Acórdão nº 2630/12.9BELRS 01385/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A A………….. WIND ENERGY PORTUGAL- ENERGIA EÓLICA UNIPESSOAL, Lda, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, em 30 de Junho de 2017, julgou improcedente a impugnação judicial que havia deduzido contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos meses de Fevereiro, Março e Novembro de 2009, perfazendo o valor de €1.666.710,02, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: I - A mera repercussão ao fornecedor do exacto montante das despesas que o cliente suportou com a reparação/substituição de bens adquiridos dentro do período de garantia não é direccionada à obtenção de receitas – remuneração – de modo contínuo, pelo que carece de carácter económico.

II - No caso concreto, essa repercussão não foi realizada a troco de uma contrapartida do fornecedor, mas tão-somente para reaver os custos em que o cliente (Recorrente) incorreu para executar uma tarefa que estava a cargo do fornecedor por decorrer da garantia de bom funcionamento do produto incluída no preço de venda, ou seja, como um direito de regresso.

III - O que equivale a dizer que a operação em causa foi efectuada a título gratuito.

IV - A ausência de onerosidade retira, legal e automaticamente, a operação do campo de incidência do IVA, na medida em que não estão reunidos os requisitos essenciais para a sua qualificação como uma operação tributável e, por maioria de razão, como uma prestação de serviços.

V - O primeiro erro da decisão recorrida consistiu em perscrutar a existência de uma operação tributável a partir da dedução do imposto, isto quando, à luz do disposto no artigo 168.º da Directiva do IVA e nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, o raciocínio é precisamente inverso.

VI - Conceber uma transacção tributável – em concreto, uma prestação de serviços da Recorrente à A……….. Índia – a partir da dedução do imposto contraria não só a dinâmica do IVA como a realidade material das relações entre as partes.

VII - Essa dedução do imposto foi – validamente – efectuada pela Recorrente porque os custos com a reparação/substituição das pás foram suportados para permitir que esses bens estivessem em condições de ser entregues aos seus clientes em território nacional e por estes utilizados para os fins a que se destinam (cf.

artigo 921.º do CC).

VIII - Tais custos estavam, pois, directa e imediatamente relacionados com a actividade económica da Recorrente - a montagem, exploração e manutenção de aerogeradores aos seus clientes (cf.

alíneas a) e e) dos factos provados) -, sendo, por isso, o respectivo IVA dedutível, o que a Administração Tributária não questiona (cf.

acórdão do TJUE n.º C-132/16).

IX - O segundo erro da decisão recorrida resultou em ficcionar uma prestação de serviços para sujeitar a imposto um mero redébito de despesas, sem acréscimo, no contexto da reparação de defeitos de produtos no período de garantia.

X - Trata-se de um simples fluxo monetário que não gera valor acrescentado para nenhuma das partes, antes se destina, apenas, a recuperar um custo previamente suportado, pelo que o cliente não exige ao fornecedor, nem obtém deste, uma contrapartida ou remuneração.

XI - Ora, se, de acordo com o TJUE, a mera incerteza quanto à obtenção de uma remuneração basta para afastar a operação do âmbito de incidência, outra não pode ser a solução para a situação em que aquando a transacção não tem, comprovadamente, qualquer contrapartida (cf.

acórdãos do TJUE n.ºs C-520/14 e C-432/15).

XII - De facto, em diversas ocasiões a Administração Tributária considerou que os redébitos de despesas pelo seu valor exacto - i.e.

, sem incluir qualquer margem (mark-up) - não são prestações de serviços e estão fora do âmbito de incidência do IVA.

XIII - A título de exemplo, veja-se o Ofício-Circulado n.º 32344, de 14 de Outubro de 1986, e o Ofício-Circulado n.º 30019, de 4 de Maio de 2000, ambos da Direção de Serviços do IVA; a ficha doutrinária no processo n.º C284 2003004, de 10 de Fevereiro de 2006; a Circular n.º 16/2011, de 19 de Maio de 2011; e a ficha doutrinária emitida no processo n.º 7386, de 22 de Outubro de 2014.

XIV - Veja-se, ainda, o § 1 do Ofício-Circulado n.º 49424, de 4 de Maio de 1989, da Direção de Serviços do IVA, plenamente aplicável ao caso concreto, que estabelece que “As reparações efectuadas, no decurso do chamado período de garantia, só se consideram operações não sujeitas a imposto, enquanto efectuadas a título gratuito, na medida em que sempre se entendeu que elas se encontram tacitamente incluídas no preço de venda” (sublinhado nosso).

XV - A este respeito, cumpre trazer à colação o acórdão do TJUE n.º C-77/01, de 29 de Abril de 2004 (EDM), do qual é possível extrair que se o redébito de uma despesa é feito pelo seu montante exacto – sem margem, como sucede in casu – não existe remuneração e, por conseguinte, não há operação tributável em IVA.

