Acórdão nº 77/19.5GCSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 77/19.5GCSLV o arguido JF foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 202.º, al. d), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão

Inconformado com tal condenação, o arguido recorreu da sentença, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “A. Do registo criminal do arguido/recorrente não consta qualquer averbamento sendo, portanto, arguido primário nos presentes autos

B. Ao arguido/recorrente foram-lhe retiradas por duas vezes impressões digitais, a primeira em “resenha” no processo … do qual não sabemos se chegou a ser constituído arguido, mas sabemos que não foi condenado; a segunda em 2017 pela militar V sem que cumprisse os imperativos legais estabelecidos na Lei n.º 67/2017, de 9 de agosto e sob a ameaça que cometeria um crime de desobediência se não o permitisse e, como consequência, seria condenado

C. Da prova carreada para os autos não consta qualquer relatório informático ou documento que ateste a proveniência da amostra base com a qual foi comparada o vestígio lofoscópico. Se a partir da resenha de 2007 ou a partir das impressões recolhidas de forma ilegal em 2017 nos posto da Guarda Nacional Republicana em …

D. Não consta dos autos, adicionalmente, qualquer referência à validação manual por dois peritos nos termos do artigo 12.º, n.º 4 da Lei 67/2017, de 9 de agosto dos vestígios lofoscópicos

E. A custódia de prova deveria ter sido estabelecida e oficiosamente conhecida pelo Meritíssimo Juiz em sede de saneamento do processo ou em sede de audiência final

F.A utilização dos vestígios lofoscópicos tanto em sede de inquérito, como em produção de prova em julgamento, acarretam uma nulidade insanável sob a epígrafe do artigo 126.º, n.ºs 2, alínea d) e 3 do CPP; G.Todos os atos processuais subsequentes à utilização dos vestígios lofoscópico estão enfermados de nulidade devendo, nos termos e para os efeitos do artigo 122.º, n.º 1 do CPP, retroagir até ao momento imediatamente anterior à inserção dos vestígios no sistema AFIS; H. Deflui do exposto, que o recurso ao AFIS contaminou todo o processado. Tal argumentação é defendida na jurisprudência e doutrina seguida entre nós pelos Srs. Conselheiros Armindo Monteiro e Paulo Pinto de Albuquerque, respetivamente

  1. Consta dos autos a identificação de um suspeito, FG, conhecido por “R”, que trabalhava na casa da vítima e que terá deixado de falar com a mesma após o furto

J. A investigação unidirecional do Ministério Público, enquanto titular do inquérito, e da Guarda Nacional Republicana enquanto OPC, após o sistema AFIS ter dado positivo, não contemplou qualquer investigação deste suspeito; K.Na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/7/96 o facto de existir uma vestígio digital não podem conduzir à certeza processualmente exigível (negrito e sublinhado nosso) à luz dos princípios da culpa e da presunção de inocência, aqui incluindo o princípio in dubio pro reo; L.O arguido/recorrente confirmou e assumiu que esteve na residência da vítima; M. Tendo entrado por uma porta que estava aberta; N.O arguido/recorrente afirmou em sede de audiência de julgamento que não retirou qualquer bem da referida residência; O. Tendo afirmado também que os bens que foram encontrados em sua casa forma comprados na loja do “R”; P. Os objetos que foram dados com provados e furtados são contraditórios com os objetos recuperados e identificados no âmbito da execução dos mandados de busca domiciliária, pelo que nesta parte o Meritíssimo Juiz andou mal; Q. Existiu uma alteração substancial dos factos, porquanto no libelo acusatório o Ministério Público considera que os dois arguidos acusados cometerem o crime em coautoria e em comunhão de esforços, enquanto em sentença o arguido JM foi absolvido e o Meritíssimo Juiz determinou que terá sido o arguido/recorrente e outros indivíduos; R.A discrição da dinâmica do furto não faz qualquer lógico à luz das regras de experiência comum

