Acórdão nº 96/18.9T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA, solteira, maior, enfermeira, NIF ..., residente na Travessa ..., ..., ..., ..., ..., instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, SA, alegando essencialmente que, em Fevereiro de 2015, ocorreu um acidente de viação que consistiu numa colisão entre o veículo ligeiro de passageiros de que a A. é proprietária, com a matrícula ..-..-MJ, e o veículo ligeiro de passageiros seguro na R., propriedade de BB, sua condutora e única culpada, como assumiu a própria R.

Do acidente resultaram vários danos patrimoniais e não patrimoniais, pessoais e materiais, para a A. que a R. deve reparar e que contabilizou assim: - Perda do veículo e despesas com deslocações, exames médicos, medicamentos e consultas cujo valor a R. já pagou parcialmente, estando em falta € 889,14; - Perdas salariais: € 14.765,60; - Danos não patrimoniais, incluindo privação do uso do veículo: € 24.000,00; - Danos patrimoniais, pelo défice funcional permanente de 2 pontos: € 40.000,00; e ainda, - Indemnização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que poderão ocorrer no futuro com o agravamento do seu estado físico e psíquico, que importem despesas no futuro com consultas, exames, medicamentos e tratamentos por causa das lesões sofridas e que continua ainda em tratamento, na sequência do acidente de que foi vítima, a liquidar em execução de sentença.

A estes valores fez acrescer o pagamento de juros de mora sobre cada um deles, a contar da citação.

Deduziu pedido condenatório em conformidade.

Citada, a R. reconheceu a culpa da sua segurada, mas impugnou parcialmente os factos relacionados com as consequências do acidente, considerando exagerados os valores das indemnizações peticionadas.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador a que se seguiram a identificação do objeto do litígio e os temas de prova.

Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente: A) condena a Ré Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros, S.

A.

a pagar à Autora AA o seguinte: a) a quantia de € 32.173,55 a título de danos patrimoniais e dano biológico, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 24 de Janeiro de 2018, até integral e efetivo cumprimento; b) a quantia de € 18.000, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a presente data, até integral e efetivo cumprimento; B) absolve a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora.

Custas a cargo da Autora e da Ré na proporção de 63/100 e 37/100, respetivamente.

(…)».

Inconformadas com a sentença, recorreu a A. e a R. de apelação.

Em acórdão, a Relação ...

proferiu a seguinte decisão: «Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da A. e a apelação da R. parcialmente procedentes e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se a R. Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros, S. A. a pagar à A. AA: a) A quantia total de € 20.173,55 a título de danos patrimoniais[1] e dano biológico, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde 24 de janeiro de 2018, até cumprimento integral e efetivo; b) A quantia de € 15.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a data da sentença, até cumprimento integral e efetivo; c) As quantias relativas às consultas médicas e aos medicamentos que a A. suportar no futuro por causa de dores que venha a sofrer em consequência das lesões sofridas no acidente, a liquidar oportunamente.

No mais, absolve-se a R..».

** De novo inconformada, vem a Autora AA interpor recurso de Revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: 1º Deve por Vª Exas, ser admitido o presente recurso de revista normal, ao abrigo do disposto nos artigos 629, nº 1 e 671º, nº1 do CPC., o que se requer a V.ª Ex.ªs., por estarem preenchidos os seus requisitos legais, a causa ter valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada ter sido desfavorável à aqui recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, conforme melhor fundamentado supra na nossa motivação.

  1. O tribunal de primeira instância avaliou o dano biológico em € 28.000,00, a aqui recorrente recorreu para o tribunal da Relação pedindo que fosse fixado em 40.000,00, e o tribunal da relação na decisão de que ora se recorre, reduziu o valor atribuído na 1ª instância para €16.000,00, um decaimento muito significativo para a aqui recorrente de € 13.925,26 (inclui os juros legais referidos na sentença e que dela são parte integrante), de que frontalmente se discorda.

  2. Com o devido respeito, o tribunal “a quo“ não valorizou convenientemente ou desvalorizou o trabalho que é realizado pelos enfermeiros e o seu grau elevado de exigência, que têm como missão principal salvar vidas, ajudar, cuidar dos pacientes, e que para isso têm de ser eficazes, rápidos e ágeis nas suas respostas que têm de dar no exercício da sua profissão.