XVI - Refira-se, também, o acórdão n.º 02454/04.7BEPRT do Tribunal Central Administrativo Sul, de 3 de Maio de 2012, de onde consta que “a compensação, pelo fabricante, dos prejuízos suportados pelo distribuidor na reparação de defeitos de viaturas automóveis que àquele [fabricante] devam ser imputados é uma atribuição patrimonial que não tem subjacente nenhuma operação com substância económica, porque não está em causa a exploração de factores de produção com o objectivo de intervir no mercado de venda ou reparação de veículos, mas a erosão do valor patrimonial auferido na venda pretérita do veículo” (sublinhado e destaque nossos).

XVII - Atento o paralelismo entre as situações fácticas e a unidade do regime jurídico aplicável, a orientação do Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão n.º 02454/04.7BEPRT deve ser seguida no presente caso, em nome da regra geral contida no artigo 8.º, n.º 3, do CC, corolário do princípio constitucional da igualdade.

XVIII - Recorde-se que num caso em tudo idêntico ao presente a Administração Tributária revogou, oficiosamente, as liquidações adicionais de IVA (cf.

requerimento apresentado pela ora Recorrente em 11 de Outubro de 2013 (referência 005622959) e as alegações escritas apresentadas em primeira instância).

XIX - Em respeito aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, todos com assento constitucional, a Administração Tributária não podia adoptar soluções divergentes perante circunstâncias substancialmente idênticas, como fez.

XX - Em relação à questão do redébito a sociedades do grupo A…………… sedeadas noutros Estados-Membros de despesas com serviços de telecomunicações pagas pela Recorrente por conta destas, existe um défice de fundamentação, bem como uma contradição, da sentença recorrida.

XXI - É que não se esclarece como um redébito que, reconhecidamente, não constitui uma prestação de serviços nem se encaixa em nenhuma das outras categorias de operações tributáveis – e por isso não está sujeito a IVA – pode, afinal de contas, dar origem à liquidação desse imposto.

XXII - O Tribunal a quo não podia recorrer ao disposto no artigo 6.º, n.º 4, do CIVA para fundamentar a legalidade da liquidação, na medida em que essa norma só se aplica às prestações de serviços – o que, como o próprio reconhece, não é o caso deste redébito.

XXIII - Quanto à pretensa “necessidade” de liquidar IVA no redébito das despesas para assegurar o princípio da neutralidade, ao não identificar a concreta norma ou princípio que a determina, a sentença ofendeu o dever legal de fundamentação das decisões (cf.

artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

XXIV - A solução preconizada pela decisão recorrida de liquidar IVA no redébito das despesas com serviços de telecomunicações não assegura a neutralidade mas redunda, ao invés, numa distorção a esse princípio fundamental do IVA.

XXV - Caso esses serviços de telecomunicações tivessem sido facturados directamente pelo prestador (B…………. Portugal) aos seus reais adquirentes (em Espanha e na Dinamarca), não seria liquidado IVA – e o Estado Português não arrecadaria imposto – em virtude do disposto no artigo 6.º, n.ºs 8, alínea j), e 9, alínea a), do CIVA, na redacção então em vigor.

XXVI - Sucede que, por questões de ordem prática, sobretudo para facilitar os pagamentos, optou-se por facturar os serviços à Recorrente, com IVA incluído, imposto que por ela foi posteriormente deduzido XXVII - Em ambos os casos descritos, o efeito em termos de arrecadação de IVA para o Estado Português é neutro – no primeiro, o imposto nem sequer é liquidado pelo prestador; no segundo, o imposto é liquidado e deduzido.

XXVIII - Ora, não se concede, por ser contrário aos princípios da neutralidade e da uniformidade do imposto, sujeitar uma despesa a tributação pelo simples facto de o seu montante exacto ser repercutido ou redebitado.

XXIX - O entendimento preconizado pela Administração Tributária e sufragado pela sentença recorrida conduz, ainda, a uma duplicação indevida da liquidação de IVA sobre o mesmo montante apenas pela intervenção da Recorrente no redébito, o qual não tem substância económica.

Termos em que deve ser concedido total provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, considerada procedente a impugnação judicial e, por conseguinte, anulados os actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios n.ºs 12106037, 12106038, 12106039, 12106040, 12106041 e 12106042».

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento parcial ao recurso, revogada a sentença e proferido acórdão de anulação das liquidações adicionais resultantes das notas de débito respeitantes a serviços de telecomunicações e de manutenção das liquidações adicionais resultantes da prestação de serviços de reparação/substituição de componentes de aerogeradores, com base nos...

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