Acórdão nº 02555/13.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“B…………, S. A.”, notificada da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial - por si deduzida contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente à autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do ano de 2009, no montante global de € 804.986,30 - com fundamento em “intempestividade da apresentação do pedido de revisão” e declarou prejudicadas as demais questões suscitadas, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2.

Tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: «A.

Na justa medida em que a Impugnante demonstra cabalmente a aplicabilidade in casu do recurso ao pedido de revisão ínsito no artigo 78.º da LGT, não pode o tribunal a quo concluir no sentido em que o fez.

B.

Ao fazê-lo o Tribunal incorreu em violação do referido dispositivo, eximindo-se ao conhecimento do mérito da causa e obstando à plena concretização da Justiça.

C.

Assim, o Tribunal incorre em erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no artigo 123º do CPPT e do artigo 607º do CPC, aplicado por remissão expressa da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

D.

Com efeito, o pedido de revisão do acto tributário consubstancia um legítimo expediente tendo em vista a anulação de actos ilegais decorrentes da actuação da AT, sempre que o erro conducente à respectiva ilegalidade seja imputável aos serviços da mesma.

E.

Como não pode deixar de o ser, a “Administração fiscal tem o dever de respeitar a legalidade na reapreciação (obrigatória, se requerida)”, e, por seu turno, o particular “terá direito a que não seja mantido um acto desfavorável ilegal” (autor e obra citada), o que, claramente, se verificou na situação em apreço.

F.

Com efeito, é manifestamente ilegal o acto tributário em causa, por ter sido emitido ao abrigo de uma interpretação e aplicação erradas do Direito por parte da AT, sendo igualmente pacífico, na doutrina e jurisprudência, o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da AT, o erro em questão é imputável àqueles serviços.

G.

Estabelecem o n.º 2 do artigo 266º da Constituição e artigo 55º da LGT a obrigação genérica de a AT actuar em plena conformidade com a lei, pelo que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.

H.

Aliás, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada por erro. Neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 12/12/2001, proferido no recurso n.º 026233, disponível in “Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo”, ano V, tomo 1, pág. 161, aludido, com assentimento, por DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in “Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada”, 3.ª edição, Lisboa 2003, pág. 406, nota de rodapé n.º 225.

I.

Com efeito, o pedido de revisão cujo indeferimento se impugna teve por objecto um acto de liquidação de IRC que a Impugnante reputa de ilegal, por ter sido emitido ao abrigo de uma interpretação e aplicação erradas do Direito.

J.

Ora, é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da AT, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação do contribuinte, o erro em questão é imputável àqueles serviços.

K.

De facto, uma vez que tudo o que pode ser feito oficiosamente, pode ser também feito a pedido dos interessados, nada impede que, mesmo nos casos em que, segundo o artigo 78º, a revisão é da iniciativa da Administração, aqueles lhe requeiram esse procedimento: se o contribuinte estiver dentro dos prazos em que a Administração pode rever o acto e solicitar essa revisão com base num dos fundamentos com que a mesma àquela é permitida (onde se inclui o erro imputável aos serviços), o pedido é idóneo e tempestivo.

L.

A Doutrina e a Jurisprudência são, quanto a isto, unânimes.

M.

Sublinhe-se, a título de conclusão, que, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/12/2006, proferido no âmbito do recurso n.º 0402/06, o “…meio procedimental de revisão do acto tributário constitui um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os actos de liquidação de tributos.” N.

Logo, apresentando a Impugnante o presente pedido de revisão do acto tributário com base em erro imputável aos serviços, nos termos em que o fez, o pedido é conforme ao disposto no n.º 1 do artigo 78º da LGT e é, dessa forma, válido e legítimo».

1.3.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso e determinada a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios, invocando, nuclearmente, em abono desta sua posição, vários acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo que firmaram já jurisprudência em sentido oposto ao julgado.

1.5.

Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos e nada mas obstando a que se decida, submetem-se os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO 2.1.

Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2.

No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, é apenas uma a questão a decidir: saber se o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC apresentado pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT) reunia ou não os pressupostos legais para ser apreciado e deferido pela Administração Tributária.

3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou provados os seguintes factos: 1.

Por requerimento da Impugnante, “B…………, S.A.”, entrado no Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim em 06.12.2012, foi solicitada a revisão do ato tributário referente ao IRC do exercício de 2009, nos termos e com os argumentos constantes do documento identificado e que faz fls. 102 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, também junto no processo administrativo relativo à revisão oficiosa apenso aos autos; 2.

Com o pedido de revisão oficiosa juntou três documentos, comprovativos de entrega de declaração Modelo 22; relatório e contas do exercício de 2009 e comprovativo de entrega de declaração IES (Informação Empresarial Simplificada) referente também ao exercício de 2009 – cf. documentos 1, 2 e 3 juntos com o pedido de revisão oficiosa, constantes do processo administrativo respectivo a fls. 17 a 243, numeração do suporte físico; 3.

Em sede de decisão do pedido de revisão oficiosa, pela Administração Tributária e Aduaneira, Unidade dos Grandes Contribuintes – Divisão de Gestão e Assistência Tributária, foi...

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