S. Deveria, nos termos do artigo 359.º, n.ºs 1 e 4 do CPP, ter sido concedido prazo à defesa para analisar e produzir prova, o que não veio a suceder; T. Ao invés, o arguido/recorrente foi condenado por factos diversos dos descritos na acusação o que origina nulidade de sentença nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP

U.A Guarda Nacional Republicana acedeu ao sistema SAPIC sem que estivesse habilitada legalmente para tal, porquanto o acesso aos dados contantes da referida base são da competência exclusiva da Polícia Judiciária nos termos e para os efeitos da sua Lei Orgânica; V.Não consta dos auto qualquer pedido ou autorização de acesso aos mesmos pelo que, nos termos e para os efeitos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei 67/98, em vigor à data dos factos, quem aceder aos dados comete um ilícito criminal

W. Estabelece o artigo 126.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal que são nulas as provas obtidas mediante a intromissão na vida privada, sendo que se o uso dos métodos de obtenção de prova previstos neste artigo constituírem crime, podem estas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes que o praticaram; X.A utilização da ficha biográfica constitui uma nulidade insanável, não podendo ser utilizada como prova. A este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 3228/2007-3, de 18.01.2007, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Carlos Almeida; Y.Concomitantemente, e tendo em consideração que a ficha biográfica e resenha foram realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 352/99, de 3 de setembro, terão de ser retiradas do processo todos estes elementos, incluindo, se for caso disso, as impressões digitais do sistema; Z. Pelo exposto, deveria ter sido ordenado o desentranhamento dos autos de todas as fichas biográficas e, consequentemente, a sua destruição, o que aqui se requer; AA. A matéria constante do Decreto-Lei n.º 352/99, de 3 de setembro é da competência, relativamente, legislativa da Assembleia da República, porquanto a matéria enquadra-se, sem grandes dúvidas, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa; BB.A falta de autorização legislativa reconduz, naturalmente, a uma inconstitucionalidade formal orgânica, a qual expressamente se argui para ser debatida em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade; CC. Deverá, pelo exposto, ser o arguido/recorrente absolvido

Ad Cautelam DD. A pena imposta ao ora recorrente é excessiva e deve ser reduzida para a medida que mais se aproxime do respetivo limite mínimo; EE. A condenação em pena de prisão efetiva é pouco criteriosa e claramente exagerada

FF. Por mero dever de patrocínio sempre se dirá que a pena de prisão deverá ser reduzida e suspensa na sua execução, uma vez que só assim se atingirá um desiderato suficiente e adequada à finalidade de punição; GG. A interpretação do Tribunal a quo no sentido da não suspensão da pena de prisão colide com direitos constitucionalmente consagrados, mormente o da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, 2.ª parte da Constituição da República Portuguesa; HH. A fundamentação para a determinação da medida da pena, nomeadamente no que respeita à valorização da condenação anterior, é claramente contraditória ao longo da sentença; II. Porquanto o arguido é primário e está socialmente inserido na sua comunidade e na comunidade que o rodeia; JJ. Pelo que, por mero dever de patrocínio, deverá ser revogada a parte da sentença que condena o arguido em pena de prisão efetiva e substituída pela pena de prisão reduzida e suspensa na sua execução; NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” # O Ministério Público respondeu ao recurso, sem ter apresentado conclusões e pugnando pela improcedência total do mesmo

Cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., o recorrente apresentou resposta em que, no essencial tece críticas à dimensão do parecer e reitera o anteriormente alegado na motivação e recurso

2 – Para esse efeito, o arguido JF fazendo uso de objecto não determinado, cortou a rede da vedação que delimita a propriedade, subiu o respectivo muro onde a mesma se encontrava colocada, e introduziu-se no seu interior

3 – Nessas circunstâncias de tempo e lugar, fazendo uso de um objecto não concretamente apurado, o arguido JF forçou a persiana do quarto da assistente, partiu a janela e introduziu-se no seu interior, percorrendo todos os compartimentos da habitação

4 – O arguido JF retirou e fez seus, pelo menos, os...

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