  3. Não se pode comparar a profissão da vítima, aqui recorrente, com outro tipo de profissão, pois cada uma tem as suas especificidades e exigências, mas quando a vida de uma pessoa depende de um profissional de saúde, seja ele médico ou enfermeiro, a responsabilidade e exigência torna-se evidentemente muito maior, é enorme, pois a vida é o bem mais valioso e precioso que temos.

  4. A recorrente no exercício normal da sua profissão, não pode cumprir cabalmente, como o fazia até à data do acidente, as exigências que lhe são pedidas pela sua profissão, nomeadamente de rigor, rapidez e eficiência na assistência quer aos pacientes quer ao cirurgião no bloco operatório (como provado em 39.), dado que perdeu agilidade (ponto 66 da matéria provada) e não pode agora fazer determinados movimentos mais bruscos (entenda-se mais inesperados ou súbitos como lhe exige frequentemente o exercício da sua profissão, como, nomeadamente, entre outros, em trabalhos que exigem muita tensão e atenção no bloco operatório onde por regra mais está, passar ou facultar ao cirurgião os instrumentos ou material cirúrgico que este necessita e lhe pede quando está a operar, ou ainda a passagem de doentes das macas para as marquesas) para poder ser rápida e eficiente na assistência que tem de dar aos pacientes e ao cirurgião, pois, quando precisa de fazer esses movimentos mais súbitos e que têm de ser rápidos, fica com a sensação de desequilíbrio. É evidente que não pode. É evidente que estes danos lhe passaram a limitar, limitam e vai continuar a limitar, o normal exercício da sua profissão. E com o passar dos danos, cada vez vai ser pior.

  5. A jurisprudência tende a ser mais atualista e evolutiva, e diferenciar a importância e exigência das profissões que usa na sua análise comparativa dos casos que indica, caminho este, com o devido respeito, que não foi o seguido pelo tribunal “a quo”.

  6. Em consequência do acidente, para além do atrás dito, a recorrente ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 3 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas com os esforços suplementares e necessidade de moderação de trabalhos (o que para esta profissão como supra já se deixou dito na motivação se torna muito difícil de nestas condições poder ser exercida) 8º Contrariamente ao referido no douto acórdão recorrido (que se limitou a dizer, que, “Dada a idade da lesada e a sua alargada ocupação, não se augura progressão significativa na carreira”), aquela incapacidade permanente geral que lhe foi reconhecida, afeta consideravelmente não só o dia a dia do exercido da sua profissão, mas a progressão na carreira da recorrente, que podia, não fosse o acidente, ser até significativa, dado que a aqui recorrente, ainda tinha e tem muitos anos pela frente, pois à data do acidente, tinha apenas 51 anos de idade.

  7. Na valoração deste dano, o tribunal “a quo” deveria ter em conta os prejuízos que com grande probabilidade ocorrerão e que se prendem com as dificuldades, para além do exercício normal da profissão, na progressão da carreira, na execução de outros trabalhos em outras instituições de saúde e no exercício das atividades no âmbito do SIGIC ( Sistema Integrado de Gestão de inscritos para cirurgia).

  8. Há cirurgias que demoram horas a finalizar, os enfermeiros instrumentistas têm de ser rápidas, eficazes e ágeis no auxilio que dão e devem dar com rapidez e prontidão ao cirurgião, sob pena de porem em causa o sucesso de uma intervenção cirúrgica e a saúde do paciente e a sua própria vida, além de terem de passar essas horas todas sempre em pé, e para isso, têm de ter saúde, o que a aqui recorrente, infelizmente, deixou a partir do acidente de poder contar ou ter, tal como a que tinha ou contava antes de ser vitima deste acidente.

  9. A agilidade, destreza e equilíbrio corporal são de extrema importância para que a recorrente possa exercer convenientemente e normalmente os seus serviços.

  10. O Tribunal “a quo“ não deu também aqui a devida importância a esta perda, que é muito significativa e relevante para uma enfermeira instrumentista, que executa também trabalhos a laser, que não pode de maneira alguma perder a agilidade e o equilíbrio, que são fatores ou qualidades de extrema importância, e a sua perda é de extrema gravidade e de graves consequências.

  11. De acordo com todo o contexto factual, e da matéria dada como provada e demais prova documental, é de concluir que as limitações físicas da recorrente, que se objetivou numa incapacidade permanente de 3 pontos, afetam-na em muito na sua atividade profissional, pois trata-se de sofrimentos físicos, que lhe causam e irão futuramente causar ainda e diariamente o seu exercício normal da atividade e o grande risco de perder oportunidades de trabalho, que já...

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