Acórdão nº 0316/18.0BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………, S.A.

, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 28-06-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação que intentara contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) nº 27000001127, relativa ao ano de 2016, no montante de €185.976,25, absolvendo a Fazenda Pública dos pedidos.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……….., S.A.

, as seguintes conclusões: Erros de julgamento Natureza da CESE 1.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional proferida no Acórdão n.° 7/2019, de 08.09, acolhida na sentença recorrida e que aqui merece todo o respeito, por um lado não possui força obrigatória e geral, produzindo efeitos apenas no âmbito do processo onde foi proferido, e, por outro lado, a decisão que comporta está temporalmente limitada, pelos poderes de cognição assumidos por aquele Tribunal Constitucional, ao ano de 2014. Na apreciação desta questão são essenciais aspectos do Regime Jurídico da CESE, supervenientes a 2014, ano a que o Acórdão expressamente limita a sua apreciação, que permitem melhor compreender o tributo aqui em causa.

  1. O contexto em que o legislador português aprovou (cf. artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – “Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014”) o regime da CESE, a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2014, teve em vista, principalmente, financiar os custos decorrentes das opções políticas adoptadas no sector de produção de energia eléctrica, designadamente a redução da dívida tarifária associada à assunção dos CIEG.

  2. A vigência desta contribuição foi sendo sucessivamente prorrogada, mantendo-se ainda em vigor. Com efeito, o Regime Jurídico da CESE foi aprovado pelo artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) com início de vigência em 01.01.2014 alterado e prorrogado pelas Lei n.º 13/2014, de 17 de Março; Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro; Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015); Lei n.º 159-C/2015, de 30 de Dezembro (Prorrogação de receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015); Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017); Lei n.º 114/2017, de 29 Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018); Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019); Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2020); Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2021).

  3. Esta contribuição é devida pelas pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades relacionadas com a exploração de centros electroprodutores, que sejam titulares de licença de produção de electricidade, concessionárias de actividades de transporte ou de distribuição de electricidade, concessionárias de actividades de transporte, distribuição ou de armazenamento de gás natural, titulares de licença de distribuição local de gás natural, operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento ou distribuição de produtos de petróleo, comerciantes grossistas de electricidade, de petróleo bruto ou de produtos de petróleo, com domicílio fiscal ou com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português a 1 de Janeiro de 2018.

  4. Não obstante a norma de incidência subjectiva o regime da CESE prevê inúmeras isenções, abrangendo actividades/entidades que, apesar de integrarem o sector energético não têm esta obrigação tributária.

  5. Em termos de incidência objectiva, a CESE incide sobre o valor dos elementos do activo que respeitem a activos fixos tangíveis, activos fixos intangíveis (excepto os elementos provenientes de propriedade intelectual) e activos financeiros afectas às concessões ou às actividades licenciadas supra referidas (artigo 3.°, n.° 1 do regime jurídico da CESE), considerando-se como "valor dos elementos do activo", para estes efeitos, o valor dos activos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos (artigo 3.°, n.° 4, do regime jurídico da CESE).

  6. Contudo, se a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo for uma actividade regulada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a CESE incide sobre o valor dos activos regulados, caso esse valor seja superior ao valor dos elementos do activo, conforme previsto no artigo 3.°, n,° 3 (na redacção à data dos factos, e actual n.° 4), do regime jurídico da CESE. Em virtude da alteração introduzida ao regime jurídico da CESE pela Lei n.° 33/2015, de 27 de Abril, a CESE incide igualmente sobre o valor económico equivalente dos contractos de aprovisionamento de longo prazo, em regime de take-or-pay, dos sujeitos passivos comercializadores do SNGN.

  7. De acordo com o artigo 1.° do Regime Jurídico da CESE, o tributo teria um objetivo dúplice, sob a égide da finalidade geral de promoção da sustentabilidade sistémica do sector: 1) redução do défice tarifário do sector elétrico e 2) financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético. Sendo que, a afetação a essas duas subfinalidades seria de um terço da receita para a primeira e de dois terços para a segunda, afetação que resulta igualmente do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de abril, diploma que cria o FSSSE.

