo a mesma qualquer reparo, pelo que, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida farão V.Exas. Justiça!” A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso

    Cumprido que foi o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer

    Procedeu-se a exame preliminar

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

    Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: “Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provados os seguintes factos: 1. O Recorrente é titular da carta de condução n.º …, emitida em …, que o habilita a conduzir, desde 05-07-1994, motociclos das categorias A, A1 e A2 e veículos ligeiros da categoria B e triciclos ou quadriciclos da categoria B1

    1. O Recorrente foi condenado, por sentença de 14-09-2017, transitada em julgado em 16-10-2017, proferida pelo Juiz 1, do Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, no âmbito do processo n.º …, pela prática, 19-02-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 (oito) meses

    2. O Recorrente foi condenado por sentença de 28-02-2020, transitada em julgado em 24-06-2020, proferida pelo Juiz 1, do Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, no âmbito do processo n.º …, pela prática, em 02-02-2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, além...

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