Acórdão nº 305/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 305/2022

Processo n.º 1290/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA (A., SA) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC) do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) que, negando provimento ao recurso interposto pela recorrente, confirmou a sentença em 1.ª instância.

A., SA propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada Impugnação Judicial contra o indeferimento pela Autoridade Tributária (AT) da reclamação graciosa a respeito da (auto)liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) referente ao ano de 2017 no valor de € 1.289.924,74 e respetivos juros compensatórios, no valor de € 1.228,50.

Por sentença de 30.04.2021, o TAF de Almada julgou a impugnação judicial improcedente e, por resposta, A., SA dela recorreu para o TCA Sul.

O TCA Sul negou provimento ao recurso por acórdão de 11.11.2021, confirmando na íntegra a sentença recorrida.

2. A., SA recorreu depois para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.

Pela decisão sumária n.º 131/2022, o relator decidiu apreciar o mérito do recurso na fase de exame preliminar, conquanto o respetivo thema decidendum se cingia a matérias objeto de jurisprudência consolidada por este Tribunal Constitucional.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) o recurso interposto por A., SA visa a fiscalização concreta do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31.12, que vigorou durante o ano de 2017, ex vi artigo 264.º da Lei n.º 42/2016 de 28.12.

O artigo 12.º do regime da CESE respeita à não-dedutibilidade da contribuição para efeitos de computação de custos em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, ao passo que o demais (artigos 2.º-4.º e 11.º) reporta à sua incidência subjetiva (artigo 2.º), objetiva (artigo 3.º), estatuto de isenções (artigo 4.º), a alocação da receita libertada pela contribuição ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (artigo 11.º, n.º 1), sua natureza e regras relativas ao seu funcionamento e articulação com outras entidades públicas (artigo 11.º, n.ºs 2 a 5). A recorrente suscita a violação, por este programa normativo, do princípio da capacidade contributiva e da equivalência (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), da liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa), da propriedade privada (artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa) e da não-consignação (artigo 105.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).

O ra, sucede que estas mesmas questões, com a extensão colocada, foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 7/2019, que decidiu “ Não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro”, posicionando-se pela conformidade para com Constituição das normas ora sindicadas, bem como da CESE cujo regime legal delas deriva. Foi entendimento adotado no sobredito aresto que a CESE escapava ao conceito (e regime jurídico próprio) do imposto (por não constituir receita destinada a satisfazer toda a despesa pública) e da taxa (que se entende contrapartida de uma prestação pública de que beneficia o obrigado tributário), sendo qualificável como contribuição financeira a entidades públicas (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015) e, como tal, inserindo-se num tertium genus que não partilha o regime jurídico de nenhuma daquelas duas classes de tributos (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 152/2013, 365/2008 e 613/2008). Alocada ao financiamento de Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (artigo 11.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE) e destinada a financiar “mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético” (artigo 1.º, n.º 2), a CESE acha-se construída de acordo com uma ótica interna de despesa, justificando a incidência contributiva sobre os operadores no setor energético por a atividade financiada se repercutir positivamente na sua atividade (bilateralidade genérica, potencial ou difusa).

Devendo ser qualificada como contribuição, não como imposto, mais foi entendimento do Tribunal Constitucional que a CESE não enfermava de vício de inconstitucionalidade material, designadamente por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) na vertente de obrigação de equivalência (ou de justiça fiscal na incidência e quantificação da contribuição). A CESE compreende-se por ter abrangido os operadores no setor energético com a participação nos custos de estabilização do sistema coevo ao ramo económico. A constituição de uma entidade administrativa (o FESSE), dotada de órgão executivo autónomo, que tem por única missão obter e preservar a estabilidade e equilíbrio do setor energético e que, para esse propósito, absorve todas as receitas libertadas pela CESE, é, de si, evidente penhor do cariz comutativo e bilateral do tributo, acentuando a importância do objetivo que preside à contribuição. Assim, não se observa tensão entre a contribuição e o princípio da igualdade na subvertente de equivalência: o encargo a que a recorrente fica sujeita por via da CESE não se pode entender desproporcionado face às contrapartidas de que beneficia, repelindo a qualificação apontada de tributo discriminatório.

Oferecendo continuidade a esta ordem de motivos e orientação de fundamentos, o Tribunal Constitucional concluiu também no aresto que a CESE não representava uma ingerência desproporcionada (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) no direito à iniciativa económica (artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa), observando tratar-se de um regime contributivo compatível com a liberdade em causa, orientada por um padrão de interesse público ajustado ao sacrifício que importa e porque o seu regime legal elege os respetivos obrigados tributários de acordo com critérios fundados e atendíveis. A excecionalidade da CESE e a sua qualificação como contribuição (e não imposto), por fim, justificam de forma consistente a consignação do receito às finalidades eleitas por Lei, sem que se incorra em qualquer problema de constitucionalidade face ao princípio geral de não-consignação de receitas (artigo 105.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).

Cabe também notar que o entendimento adoptado no acórdão tem sido repetidamente reiterado pelo Tribunal Constitucional.

Os exemplos são muito numerosos mas, por proximidade com a temática destes autos, assinalamos que, com relação à CESE referente ao exercício de 2016, debruçaram-se sobre a constitucionalidade do seu regime de incidência e natureza jurídica (artigos 2.º-4.º e 11.º), bem como quanto de desconsideração como custo fiscal (artigo 12.º), os acórdãos com os n.ºs 532/2021, 513/2021, 436/2021 e 756/2021 e as Decisões Sumárias com os n.ºs 358/2021, 422/2021 e 670/2021. Em todos estes casos renovou-se o sentido decisório do aresto e a doutrina nele contida, sem qualquer divergência assinalável face ao entendimento primeiro adotado.

Em especial quanto à liquidação de CESE no exercício de 2017, como é o caso do ato tributário que subjaz aos presentes autos, o Tribunal Constitucional teve também já basta oportunidade para renovar o entendimento quanto ao mesmo programa normativo, aplicável por força da Lei n.º 42/2016 de 28.12. São manifestações disso mesmo os acórdãos n.º 736/2021 e 732/2021 (ressalvando que este último se haja cingido à questão da não-consideração da CESE como custo para efeitos de apuramento de lucro tributável em IRC).

Pelo exposto e levando em conta a consistência e o cariz uniforme da Jurisprudência constitucional nesta matéria, também porque a recorrente não suscitou qualquer nova questão normativa, nem apela à violação de outros parâmetros de Direito Constitucional que pudessem levar a revisitar o problema ou observá-lo por novo prisma, igualmente porque não se divisa fundamento para reavaliar o entendimento firmado, importa reiterar o juízo adotado pelo acórdão n.º 7/2019, afastando a censura de inconstitucionalidade sobre as normas sindicadas.

2.2. Justifica-se, por conseguinte, a qualificação do caso sub iudicio como de excecional simplicidade na aceção contida no artigo 78.º-A, n.º 1, 2.ª parte, da LTC, decidindo-se o recurso já na presente sede de exame liminar ao abrigo deste articulado legal por decisão sumária do relator.”

3. O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…) vem pelo presente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78a-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), dela deduzir RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos que se seguem:

1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou a inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso em vários Acórdãos e Decisões Sumárias, nos quais se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º. 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético" (CESE).

2. A Decisão Sumária...

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