  8. Em face das enunciadas finalidades que presidiram à criação da CESE, verifica-se no cerne das mesmas um objetivo de arrecadação de receitas com vista ao custeio de despesas públicas. Esse é, pois, o objetivo principal assumido no relatório do Orçamento do Estado e no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 55/2014, qual seja o do contributo do sector para o esforço de consolidação orçamental.

  9. A afetação preponderante ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético é de tal modo vaga e indeterminada, face à ausência de concretização de qual a atividade do Fundo nesse âmbito, que não se divisa uma prestação pública concreta.

  10. As incumbências do FSSSE, enquanto património autónomo sem personalidade jurídica, criado no âmbito do Ministério do Ambiente, Ordenamento o do Território e Energia, ao reconduzirem-se genericamente à promoção de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, não se distinguem, com especificidade, das incumbências estaduais gerais a prosseguir pela administração central.

  11. No que concerne à natureza extraordinária da CESE, é difícil, volvidos 7 anos de vigência deste tributo, sustentar a natureza transitória do tributo. Por esta razão o legislador, sentindo necessidade de “balizar” a sua vigência, veio alterar o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro de 2018 (com entrada em vigor no dia seguinte), o qual passou a prever, na sua alínea a), que “As verbas do FSSSE são afetas aos seguintes fins: a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º [financiamento de políticas de cariz social e ambiental relacionadas com medidas de eficiência energética] no montante até um terço da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior [o produto da CESE]” (sublinhado nosso). Mais se dispondo, no n.º 4 da mesma norma (também objecto de alteração) que “A percentagem da alocação de verbas prevista na alínea a) do n.º 2 é definida por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia”.

  12. Ora, como visto e bem frisado pela ERSE no “Parecer da ERSE sobre a Proposta de Alteração do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético e do DL 55/2014, de 9 de Abril”, com a alteração do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro de 2018, o legislador assumiu duas importantes realidades que (i) a imposição da CESE tem como prioridade a cobertura da dívida tarifária e que (ii) pretende balizar o caracter temporário (extraordinário) da CESE, tornando-o dependente da evolução dessa dívida. E estas conclusões vêm lançar luz sobre as dúvidas quer quanto ao carácter transitório do tributo quer quanto à (quase) total ausência as alegadas políticas do sector energético que o mesmo “declara” financiar. Posto isto, 14.

    A ser considerada uma contribuição financeira, como sustenta o Tribunal a quo, a CESE pressuporia, desde logo, a homogeneidade dos sujeitos passivos a que se dirige, para além da existência de um nexo causal entre a obrigação tributária e a finalidade do tributo e da correspondência entre o encargo suportado e o benefício (prejuízo) obtido (causado).

  13. O grupo de sujeitos passivos a que a contribuição aqui em causa se dirige carece de homogeneidade. E esta questão não pode ser apreciada sem referência à própria finalidade do tributo.

  14. O sector energético é composto por vários subsectores que, tendo em comum o simples facto de operarem no ramo da energia, são muito distintos, designadamente da perspectiva do ónus que impõem à actividade pública do Estado. De facto, o sector da energia divide-se tradicionalmente em três subsectores aos quais correspondem 3 grandes sistemas nacionais: o da electricidade, o do gás natural e o petrolífero. A Impugnante, ora Recorrente, enquanto comercializadora de gás de petróleo liquefeito, integra-se no SPN.

  15. É a remuneração regulada do SEN, que está na origem do défice tarifário, que ameaça a sustentabilidade do sector eléctrico nacional e reflexamente do sector energético português. Circunstância que permite, desde logo, afirmar que foi o próprio Estado que, em razão das políticas adoptadas no seio do SEN, causou o custo que ora se pretende essencialmente compensar pela CESE e são os consumidores de energia eléctrica que em última linha...

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